terça-feira, 21 de maio de 2024

OLIVER STONE ESTREIA DOCUMENTÁRIO SOBRE LULA EM CANNES

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por Gianluca Cosentino

É um ano atípico para o Festival de Cannes. Com menos participantes, o festival distribuiu menos credenciais em uma tentativa de conter o excesso de público dos anos anteriores, e isso se nota nas ruas, bares e filas da cidade, que estão mais vazios do que de costume. Mesmo assim, a projeção de estreia do documentário Lula, dirigido por Oliver Stone e Rob Wilson, estava lotada.

Antes das luzes se apagarem, o delegado geral do festival, Thierry Frémaux, perguntou à plateia se havia muitos brasileiros presentes. A resposta foi morna, não tinha nem muitos, nem poucos. Ouvia-se muito espanhol, francês e inglês na sala. Perguntei para o espectador ao meu lado o que o trouxe até ali, e o americano disse ter crescido assistindo aos filmes do Oliver Stone apesar de nem ter ideia de quem é Lula. Fiquei com a impressão de que poderia estar em um evento mais pró-Oliver Stone do que pró-Lula.

O cineasta americano já fez vários documentários sobre líderes mundiais, incluindo latino-americanos como Hugo Chavez e Fidel Castro. E tendo em vista o histórico de Oliver Stone, esse não seria um documentário negativo para a imagem do presidente. O diferencial dessa produção é que Lula, ao contrário dos outros dois, nunca foi abertamente antagonizado por países ocidentais.

No entanto, isso não impediu o presidente brasileiro de ser vítima de uma perseguição que resultou em sua prisão política, e as minhas expectativas eram de que Oliver Stone iria investigar a interferência estrangeira através da Operação Lava Jato com documentos e entrevistas que fortalecessem essa tese. Mas não foi esse o caso. Parece-me que a intenção de Stone foi de biografar o primeiro presidente brasileiro originário da classe trabalhadora para um público estrangeiro. O filme conta com entrevistas do presidente Lula, mas também do jornalista americano Glenn Greenwald e do hacker Walter Delgatti.

Foto: Gianluca Cosentino

O prólogo é conciso: o filme abre com diferentes discursos de Lula para multidões trabalhadoras nos anos 1980, e em seguida exalta os feitos de seus dois primeiros mandatos: a diminuição da pobreza, o sucesso econômico e o reconhecimento internacional. Tudo isso levando em consideração o contexto histórico latino-americano conhecido como a “onda rosa”, em que diversos países do continente elegeram líderes progressistas que não governariam para o capital estrangeiro.

E então chegamos na infância de Lula, conhecemos sua mãe, Dona Lindu, suas origens em Pernambuco e sua chegada a São Paulo. Ao desenvolver a vida pessoal do presidente, Oliver Stone se preocupa em oferecer o contexto histórico brasileiro, especialmente o golpe militar de 1964 apoiado, se não originado, pelo presidente americano Lyndon B. Johnson.

A velocidade rápida com a qual as informações são entregues à plateia deixa o documentário com um ar simplório. Apesar de ser bem didático, o público não tem tempo para digerir tanta informação, e os tópicos não são bem desenvolvidos, criando uma superficialidade que não está presente nos outros documentários do diretor americano.

Por outro lado, o filme é bem sucedido ao servir de plataforma para que Lula esclareça certas suposições sobre si. Em entrevista direta ao cineasta, o presidente exalta que nunca foi comunista, arrancando risos da plateia pela declaração que parece ser boba, mas a justaposição dessa fala com imagens da classe média protestando pelo fim do comunismo durante as jornadas de junho de 2013 ilustra bem a grave crise intelectual da classe média brasileira.

O presidente tenta ser o mais diplomático possível, e evita chamar adversários de inimigos; já o cineasta não se resguarda e antagoniza diretamente a imprensa brasileira, explicando para os estrangeiros como funciona a estrutura oligárquica por trás dos meios de comunicação brasileiros. Sua conclusão é de que a mídia atuou de ma fé ao usar a operação Lava Jato como instrumento político para tirar o poder do Partido dos Trabalhadores.

