Da tragédia de Mariana à de Brumadinho, a Vale registrou lucro líquido de R$ 42 bilhões, sem incluir o lucro do quarto trimestre de 2018. Os R$ 11 bilhões bloqueados pela Justiça representam cerca de um quarto do referido montante. (Em 2016, ano seguinte ao desastre de Mariana, a Vale lucrou 13,3 bilhões). Diante de tal realidade, o mercado - em estreita sintonia com o acionista, o verdadeiro gestor - sopesa oportunidades e ameças e mais uma vez elege as oportunidades como vencedoras a médio/longo prazo. Eis parte substancial da resposta à matéria intitulada "Por que as ações da Vale estão subindo após caírem 24,5% um dia antes?", do Uol - aqui.
(Brumadinho-MG, jan. 2019).
A tragédia neoliberal de Brumadinho
Por André Araújo
Os fanáticos das privatizações só veem vantagens em qualquer privatização. A máxima de uma empresa privada consagrada pela segunda onda do capitalismo é MAXIMIZAR O VALOR PARA O ACIONISTA. Dento dessa lógica a ferramenta central é a redução de custos dos fatores de produção; a redução de custos está por trás da recente tragédia do rompimento da represa de Brumadinho.
Nem sempre foi assim. O capitalismo imperial nascido na Inglaterra na virada do Século XVIII para o XIX tinha uma lógica de poder ligada à visão civilizatória de mundo que vinha do "ethos" britânico. Os ingleses espalharam pelo mundo suas ferrovias, plantações, docas (até o porto de Manaus era inglês). Junto com o investimento vinha um estilo, uma postura de orgulho da civilização inglesa espalhada pelos territórios primitivos.
As obras de engenheiros britânicos eram de extraordinária qualidade, como as represas que deram energia a São Paulo, a Gurapiranga e a Billings, sem um único acidente em mais de um século, a ferrovia da Serra do Mar de São Paulo a Santos, a maior do mundo em cremalheira em um declive impossível, linhas de navegação, serviços de águas, companhias de bondes, gás e eletricidade. Pelo caminho abriam mercado para os produtos da crescente indústria inglesa. Era uma visão de conquistadores mais do que de contadores. Cecil Rhodes criou um País e o Império britânico dominava 1/4 da superfície terrestre.
O atual capitalismo de matiz americanizada tem uma lógica mais estreita ligada ao valor das ações na bolsa, não há interesse na glória de um império, por isso veem como normal vender uma empresa símbolo como a MONSANTO, ícone de St. Louis, para os alemães da Bayer. O negócio foi bom para os acionistas da Monsanto e isso é a única coisa que interessa. O orgulho americano e os 14.000 empregos cortados nos EUA não valem nada.
O estouro das represas da VALE se insere nessa lógica. É óbvio, evidente, cristalino, que o desastre nasceu da INSUFICIÊNCIA da barragem de contenção dos rejeitos. Não houve trovão, tempestade ou terremoto para culpar. A pressão do material contido foi maior do que a resistência da barragem e essa só rompeu porque o muro deveria ser maior e mais espesso, o que custa mais investimento e MENOS VALOR PARA O ACIONISTA. É simples assim.
Técnicas de barragem são conhecidas desde os sumérios e assírios, há 10 mil anos. O cálculo é perfeitamente possível, o animal castor constrói barragens que não se rompem, os romanos e árabes construíram barragens precisas, as grandes hidroelétricas brasileiras têm barragens monumentais e seguras.
Hoje, o executivo é treinado para economizar no CURTO PRAZO, mesmo com o risco de prejuízos no longo prazo. Mas aí o executivo pode ser outro.
Toda, absolutamente toda a bússola da administração de uma EMPRESA DE MERCADO está no valor das ações. Essa é a religião dos administradores. Não há nenhum valor social, humanitário, patriótico no código dos rapazes com MBA, são mentes estreitas, focadas em um só objetivo.
