sexta-feira, 21 de outubro de 2016

VOLTANDO À PEDALADA FISCAL


Divagações em torno de um bestialógico que virou impeachment

Por José Carlos de Assis

A pedalada fiscal é uma boçalidade em cima de uma estupidez. Virou peça acusatória no impeachment de Dilma como ilustração da fragilidade institucional do país quando se deparou com a vontade de poder de golpistas improvisados. Em termos substantivos, pedalada não é nada. Apenas um adiantamento de bancos públicos para cobrir despesas do Tesouro devidamente orçamentadas. Daí a boçalidade da acusação originalmente feita por um fiscalista meio idiota. E a estupidez, de onde veio?
Ah, essa vem de longe. Vem do início do governo Lula, vem mesmo de antes disso, ainda no governo FHC. A pedalada virou denúncia porque, através dela, o governo escondeu uma queda no superávit primário. E qual é o problema de uma queda no superávit primário? Substantivamente, nenhum.  Acontece que desde o governo FHC tornou-se um objetivo sagrado da política econômica brasileira fazer um alto superávit primário para agradar as agências de risco internacionais, que “dão notas” ao governo.
Assim, Dilma caiu, entre outros motivos, porque levou nota ruim das agências de risco, escondida pelas pedaladas. Entretanto, precisamos de ir um pouco mais adiante. Por que as notas das agências são tão importantes? Simplesmente porque a comunidade financeira internacional, ou seja, os grandes especuladores globais, controlam dessa forma a política econômica brasileira. Lembram que, antes, quem fazia isso era o FMI? Pois bem, já não é mais. Temos reservas de quase 400 bilhões de dólares e até emprestamos algumas ao Fundo.
Com o FMI fora da feitoria direta sobre o Brasil, seu papel de pretor da economia brasileira, e dos demais países em desenvolvimento, passou a ser exercido pelas agências de risco privadas. Suas notas determinam o custo dos empréstimos privados e estatais para o país, a começar dos empréstimos das próprias agências multilaterais. Isso estabelece uma cumplicidade entre tomadores de empréstimos no país e financiadores ou fundos externos que querem o conforto de uma avaliação de risco “independente” para seus créditos.
A matriz de avaliação de risco dessas agências é uma caixa preta. Num mundo em que grandes bancos como Bank America, Citigroup, Deutsche Bank, UBS e os 12 maiores bancos mundiais que controlam a Libor são acusados de fraudes bilionárias, imagina o que podem fazer as agências de risco para classificar ou desclassificar um país. Entretanto, a culpa também é nossa com nosso complexo de vira-lata: devíamos simplesmente mandar às favas as agências, e entrar na competição por crédito barato na Ásia, com bancos mais confiáveis.
Voltemos ao impeachment. O fato de se ter dado tanta ênfase a pedaladas no início do procedimento de impeachment revela o grau de improvisação do golpe. Posteriormente, acrescentaram uns decretos de suplementação orçamentária que também não eram crime. Por traz disso estava o óbvio: o PSDB atirou uma pedra ridícula e derrubou uma casa inteira, para a própria surpresa. Certamente a casa estava vulnerável. Contudo, a evidência da improvisação nos conduz imediatamente à situação seguinte, ou seja, ao governo Temer.
Esse governo é um improviso absoluto. Sem plano, sem objetivos coerentes, sem estratégia. Estamos literalmente sem rumo. O governo se agarra exclusivamente ao próprio poder. Suas pedaladas são literais: chutes para todo lado, sem coordenação, com ministros afirmando agora e se desmentindo logo depois, com um esboço de política externa absolutamente incompetente e, agora com a colaboração da presidenta do Supremo, iniciando uma descarada aproximação com os militares para que ajudem a cuidar de uma ordem interna cuja disrupção é o principal temor de quem chegou ao poder sem povo. (Fonte: aqui).
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[J. Carlos de Assis - Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de vinte livros sobre economia política brasileira].

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