O gênio da América e do Brasil profundos não quer mais voltar para a garrafa
Por Wilson Ferreira
O atirador de Las Vegas; o vigia que ateou fogo em crianças numa creche em Minas Gerais; o ex-vereador que se passava como policial federal e produtor da TV Globo para extorquir e estuprar e, diz, ainda pretende ser presidente do Brasil para “acabar com a corrupção”. Lá nos EUA como aqui no Brasil o gênio foi tirado da garrafa para eleger um presidente e desestabilizar governos. A grande mídia cobre esses casos como eventos isolados, inexplicáveis, como “fatos diversos” da irracionalidade humana reforçado pelos indefectíveis “especialistas-informação-de-pauta” de plantão. Mas tanto lá como aqui são confirmações de que os pensamentos são coisas: formas-pensamento autônomas que dão ao “mal estar da civilização” (através da grande mídia em seus momentos de conflagração político-ideológica, oposição e guerra para desestabilização política) uma narrativa, lógica e com sentido. Para o gênio sincromístico sair da garrafa e nunca mais querer voltar.
"Os pensamentos são coisas"
Antigo aforismo oriental
Eventos trágicos como o do atirador de Las Vegas, Stephen Paddock, que matou 58 e feriu quase 500; ou a inexplicável tragédia na qual um vigia de uma creche no norte de Minas Gerais jogou álcool em crianças e nele mesmo e ateou fogo para matar 10 crianças e deixar mais 23 feridos, sempre causam consternação e revolta pela crueldade inexplicável.
Porém, apesar da barbárie que sugere atos de pessoas enlouquecidas, foram ações aparentemente premeditadas de maneira fria e calculada.
Mas fica a percepção da irracionalidade, do inexplicável, da brutalidade aleatória onde, para tentar buscar alguma racionalização, a grande mídia coloca diante das câmeras os tradicionais especialistas-informação-de-pauta como psiquiatras, psicólogos, delegados e médicos forenses.
Isso quando não entram em cena teóricos da conspiração falando de algum projeto secreto de controle mental governamental (como o MK Ultra, p. Ex.) no qual um indivíduo preparado através de drogas ou traumas psíquicos teria a personalidade propositalmente fragmentada para comandos serem ativados por determinados sons, palavras ou ações.
Stephen Paddock, o atirador de Las Vegas |
Armas e Fetiche
No caso norte-americano, é no mínimo espantoso o tom de “freak out” (apresentadores e comentaristas consternados e abalados) da grande mídia num país no qual a indústria do entretenimento fetichiza armas: as bebidas alcoólicas e cigarros podem ser extirpadas de filmes e séries (ou colocadas somente na boca dos vilões), mas as armas continuam em cena pela força do lobby da indústria armamentista.
Num país no qual a arma é um fenômeno eminentemente estético (a percepção de segurança e liberdade) – quanto mais velho o ator (ou o norte-americano comum), mais armas deve possuir para provar que ainda têm “munição” e de que a impotência se foi! Quanto mais velho, maior o arsenal bélico – sobre isso clique aqui.
O fascínio pelas armas nos EUA pode ser um fenômeno cultural - acredita-se que torna o país mais seguro, além da arma representar, no imaginário do norte-americano médio, a defesa do cidadão contra um possível governo totalitário. Porém, a indústria do entretenimento é o horizonte de eventos dessa cultura.
Assim como nos buracos negros, o horizonte de evento é o ponto de não-retorno no qual “os pensamentos viram coisas”: não conseguindo superar a velocidade escape, produtos de entretenimento tornam-se formas semi-autônomas através das energias psíquicas que atribuímos a eles. Estamos no campo da hipótese sincromística – através de um contínuo midiático atmosférico capaz de criar forma-pensamento no mundo ficcional (mas não ilusório) que em dadas circunstâncias (o vácuo mental de indivíduos que acreditam serem suas próprias ideais) podem entrar em contato com o mundo real (assassinatos seriais) – sobre isso veja os links no final da postagem.
Falso policial federal com crachá da Globo
No Brasil, dois eventos marcaram o noticiário recente, distantes no tempo e no gênero de notícia: o primeiro, uma trágica hard news; e o outro, um chamado “fato diverso” do noticiário policial, porém não menos sintomático. Exemplos dessa hipótese sincromística, dessa vez na densa atmosfera política e social na qual o Brasil está mergulhado.
(O crime decorrente de) suposta “doença mental com delírio persecutório” do vigia Damião dos Santos, que cometeu o bárbaro crime em Minas Gerais, foi coberto pela mídia corporativa como um episódio isolado, em algum lugar atrasado e pobre no interior do País. Mas nesse episódio podemos encontrar elementos sintomáticos com outro episódio que foi deslocado para a editoria das notícias policiais na imprensa.
Em São Paulo um homem se fazia passar por policial federal para estuprar e roubar mulheres no bairro nobre do Jardins, em São Paulo. Adson Muniz Santos, ex-vereador da cidade de Jussiape (Bahia), também apresentava um falso crachá de produtor da TV Globo.
O criminoso dizia ter “influência política” para resolver problemas das vítimas. Preso, diante das câmeras e na porta do camburão, fez uma mini coletiva para a imprensa cercado de microfones: “meu foco é chegar à presidência para acabar com a corrupção e por fim a tantas mortes no País...”, disse sério – diante da mídia, repetiu prontamente o script martelado diariamente pela TV e rádio.
É sintomático: as duas personagens que performava para sentir-se poderoso e acima de qualquer suspeita - policial federal e produtor da TV Globo – (fazem todo o) sentido após anos da dobradinha judiciário-grande mídia para desestabilizar os governos lulo-petistas.
