quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A SAGA DE DOIS VAZAMENTOS


"É quase que simultâneo o surgimento de notícias na imprensa a respeito de novas fases da Lava Jato e o recebimento de informações oficiais sobre as operações. Ainda que alguns veículos sinalizem que recebem informações privilegiadas - o caso da condução coercitiva de Lula é um exemplo polêmico desde que o editor de Época insinuou que já sabia da ação na noite anterior - certo é que a assessoria da PF deposita informações na caixa de e-mail dos jornalistas cadastrados em sua lista - o GGN, inclusive - a tempo de que todos possam publicar os novos acontecimentos. Não foi o que aconteceu com o novo indiciamento de Lula.

Nesta quarta (5), por volta das 10h30, a manchete do Estadão indicava que a Polícia Federal decidiu, a partir da delação do réu delator da Lava Jato Nestor Cerveró, investigar corrupção no governo FHC. Isso ocorreu um dia após o prefeito eleito em São Paulo João Dória Junior (PSDB) denotar despreocupação com a possibilidade de correligionários serem presos na operação, e uma semana após o ministro da Justiça Alexandre de Moraes (PSDB) ter usado informações sigilosas da investigação em evento político.

Apenas duas horas após sair a notícia citando FHC - requentada, pois os dados são conhecidos desde junho, e sem detalhes ou qualquer menção à contratação pela Petrobras da empresa de um dos filhos do ex-presidente - Época mudou a direção dos holofotes da velha mídia para a notícia de que Lula foi indiciado novamente, agora em função da operação Janus, que apura suspeita de propina de R$ 20 milhões paga ao "sobrinho postiço" do ex-presidente pela Odebrecht em obras feitas em Angola.

A notícia contra Lula se espalhou e já é destaque em praticamente todos os grandes portais, lançando uma cortina de fumaça sobre a reportagem envolvendo propina em projetos da Petrobras durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A Folha de S. Paulo, por exemplo, não traz nenhuma menção ao fato em sua homepage no momento em que esta edição é fechada.

Nos títulos, Lula é o elo entre a Odebrecht e o empresário Taiguara dos Santos, sobrinho de sua ex-esposa, que conseguiu mais de 15 contratos com a empreiteira por obras em Angola. Época aproveitou para pesar a mão e insinuar que as palestras internacionais do ex-presidente são fonte de corrupção.

A defesa de Lula, ao rebater o novo indiciamento, sublinhou a parceria PF-mídia na tentativa de manchar sua imagem. Disse que irá analisar o documento da Polícia Federal, 'vazado para a imprensa e divulgado com sensacionalismo antes do acesso da defesa, porque essa prática deixa claro que não são processos sérios de investigação, e sim uma campanha de massacre midiático para produzir manchetes na imprensa e tentar destruir a imagem do ex-presidente mais popular da história do país.'

Lula tem argumentos a seu favor em relação ao vazamento e parceria com a mídia. Além de os detalhes do indiciamento da PF contra Lula terem sido dados apenas por Época, por volta das 12h30, o release com as informações oficiais e genéricas da Polícia Federal sobre o fato só foi disparado a toda a imprensa depois das 15h.

Só no informe a PF diz que 'as provas recolhidas e o relatório elaborado pela Polícia Federal seguem sob análise do Ministério Público Federal, que decidirá sobre eventual denúncia à Justiça dos investigados indiciados.' Na mídia, é como se Lula já estivesse em vias de ser condenado."





(De Cíntia Alves, Jornal GGN, post intitulado "A parceria PF-mídia e as diferenças quando Lula e FHC são alvos da Lava Jato" - AQUI

Faltou mencionar um fato importante: a participação do senador cassado Delcídio do Amaral no episódio que teria envolvido o ex-presidente FHC e seu filho: o senador cassado, à época diretor da Petrobras - nomeado pelo ex-presidente - e eventualmente implicado na prática de crimes em parceria com seu então subordinado Cerveró, após tomar conhecimento de que este, preso, cogitava oferecer colaboração premiada, pode ter tratado de inventar as mirabolantes malfeitorias que atribuiu aos ex-presidentes Lula e Dilma, denúncias espetacularmente alardeadas pela mídia. Era a cortina de fumaça ideal para Delcídio, por motivos mais do que óbvios. À época, este blog expôs tal raciocínio, que aos poucos parece vir se confirmando.

Tudo o que for de indício de prática ilícita tem mesmo é que ser investigado com rigor - e tratamento isonômico para todos -, mas é preciso ter cautela relativamente ao conteúdo das colaborações premiadas. Não é concebível que esses depoimentos sejam considerados verdadeiros libelos, como usualmente vem fazendo a Lava Jato. Cascas de banana não escolhem lugar: podem estar onde bem entenderem).

A propósito de delação premiada, aliás, vejamos:

                                           Luis Nassif e Elisabeth Queijo

Delação premiada como instrumento de coerção

Doutora em processo penal, Elisabeth Queijo chama atenção para os riscos de instrumento jurídico trazer mais riscos que benefícios

Jornal GGN - Em entrevista ao programa "Na sala de visitas com Luis Nassif", que você acompanha nesta quarta-feira aqui no GGN, a partir das 18h, Elizabeth Queijo, mestre e doutora em Processo Penal pela USP, avalia com preocupação a forma como o Ministério Público e a justiça têm se utilizado da delação premiada em caso de prisão de um réu. 
O mecanismo, criado em 2013, é um benefício legal concedido a um criminoso delator que aceita colaborar com investigações, indicando outros criminosos.
"Essa questão da admissão da delação quando há prisão, ela vai ter que ser pensada, porque, afinal de contas, não há bem maior para o indivíduo do que a sua vida e sua liberdade, e se o indivíduo sente que aquela é a única via de saída pra ele, que não há outro caminho [a não ser aceitar o acordo de delação], então realmente a prisão se transforma num instrumento de coerção para obtenção de delação", pondera Elizabeth, que também é especializada em temas como autoincriminação, provas, legítima defesa, colarinho branco e inquérito.
Ao ser questionada sobre a aparente partidarização das investigações da operação Lava Jato, tendo em vista o acúmulo de material sobre corrupção de um único partido e demora em produzir resultados com base em denúncias feitas a outros grupos políticos, a advogada respondeu que, apesar de não poder afirmar que esse é o modus operandi que predomina nas investigações da justiça curitibana, o fato é que qualquer tipo de seletividade é nociva para o resultado final do combate ao crime.
"É claro que nós sabemos que o princípio da igualdade é mais um ideal do que uma realidade, sempre foi assim. Mas, se nós abrirmos mão de lutar por ela, tudo acabou. Porque aí a justiça passa a ser não justiça, passa a ser vingança, ou represália (...). Então o Ministério Público, embora se alegue que a demanda é muito grande, que a estrutura também não dá conta de fazer todas as investigações num ritmo talvez que fosse adequado ou saudável, não é uma escusa, a meu ver, justificável pra que haja qualquer forma de seletividade".
(Para continuar, clique AQUI). 

....
Somos compelidos a admitir: quando o ex-presidente Lula denuncia o furor persecutório da república curitibana contra ele e seu partido, não há como contestar.

Nenhum comentário: