quarta-feira, 1 de julho de 2015

SOBRE JUSTICEIROS E MORALISTAS


Justiceiros e moralistas

Por André Araújo

Os tribunais da Inquisição foram instituídos em Portugal em 1536 pela bula papal CUM AD NIHIL MAGIS, do Papa Paulo III. Sua instituição se deu em quatro cidades: Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.

O Brasil colônia ficava subordinado ao Tribunal do Santo Ofício de Lisboa. O primeiro Grande Inquisidor foi o Cardeal Henrique, irmão do Rei Dom João III e ele mesmo depois Rei. A supervisão era do Conselho Geral do Santo Ofício, e todo o sistema era bastante estruturado, com Regulamentos e Regimentos e uma escala hierárquica complexa.

O Brasil sofreu três Visitações, ordenadas pelo Tribunal que jurisdicionava a colônia, o de Lisboa. Os arquivos das Visitações estão na Torre do Tombo em Lisboa.

Os quatro Tribunais entre 1540 e 1794 promoveram 689 Autos-da-Fé, onde foram queimadas vivas 1.176 pessoas e aplicados castigos a 29.590. Os castigos poderiam ser horríveis, mas sempre seriam para o bem do punido.

Todo o sistema baseava-se na DENÚNCIA sigilosa, onde alguém denunciava o vizinho como herege, bruxo ou dado a blasfêmia. A denúncia não tinha contraprova porque era secreta. A delação, intriga e vingança moviam o processo.

O princípio moral da Inquisição era que, ao punir ou queimar o acusado, estava-se SALVANDO SUA ALMA, isto é, a Inquisição estava sendo valiosa para o acusado.

A semelhança da Inquisição com os métodos da Lava Jato é nítida.

O juiz Moro sentiu-se sinceramente chocado com o anúncio da Odebrecht porque ele achava que o investigado Odebrecht DEVERIA estar arrependido e penitente e não desafiador como dá a entender o anúncio. (Nota deste blog: A empreiteira Odebrecht, logo após as prisões e outras medidas determinadas pelo juiz Moro, divulgou nota questionando as medidas, consideradas desprovidas de fundamentação). O Inquisidor não entende como o herege não lhe agradece pela oportunidade de se arrepender e confessar. Na Inquisição, o arrependimento era considerado salvação da alma, o que não significa a redução da pena na Terra. Era queimado vivo do mesmo jeito mas sua alma estava salva. Você deve delatar e se sentirá melhor, diria o Inquisidor.

O mal que os moralistas e justiceiros causaram à humanidade supera ao infinito o custo dos males que eles visaram punir. Na História o lugar mais alto é aquele dos REFORMISTAS, lutadores contra um sistema pela REFORMA e não pelo dedo apontado aos pecadores. Caberia a um grupo de reformistas pregar pela MUDANÇA DO SISTEMA, porque o que dá origem à corrupção é um sistema de governo; não o reformando a corrupção continuará a existir. A simples punição de alguns pecadores não faz os demais virarem virtuosos. Cem séculos de História demonstram isso. (Fonte: aqui).

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"Caberia a um grupo de reformistas pregar pela mudança do sistema". Ora, inexiste possibilidade de que isso venha a ocorrer. Um exemplo recente e eloquente: Todos sabem que o financiamento empresarial de campanhas políticas é certamente o maior alimentador da corrupção. O Supremo Tribunal Federal está ciente disso, e sua maioria se manifestou formalmente pela extinção desse pernicioso mecanismo, quando do julgamento de Ação Direta de Inconstituicionalidade apresentada pela OAB nacional. Acontece que o julgamento, a despeito de a maioria dos votos já haver sido proferida (placar de 6 a 1), foi atropelado por um dos ministros, que simplesmente reteve o processo por cerca de treze meses - permitindo que nesse intervalo a Câmara dos Deputados "decretasse" a inclusão, na Constituição, da possibilidade do financiamento empresarial de campanhas mediante doações para os partidos políticos. Tivemos, assim, algo que nos parece inédito: com um simples pedido de vista um ministro logrou invalidar decisão da Corte Suprema que já se encontrava praticamentre sacramentada.

Enquanto isso, o magistrado titular da Lava Jato se diz convencido de que as empresas acusadas de práticas ilícitas não poderão participar de licitações públicas, e dá mostras de querer ver sua vontade desde logo posta em prática. Como se inexistissem o devido processo legal, a presunção de inocência, o amplo direito de defesa, a necessidade de a culpa ser formada (mediante condenação definitiva - transitada em julgado)...

A abjeta corrupção tem de ser combatida e punida, mas pretender chegar a isso com base na simples vontade e ao arrepio da Lei é incorrer em inconstitucionalidade. 

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