Além da fonte de inspiração literária, o filme foi motivado pelo espaço do apartamento em Russian Hill, São Francisco, indicado a Wayne por seu produtor. Ao visitar o imóvel, o diretor diz ter sentido “que ele tinha o clima de algo que lembrava o conto [de Chang-rae], e essa talvez tenha sido a causa de ter sido usado como locação” quando uma equipe independente muito pequena foi reunida para fazer o filme.
Diretor premiado de inúmeros filmes realizados a partir de 1982, inclusive Cortina de Fumaça (Smoke,1995), codirigido por Paul Auster, e uma comédia romântica como Encontro de Amor (Maid in Manhattan, 2002), Wayne admira, ao mesmo tempo, Jeanne Dielman (1975), de Chantal Akerman (1950-2015), e Yasujirô Ozu (1903-1963). Ozu dirigiu dezenas de filmes a partir de 1927, entre eles Era Uma Vez em Tóquio (Tôkyô Monogatari, 1953), escolhido em 2019, na pesquisa da revista Sight&Sound, como o melhor filme de todos os tempos.
Longe de mim pretender alçar Wayne à altura celestial de Ozu. Mas, além da admiração confessa, a influência do mestre japonês é notória em De Volta Para Casa – temos aqui um filme de planos longos e fixos, silencioso, sem música não diegética (salvo no epílogo), deliberadamente repetitivo e lento, com aparência de que nada acontece. Em compensação, sofisticado e intenso ao abordar tema de alcance universal, narrado, filmado e interpretado com maestria; atento aos mínimos detalhes, tratando da relação mãe e filho quando a morte se aproxima e os papéis costumeiros se invertem: Quem cuida de quem? Quem cozinha para quem?
Há duas linguagens semelhantes usadas em De Volta Para Casa – a do cinema, naturalmente, e a da gastronomia. Ambas recorrem à escolha cuidadosa de ingredientes seguida de sua combinação refinada. Imagens e sons, em um caso; carnes, peixes, legumes, molhos etc., no outro. A história do filme é a do filho – Chang-rae (Justin Chon), homônimo do autor do conto – que passa o dia preparando o jantar de Ano-Novo, tarefa que sua mãe (Jackie Chung) costumava fazer. Epílogo à parte, a ação se passa durante as cerca de 12 horas que transcorrem entre a volta da corrida matinal, ladeira acima, com a Ponte Golden Gate no horizonte, e o banquete em família, à noite, com a mãe, o pai (John Lie) e a irmã (Christina July Kim).
Na live mencionada acima, o chef coreano-americano Corey Lee, colaborador do filme, diz que “para pessoas que emigraram da sua terra natal para um novo país e tentam manter alguma espécie de identidade com sua cultura nativa, creio que a comida tem um papel importante”.
O autor do conto Coming Home Again, Chang-rae, considera, por sua vez, que as iguarias da culinária coreana não se limitam a um exercício do paladar. Equivalem, para ele, à experiência “de um certo tipo de memória, de vivência, que talvez a geração mais jovem não tenha. É também um modo de… eu acredito, ao menos era para mim e minha mãe, de nos comunicarmos de maneiras que não estávamos nos comunicando na cultura inclusiva. E com certeza não estávamos nos comunicando depois que eu parti para o colégio interno… As maneiras de nos conectar e ser realmente agradável, admirar um ao outro, demonstrar gratidão mútua, e deixar claro a importância que cada um tinha para o outro, não era necessariamente verbal. E talvez esse seja o caso em muitas, em alguns tipos de famílias de imigrantes. Com certeza era o caso na nossa. Mas a maneira que fazíamos isso, minha mãe e eu, era por meio dessas encenações. Que eram genuínas, quer dizer… Era por esse processo de apenas observar ela cozinhando quando eu era mais moço, começando a ajudá-la. Aí, no que a história mergulha, é quando comecei a cozinhar para ela. A ironia, como se vê no filme, é que ela não podia comer nessa época”.
Em entrevista concedida durante o Festival Internacional de Cinema de Toronto, no qual Coming Home Again foi exibido, em setembro de 2019, Wayne conta ter dito ao escritor Chang-rae, um ano antes, que “o ensaio é maravilhoso, e a morte de minha mãe realmente mexeu comigo, emocionalmente, em aspectos relacionados ao artigo; vamos fazer esse filme, e pronto. Então, reunimos algumas coisas diferentes, pessoais e independentes, muito pequenas, e filmamos”.
Adiante, na mesma entrevista Wayne explica que “no começo do filme, eu queria realmente manter os planos longos. Não estou tentando ser indulgente, não estou tentando incomodar as pessoas, mas queria que as pessoas se acomodassem na poltrona e pensassem sobre a cena, pensassem sobre o personagem e pensassem sobre si mesmas. De manhã, você faz um café e fica sentado lá por pelo menos 10 minutos. Eu só quero que o ritmo do início do filme seja muito conscientemente silencioso e muito lento, sem pressa. Conforme o filme se desenrola, o ritmo começa a aumentar. Mas, no começo, eu realmente quero que você se acomode. Algumas pessoas, tenho certeza, ficarão chateadas e simplesmente irão embora, mas outras pessoas, espero, se tranquilizarão. Você vê qualquer um desses filmes de ação hoje em dia, eles não deixam você respirar. Afinal, o filme é sobre o que a vida significa, a lentidão da vida, aceitando uma parte disso e depois também aceitando sua impermanência." (...). - (Fonte: Revista Piauí - Aqui).
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Ao ler "Afinal, o filme é sobre o que a vida significa, a lentidão da vida, aceitando uma parte disso e depois também aceitando sua impermanência.", eis que nos veio à mente um poema de Carlos Drummond de Andrade:
CIDADEZINHA QUALQUER
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
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