O falso policial federal e produtor da Globo quer ser presidente para "acabar com a corrupção" |
“Fatos diversos” sem contexto
O tratamento isolado como “fato diverso” dado pela grande mídia (sem dar o devido contexto) encobre que, desde o momento em que a meganhagem judiciária tomou diariamente conta das telas (forças tarefas federais, procuradores e delegados com ares graves e poderosos em coletivas, policiais federais armados até os dentes com touca ninja negra e com seus indefectíveis personagens saindo às ruas para conduções coercitivas – o “japonês da federal”, o hipster, o sarado, a “gata” loira etc.), o fenômeno foi acompanhado pela proliferação de pequenos escroques, criminosos e golpistas que parecem emular esse fascínio por poder, armas e coerção.
Por exemplo, no interior de SP bandidos criaram uma Operação Lava Jato fake se fazendo passar por juízes e procuradores para extorquir empresários com telefonemas ameaçando sobre supostas investigações que poderiam ser paradas caso fossem pagas propinas aos criminosos – clique aqui.
No início desse ano um falso policial federal com jaleco, carteira e distintivo foi preso em flagrante extorquindo vendedores ambulantes em São Paulo. Abordado por policiais militares ainda tentou dar uma “carteirada” para tentar intimidá-los – clique aqui.
Um homem de 41 anos foi preso pelos crimes de extorsão e estupro. Morador em condomínio em Itu/SP, era chamado pelos vizinhos de “doutor” – andava com fardas e dizia ser militar e que, recentemente, teria passado num concurso para juiz federal e aguardava ser chamado. Passando-se por policial federal dizia fazer “parte de um esquema” para dobrar os investimentos das vítimas – clique aqui.
Basta uma rápida pesquisa no Google, para perceber o rápido crescimento, nos últimos anos, de “fatos diversos” no noticiário sobre golpes de falsos policiais federais ou juízes.
O pesadelo sincromístico
Pequenos escroques e golpistas sempre existiram. Porém, parece que agora o fascínio da grande mídia pelo poder de coação e prisão de armas reluzentes empunhadas por policiais federais telegênicos mandados para as ruas pela canetada de juízes e procuradores fornece uma palpitante narrativa para esses criminosos cotidianos de uma espécie de Brasil Profundo.
Estupro não é uma questão de prazer ou de tesão, mas de poder – o prazer de dominar o outro (sadismo). Seja o estupro sexual ou financeiro – a extorsão. E a liturgia midiática diária do Poder com prisões, coerções, delações premiadas e transmissões ao vivo de juízes decidindo o futuro do País é o caldo cultural para incendiar a imaginação e preencher o “vácuo mental” de golpistas e doentes psíquicos.
Em seu perfil em uma rede social, o vigia incendiário da creche de Minas Gerais fez publicações sintomáticas que espelham a atmosfera pesada que a grande mídia criou para o País: “tudo o que toca vira o que quiser” ou “tem gentes (sic) dando remédio escondido para padres ficarem com deprensão (sic) até eles associar (sic) ao mal depois deixa de dar que geração está esperando. Que país é esse?”.
Hoje o País e a mídia corporativa parecem colher os frutos produzidos por um gênio que não quer mais retornar para a garrafa. Desde que a mídia colocou diante das câmeras gente obscura e esquecida para engrossar as manifestações anti-Dilma (modelos anônimas nuas nas manifestações, acusados de estelionato e estupro organizando acampamento em frente a FIESP na Avenida Paulista, o procurador que vazou denúncias contra Lula envolvido em militância religiosa, cárcere privado e violência doméstica etc. – clique aqui), nada mais fez do que fornecer uma narrativa coerente para um Brasil Profundo psiquicamente doente.
Esquecidos pela História e civilização, encontraram uma tradução político-midiática para os seus demônios pessoais para poderem sair à luz do dia.
Assim como Trump deu voz à América profunda (aquela que vive em torno do fetiche das armas), no Brasil a grande mídia não consegue mais colocar o gênio de volta na garrafa, que agora arreganha os dentes para ela: em vídeo, o indefectível Alexandre Frota se limpa no banheiro com páginas da revista Veja cuja matéria de capa define Bolsonaro como “ameaça”.
E a Globo sofre pesados ataques em redes sociais e sites evangélicos depois de matéria no programa Fantástico sobre identidade de gênero e contra censura.
O gênio não volta
O “horizonte de eventos” do buraco negro midiático acabou criando um, por assim dizer, pesadelo sincromístico: assistimos indivíduos incorporando em série as verdadeiras formas-pensamento autônomas que atualmente povoam a pesada atmosfera nacional.
A expressão “incorporando” não quer dizer que as pessoas são simplesmente “possuídas” ou condicionadas de maneira behaviorista ou por algum truque subliminar midiático. As doenças psíquicas (o eterno “mal estar da civilização”, como Freud um dia destacou) sempre existiram desde que a humanidade saiu da Natureza e ingressou para o Simbólico. (Nota deste blog: "behaviorista"/Behaviorismo: teoria e método de investigação psicológica que procura examinar do modo mais objetivo o comportamento humano e dos animais, com ênfase nos fatos objetivos [estímulos e reações], sem fazer recurso à introspecção." - Wikipedia: AQUI).
Porém, seja pela indústria do entretenimento (para injetar “espontaneidade” aos seus produtos), seja pela grande mídia em seus momentos de conflagração político-ideológica (oposição e desestabilização políticas), esse “mal estar” sai do magma inconsciente para ganhar narrativa, lógica e sentido ideológico e político.
Agora é tarde. O gênio não quer mais voltar para a garrafa!
- (Fonte: Cinegnose - AQUI).
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