O diretor também nos relembra que Dilma, Lula e diversos setores do governo, como o Ministério de Minas e Energia, e empresas de estratégia nacional como a Petrobrás estavam sob espionagem americana. Mesmo assim, por mais que Oliver Stone insistisse, Lula não antagonizou os americanos em momento algum, pelo contrário, disse que uma boa relação com os Estados Unidos é necessária a qualquer custo.

Em nenhum momento o documentário discutiu a hipótese de que o Brasil possa ter sido vítima de uma revolução colorida. A desestabilização social que começou em 2013 é atribuída exclusivamente à operação Lava Jato, e o golpe de 2016 como um ataque de rancor daqueles que perderam a eleição por uma quarta vez seguida.

Uma informação interessante: Oliver Stone menciona senadores pró-golpe visitando Washington com certa frequência na época do impeachment, mas como ele não cita nomes, o argumento fica incompleto. O que faz esse documentário destoar dos outros já feitos pelo diretor é a falta de pesquisa. Como Oliver Stone fez um trabalho meticuloso para seu documentário sobre o assassinato de John F. Kennedy, imaginei que ele apresentaria uma pesquisa mais profunda sobre o lawfare e traria evidências sobre o envolvimento americano no golpe de 2016 e na prisão de Lula. Mas quanto mais Oliver Stone insistia em antagonizar os americanos, mais Lula se mostrava diplomático.

Bolsonaro e Moro são dois personagens que ganham bastante espaço de tela por todas as falcatruas que aprontaram, desde a boiada que passou na Amazônia até o ataque sem fundamento às urnas e a candidatura presidencial relâmpago e mal-sucedida de Sérgio Moro. Ao aparecerem na tela, os dois foram sumariamente vaiados pelo público presente, e suas gafes, que um dia foram motivos de terror, hoje causaram gargalhadas.

O segundo turno das eleições presidenciais de 2022 serve como clímax na estrutura narrativa, mas todos na plateia já sabiam o resultado. A meu ver, teria sido mais interessante desenvolver certos temas, especialmente as engrenagens mais profundas do lawfare, do que dramatizar o resultado de uma eleição onde todos sabíamos o resultado.

No fim das contas, a única inferência que Lula faz em relação à interferência estrangeira no golpe de 2016 e em sua prisão é de que foi coincidência demais a mesma narrativa ter sido vivida em países vizinhos como Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina. E isso se via na plateia: vários sul-americanos presentes se identificavam com o filme, diziam que seus governos também foram vítimas recentes de lawfare, tendo como caso mais recente o da ex-presidente da Argentina, Christina Kirchner.

E era ali onde estava a principal intenção do cineasta: explorar o horror que quase vivemos caso a eleição tivesse tido um outro resultado, e servir de exemplo para outros países de que é possível superar esses mensageiros do capital estrangeiro como Bolsonaro e Milei.

Foto: Gianluca Consentino

No fim das contas, não há nada de novo para nós brasileiros em termos de informação. Nem Oliver Stone e nem Lula precisam nesse momento de um filme “justificando narrativas”, muito menos para um público estrangeiro. O propósito de Oliver Stone é usar a história de Lula como um “case de sucesso” em que a democracia vence o facismo e vender esse otimismo para os estrangeiros de que sim, é possível construirmos um mundo melhor.

Ao acender as luzes, Oliver Stone estava visivelmente emocionado, e brasileiros timidamente cantaram “ole ole ole olá, Lula, Lula…” e frases como “Viva o Nordeste!”.

Deixo aqui meu obrigado ao festival de Cannes por dar espaço a esse filme.

Gianluca Cosentino
Formado em roteiro e atuação pela Universidade do Sul da California.......................................................................................................................................................................................................................................................................... (Fonte: CARMATTOS  -  Blog de Carlos Alberto Mattos   -  Aqui) .................

"No fim das contas, não há nada de novo para nós brasileiros em termos de informação. Nem Oliver Stone e nem Lula precisam nesse momento de um filme “justificando narrativas”, muito menos para um público estrangeiro. O propósito de Oliver Stone é usar a história de Lula como um “case de sucesso” em que a democracia vence o facismo e vender esse otimismo para os estrangeiros de que sim, é possível construirmos um mundo melhor."

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