Citemos um exemplo, a ELETROPAULO. Quando estatal a falta de energia durava 1, 2 ou 3 horas, quando havia. Hoje leva no minimo 10 horas e há muitos casos de falta de energia por mais de 24 horas ou até 4 dias. Qual a explicação? Para maximizar o lucro, e portanto o VALOR PARA O ACIONISTA, desmontou-se todo o valioso sistema de manutenção das redes, que vinha da antiga companhia São Paulo Tramway, Light and Power, de espírito inglês. Os funcionários tinham orgulho do uniforme LIGHT, orgulho que continuou na ELETROPAULO, estatal que tinha 27.000 empregados, número compatível com a extensão da concessão, uma das maiores do mundo; atendia a Grande São Paulo com 20 milhões de habitantes. Depois de privatizada o número de empregados caiu para pouco mais de 3.000, a manutenção foi terceirizada para quem cobrasse o menor preço. Obviamente que nesse esquema a qualidade dos funcionários caiu de 100 para 5, o serviço ficou péssimo, tudo em função de criar o MAIOR VALOR PARA O ACIONISTA.
Enquanto isso os Sardenbegs & Tecos da mídia só veem vantagem nas privatizações, continuam alardeando que o Brasil tem 400 estatais, que nenhum País tem tantas, etc., o que é PURA LENDA. Os Estados Unidos têm estatais em número de 8.600 mas com outro nome, são entes públicos que cuidam de águas e esgotos, aeroportos, portos, transportes coletivos nas cidades, usinas hidroelétricas, rodovias pedagiadas. O FORMATO LEGAL é de ente público mas têm a mesma função de estatais no Brasil. Aqui é SABESP, lá é NEW YORK WATER DEPARTMENT, mas fazem exatamente a mesma coisa, fornecem água, emitem fatura casa a casa, têm reservatórios, consertam as tubulações na rua, só que nos EUA não têm o nome de ESTATAIS; aqui seriam estatais.
Nos EUA são raríssimos aeroportos privados, no Brasil os maiores já são privatizados, nos EUA as rodovias com pedágio são do Estado e não de companhias como a CCR, os transportes coletivos são das Prefeituras, as represas e usinas hidroelétricas são Federais, os portos são estaduais. Os EUA, matriz do capitalismo neoliberal, NEM COGITAM DE PRIVATIZAR aeroportos, serviços de água, portos, ônibus e metrô, REALIDADE QUE OS NEOLIBERAIS BRASILEIROS ESCONDEM.
Por que os americanos não pensam em privatizar? Porque eles sabem que certos serviços públicos devem ter como prioridade o atendimento ao interesse público e não o MÁXIMO VALOR AO ACIONISTA; certos serviços não se prestam a ser financeirizados.
A Companhia Vale do Rio Doce tem origem no governo Arthur Bernardes e foi estatal por 60 anos. NÃO HOUVE ROMPIMENTO DE REPRESA nesse período. A Companhia tinha um viés de interesse público e era assim dirigida por engenheiros com foco no País e não na Bolsa de Nova York.
A privatização da VALE foi um banquete da especulação financeira, os grupos mais piratas do Brasil se sentaram à mesa para trinchar o porco, ninguém estava minimamente interessado em produção e País, o único que queria disputar e que era do ramo, Antonio Ermírio de Moraes, foi posto para fora do leilão.
Conclusão, hoje a VALE é uma empresa de financistas, sua única lógica é a de mercado de ações, é dirigida por financistas desde a privatização.
E ainda o novo governo tem como bandeira AFROUXAR OS CONTROLES AMBIENTAIS para estimular a mineração na Amazônia.
Na verdade as BARRAGENS DE CONTENÇÃO DE REJEITOS deveriam ter regras de RECUPERAÇÃO DE SOLO para evitar que nas áreas de mineração só fiquem crateras lunares, as áreas deveriam ser replantadas para uso ao menos recreativo, é assim que fazem países civilizados, como o Canadá.
A mineração no Brasil rende dólares hoje, mas deixa para trás uma ruína ambiental muitas vezes maior do que o que o Brasil ganhou com a exportação de minério barato. Qual a vantagem para o povo brasileiro? Mineração desse estilo é para países primitivos, o Brasil deveria ter outro rumo para seu futuro.
Por ironia da História, o desastre se dá exatamente no início de um governo que tem como uma de suas bandeiras (como já observado) RELAXAR a fiscalização ambiental que já é quase nula no Brasil. Hoje, no espasmo do desastre, se verifica que só 3% das barragens brasileiras foram fiscalizadas nos últimos dois anos.
País que não liga para dano ambiental é país primitivo, incivilizado. Essa atitude é indigna do Brasil moderno e com pretensões de grande País. - (Aqui).
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