segunda-feira, 29 de junho de 2020

A TRAJETÓRIA FRANK SINATRA

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"Os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial em 1942, mudando a vida de milhões de pessoas. Os psicólogos afirmavam que o fenômeno Sinatra era um produto dessa experiência. Os pais, irmãos e namorados ausentes haviam deixado um vazio nas vidas dessas pessoas. Para muitos, a música e o cinema ofereciam uma forma de fugir dessa dura realidade, das penas e do horror."


A pandemia Sinatra

Por Jota A Botelho

Depois de deixar Tommy Dorsey e sua orquestra em setembro de 1942, Frank Sinatra começou a procurar emprego como cantor em vários lugares. Ele não era mais membro de uma banda, estava por conta própria. Por dois meses, ele não conseguiu encontrar um lugar para trabalhar. Muitos vocalistas de bandas que saíram nada conseguiam, e Sinatra seria um deles. As coisas estavam como antes, quando ele rompeu com a banda de Harry James. Mas em dezembro de 1942 as coisas mudaram.
Em dezembro, o telefone da casa de Frank Sinatra tocou. Era Bob Weitman, diretor do famoso Paramount Theatre.
Bob Weitman: O que você está fazendo na véspera de ano novo?
Frank Sinatra: Nada. Eu não posso nem ser reservado em qualquer lugar. Não encontro lugar para trabalhar.
Bob Weitman: Eu gostaria que você cantasse no teatro.
Frank Sinatra: Você quer dizer na véspera de ano novo?
Bob Weitman: Isso mesmo.
Isso foi obviamente muito surpreendente para ele, considerando que não conseguia encontrar um lugar nem para um dia normal. E agora, ele se apresentaria no Paramount Theatre!
                  (New York Paramount Theatre  -  1942)
Assim, Frank Sinatra estreou sua carreira solo no dia 30 de dezembro de 1942, num dos santuários da era do swing: o New York Paramount Theatre. O espetáculo estava programado para quatro semanas e Frank aparecia no rodapé do cartaz, acompanhando Benny Goldman, o rei do swing e diretor de banda número um do país.
O que aconteceu naquela primeira noite passou a formar parte da história não escrita da música. Durante uma hora, Benny Goodman levou o público ao delírio com sua música, antes de anunciar: “e agora, Frank Sinatra”. O estreante tirou a cabeça para fora da cortina, e ficou gelado. Imediatamente, as garotas da plateia soltaram um grito ensurdecedor. Goodman exclamou: “que diabos está acontecendo?”. Sinatra sorriu, correu até o microfone e cantou For Me And My Gal. Foi um caos.
Naquela noite, quando ele estava no palco depois de Benny Goodman no Paramount Theatre, de repente as pessoas começaram a gritar e gritar. As pessoas eram como loucas. Jack Benny se lembra “daquele dia em que apresentei Sinatra, pensei que o maldito prédio fosse desabar. Nunca ouvi tanta comoção com pessoas correndo para o palco, gritando e quase me derrubando da rampa. Tudo isso para um sujeito de quem nunca ouvi falar”.
A Tommy Dorsey Band ficou para trás. A era das Bigs Bands começava lentamente a desaparecer. Houve problemas contratuais, claro, mas se solucionaram no fim das contas.
Poucos dias depois do primeiro concerto no Paramount, o publicitário George Evans assistiu um dos shows de Sinatra. Viu o impacto que ele tinha entre os mais jovens, e sobretudo as mais jovens, e rapidamente deu um jeito de se aproximar do cantor, prometendo que queria ser o agente que o transformaria em estrela. Evans falou com alguns colunistas da imprensa, cuidadosamente escolhidos, sobre um novo artista cujo sucesso chegaria a ser maior que o de Bing Crosby, e os convidou a assistir um dos seus espetáculos. Contratou doze garotas para que desmaiassem no momento em que Sinatra entrasse no palco. Mas nem precisava ter perdido esse tempo: trinta pessoas desmaiaram de forma espontânea e tiveram que ser retiradas do auditório.
Durante as quatro semanas posteriores, o Paramount continuou lotado. Ao acabar o contrato, o teatro ofereceu a Sinatra mais quatro semanas, desta vez como atração principal do cartaz. A histeria nos concertos chegou a níveis impressionantes. As adolescentes gritavam e desmaiavam, e algumas mais excitadas lançavam seus sutiãs ao palco. Era a era das bobby soxers, e Frank era seu ídolo favorito. Eram chamadas assim pela roupa que usavam: meias (socks) brancas acima do calcanhar ou até o tornozelo com sandálias ou mocassins brancos ou marrons, saias plissadas e suéteres cor pastel.
George Evans batizou seu novo cliente como “A Voz”, e passou a reescrever seu passado. Diminuiu sua idade, dizendo que nasceu em 1917 e não 1915, para aproximá-la mais à das suas fãs. O apresentou como um “filho da grande depressão”, criado entre a pobreza e as penúrias. O garoto que sempre odiou as aulas de educação física foi transformado em lenda esportiva colegial. Se dizia que Frank jogava rúgbi contra grandalhões de 150 kg, corria como um Jesse Owens e havia treinado com os Harlem Globetrotter. Os pais de Sinatra eram imigrantes, mas passaram a ser conhecidos como norte-americanos autênticos. Dolly a parteira de Hoboken que o ajudou a nascer, se tornou uma enfermeira da Cruz Vermelha que serviu o país na Primeira Guerra Mundial. Do dia pra noite, Frank se transformou na personificação do sonho americano.
