quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A DEGRADAÇÃO PLANEJADA DO ESTADO E DA ECONOMIA


A degradação planejada do Estado e da economia

Por José Carlos de Assis

A mesma inteligência por trás do desconhecimento das relações econômicas reais entre setor público e setor privado oferece à sociedade brasileira o espetáculo de uma ação programada para 20 anos de degradação do Estado e da economia. O plano Meireles-Temer não é nada menos que isso. Fruto da imbecilidade de um grupo de economistas e “cientistas” políticos neoliberais, a PEC 241 nos remete a um ambiente econômico insólito, no qual o gasto e o investimento público se esgotam em si mesmos, sem relação com o resto da economia.

As pessoas, sobretudo os funcionários públicos, preocupam-se justificadamente com a curva de seus rendimentos futuros a serem pagos ou não pelo Estado. Têm razão. Contudo, o problema real não é esse. É a relação do Estado com a economia. Imagine o congelamento em termos reais dos investimentos em habitação. Ao longo de 20 anos milhões de pessoas vão sair das casas dos pais, outros milhões vão se casar, outras tantas terão feito uma pequena poupança para abandonar seus barracos infectos e buscar uma alternativa habitacional.

Se o Governo congelar seus investimentos em habitação, o setor privado só cuidará de produzir habitação para a classe média e os ricos. Milhares de empresas construtoras terão seu mercado congelado. Algumas quebrarão e outras serão drasticamente reduzidas em tamanho. Mas a coisa não acaba aí. A produção proporcional de cimento, aço,  madeira, plástico terá também de ser congelada. A de móveis e utensílios domésticos, igualmente. Ao todo, milhões de trabalhadores perderão seus empregos, acrescentando sua desgraça à desgraça supostamente menor do servidor com salário congelado.

Contudo, o servidor que não perdeu o emprego representaria um mercado também congelado. Tudo o que se refere a uma curva de consumo do funcionalismo durante 20 anos ficará nivelado nos valores reais do próximo ano. Sem falar no desconforto e na insegurança que isso representaria para milhões de famílias, teremos de novo, aqui, a interseção com a economia privada, com a queda relativa da demanda dos servidores provocando milhões de desempregados, sobretudo dos jovens e dos acima dos 40 anos.

Ainda não é tudo. Na realidade, o pior ainda estaria por vir. Como a economia já está em depressão, o plano Meireles-Temer estará tratando a doença com doses mortais de um poderoso veneno depressivo. De fato, em depressão ou recessão, a única forma de recuperar a economia debilitada é pelo aumento decisivo do gasto e dos investimentos públicos, não importa o aumento da dívida (a relação dívida/PIB cairá com o crescimento da produção). Até mesmo o recessivo FMI passou a admitir isso, segundo seu último Global Outlook, no qual recomenda “ação fiscal” para favorecer a recuperação da economia mundial.

E ainda não é tudo. A economia ocidental está à beira de uma nova crise, ou na “terceira etapa” da crise de 2008, segundo a UNCTAD. Se houvesse racionalidade no Planalto ou na Fazenda, este seria o pior momento para se fazer um plano de ajuste. O Governo, com essa iniciativa de singular estupidez, revela o desconhecimento absoluto dos fundamentos da economia. Ou simplesmente está fazendo todos nós de idiotas, enquanto prepara um terreno de terra arrasada para entregar ao setor privado o patrimônio público e a soberania do país.

Entretanto, resta uma esperança. O Senado. Espero que tenha mais senso de responsabilidade do que a Câmara. (Aqui).
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[J. Carlos de Assis - Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre a economia política brasileira].
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Calheiros já anunciou que no Senado a votação da PEC 241 será vapt-vupt. Muitos dos ministros da alta corte - a maioria, talvez - aplaudem entusiasticamente a Proposta. A mídia tradicional, unida e coesa, trata de sonegar ao público detalhes da medida, valendo notar que algo como 77% dos brasileiros a desconhecem. Ou seja: se as coisas se mantiverem nesse ritmo, prevalecerá o alerta de Dante: 'Deixai fora toda esperança vós que entrais'.

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