Ilustração: Arcadio Esquivel.
Contra a democracia
Por Vladimir Safatle
Um dos pilares do paradigma liberal é a crença de que livre-mercado e democracia são termos que nunca podem entrar em contradição.
Segundo essa vulgata, por meio do livre-mercado garante-se a liberdade individual de empreender e defender seus próprios interesses.
Neste mundo, ser livre equivaleria a poder estabelecer contratos de maneira "não coercitiva", seja para vender a força de trabalho, seja para alugar o útero, seja para contrair matrimônio, seja para relacionar-se com o Estado por meio dos impostos ou para tomar empréstimos no banco. Diga-se de passagem, todas essas ações são, para os liberais, pensadas a partir de uma mesma lógica unidimensional.
Nesse contexto, "democracia" só pode significar "o regime que não interfere nos contratos firmados por pessoas livres". Quanto menos interferência estatal, mais liberdade; é o que diz o velho mantra. No entanto, foi esse mantra que levou o mundo a uma das piores crises do capitalismo. Por isso, sair da crise só será possível à condição de pararmos de nos deixar enfeitiçar por ele.
Se uma ideia ruiu nos últimos anos, foi exatamente a que vê, no livre-mercado, o modelo de uma sociedade civil livre. Deixado a si mesmo, o mercado é o regime que extorque contratos dos que não têm força social para afirmar sua liberdade, dos que não têm escolha real por estarem submetidos ao risco constante da precariedade e da vulnerabilidade. Por isso, o velho Hegel dizia que a sociedade civil nunca é suficientemente rica para acabar com a pobreza.
Tal extorsão mostra, nos dias de hoje, sua face mais clara quando vemos bancos e seus "experts" da grande imprensa mundial aterrorizarem populações com a ameaça do caos econômico, caso suas dívidas não sejam encampadas pelos Estados nacionais e transformadas em dívidas soberanas.
Ao aceitarem tal ameaça, os Estados destroem o sistema de segurança social que permitia um mínimo de liberdade à população diante da espoliação pelos economicamente mais fortes. Mas ao fazerem isso, eles destroem as verdadeiras bases da democracia.
Ou seja, a crise que o mundo vive hoje é a prova maior de que livre-mercado e democracia não andam necessariamente juntos, que há situações nas quais o primeiro pode destruir o segundo.
Com sua influência desproporcional, o sistema financeiro é, atualmente, a maior ameaça à democracia ocidental. Salvar tal sistema nos levará a uma nova forma de sociedade totalitária: a sociedade da precariedade generalizada. (Fonte: aqui).
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Travestido de austeridade, o desastre invade, por exemplo, lares europeus com desemprego, desespero e desesperança. Os próceres do livre mercado, enquanto isso, se refestelam com as oferendas e benesses estatais.
Ironicamente, certos analistas iluminados continuam na louvação ao Estado Mínimo e ao Livre Mercado, arvorando-se de ardorosos defensores da democracia, traduzida, segundo eles, na livre iniciativa do laissez-faire. Mas, claro, não explicitam o cenário: o laissez-faire se garante com os bônus; se algo der errado e os ônus derem as caras, aí o Estado velho de guerra que se vire pra garantir o leite dos espertos. O que, claro, não impede os analistas iluminados de espinafrar o Estado velho de guerra por todo e qualquer deslize detectado, mesmo que esse Estado velho de guerra venha apresentando 'n' méritos relativamente aos interesses populares. São os tais, esses analistas (e demais espertalhões).
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
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