Evans estimulava as bobby soxers a criar seus próprios clubes de fãs, e a escrever cartas aos jornais sobre seu herói. Cada clube de fãs recebia um certificado assinado pelo próprio Frank. Meses depois, Evans já contava aos jornalistas que havia mais de mil clubes de fãs de Sinatra em todo o país, com nomes como The Moonlit Sinatra Club, The Slaves of Sinatra e The Flatbush Girls Who Would Lay Down Their Lives For Frank Sinatra Fan Club. Ao menos 250 desses clubes distribuíam suas próprias publicações, e Sinatra recebia uma média de 5 mil cartas por semana.
Os analistas sociais estavam horrorizados. Diziam que as fãs de Sinatra eram garotas gordas e insossas, de famílias da classe baixa, aquelas que ninguém nunca convida para sair e com poucas possibilidades de ter um namorado. Um congressista chegou a dizer que Frank era “o principal instigador da delinquência juvenil nos Estados Unidos”.
A histeria ao redor da figura de Sinatra não tinha precedentes. Nos concertos de Bing Crosby havia garotas que desmaiavam, mas nada em comparação com o que acontecia num concerto de Sinatra. Muitos se perguntavam qual poderia ser a causa desse delírio coletivo.
Os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial em 1942, mudando a vida de milhões de pessoas. Os psicólogos afirmavam que o fenômeno Sinatra era um produto dessa experiência. Os pais, irmãos e namorados ausentes haviam deixado um vazio nas vidas dessas pessoas. Para muitos, a música e o cinema ofereciam uma forma de fugir dessa dura realidade, das penas e do horror. Ademais, a falta de jovens solteiros também fazia projetar as fantasias sexuais sobre um objeto impossível de conseguir, uma opção segura. Sinatra era impossível de conseguir em dois sentidos: era uma estrela, e, portanto, estava fora do alcance da maioria, e estava “felizmente casado” com Nancy. A adoração por Sinatra provocava tantas emoções sexuais nas garotas que muitas sequer entendiam.
O próprio cantor disse, se referindo à atração que despertava, que “eram anos de guerra e havia uma grande solidão. Eu era o sujeito da loja da esquina, o cara que tinha ido à guerra”.
Sua popularidade também se desenvolveu junto com a cultura juvenil, fazendo dele o primeiro grande ídolo adolescente, o primeiro ícone pop. Até então, a infância e a adolescência eram bem mais curtas. Antes da Primeira Guerra Mundial, muitas crianças começavam a trabalhar aos 12 ou 13 anos. Ao chegar a Segunda Guerra Mundial, a idade em que se abandonava a escola havia aumentado bastante, situando-se entre os 15 e os 16 anos. Cada vez mais filhos de trabalhadores cursavam estudos superiores. Aqueles jovens tinham maior poder aquisitivo que seus antepassados, e o gastavam com roupa, maquiagem e música. Essa nova geração ensinou à indústria da música um novo método de marketing. Anteriormente, a música popular era comercializada entre o público de 30 e 50 anos idade. Mas depois de Sinatra, a indústria da música aprendeu que os adolescentes são muito mais dedicados como fãs de seus ídolos. Frank pegou esse trem bem na hora da partida, e permaneceu a bordo durante todo o trajeto.
Havia também outro tipo de fã de Frank Sinatra: a representada no famoso pôster com Rosie the Riveter, usado no recrutamento de mulheres para a indústria nos tempos de guerra. A Segunda Guerra Mundial deu às mulheres maior acesso aos trabalhos que tradicionalmente eram exercidos por homens. Pela primeira vez, as mulheres trabalhadoras podiam se manter de forma independente economicamente, e faziam valer seu direito a serem tratadas como iguais. Exigiam “liberação”, embora só conhecessem o direito a fumar, a beber e a dormir livremente com quem quisessem, como os homens.
Sinatra também teve um enorme impacto sobre os garotos. Muitos gostavam da sua música e tentavam imitar seu estilo. Mas também havia os que se queixavam. Numa foto muito conhecida se pode ver um grupo de marinheiros atirando tomates num anúncio para um concerto de Sinatra. O motivo? Simples: enquanto milhões de jovens americanos iam à guerra – o soldado raso médio ganhava 40 dólares por mês e provavelmente passaria anos sem ver a sua amada – Sinatra ficou em casa. Havia sido considerado não apto para o serviço militar, entre outras coisas, por ter um tímpano perfurado. Para piorar as coisas, Sinatra ganhava um milhão de dólares por ano e certamente faria essa amada que ficou para trás perder a cabeça.
                  (Capa do primeiro disco de Sinatra - lançado em 1946)
Em 30 de julho de 1945, ele iria cantar no estúdio da Columbia Records pela primeira vez, começava aí seus conhecidos anos como “Columbia Years”. The Voice of Frank Sinatra é o primeiro álbum de estúdio de Sinatra, lançado pela mesma Columbia, em 1946.  -  (Jornal GGN - Aqui -, onde estão disponíveis vídeos com os primeiros clássicos de Sinatra). 
Fontes adaptadas:

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