quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

MUNDOS EM CHOQUE NOS LENÇÓIS MARANHENSES

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'BETÂNIA' no Festival de Berlim


Por Carlos Alberto Mattos

Bumba meu boi e reggae remix
Evangélicos e DJ drag
Falta de luz e aerogeradores de energia eólica
Tambores tradicionais e internet
Pesca artesanal e turismo radical 

Os mundos arcaico e moderno ora interagem, ora se chocam em Betânia, filme que representa o Brasil na mostra Panorama do Festival de Berlim. A beleza absurda dos Lençóis Maranhenses extasia nosso olhar e a música da região embala nossos ouvidos. Trata-se, no fundo, de um filme musical entremeado por esboços de histórias.

A sinopse oficial engana: “Depois de enterrar seu marido, Betânia, 65, busca na comunidade a força para reinventar sua forma de viver no isolado povoado dos Lençóis Maranhenses. Movida pelo som ancestral do Bumba Meu Boi, Betânia luta para manter o sentido de identidade, enquanto tradição e modernidade colidem”. Na verdade, a matriarca Betânia e sua família são não mais que um pretexto para o autor Marcelo Botta inventariar os dilemas daquele pedaço insólito de Brasil de uma maneira original.

As dunas modificam progressivamente a paisagem, desviam o curso dos rios e alteram a vida da população. A pesca é cada vez mais incipiente, e o lixo de outros lugares vem dar às lagoas locais. Os jumentos são trocados por quadriciclos para atender aos turistas que se aventuram nas imensidões de areia, sob risco de se perderem como náufragos no deserto.

Após a morte do marido, a parteira Betânia é convencida pelas filhas a se mudar da isolada Ponta do Mangue para o povoado de Betânia (sim, o lugar também tem o seu nome, saído da Bíblia), onde vai tomar seu primeiro banho de chuveiro. Perto dali fica a cidade de Santo Amaro do Maranhão, onde a ação do filme ganha outra voltagem. Uma das filhas de Betânia é evangélica, enquanto a sua filha é lésbica e quer ser DJ. O neto adolescente parece interessado numa fação criminosa. O genro é guia turístico e conduz um casal de franceses em incursão perigosa pelas dunas em época de seca.

A ficção às vezes assume ares de conversa documental para delinear o contexto numa pegada etnográfica. A morte do marido de Betânia, por exemplo, é atribuída ao sal com que se conservam os alimentos à falta de energia elétrica nas localidades mais remotas. No fim das contas, ficamos com um pequeno painel das carências e contradições que povoam os Lençóis Maranhenses.

Tudo isso nos chega pontuado por folguedos, incelenças e tambores de crioula, com ou sem a participação dos personagens centrais. Estes são vividos por atores ou pessoas comuns, todos do Maranhão, com resultados excelentes. Diana Mattos, que interpreta Betânia, é funcionária pública em São Luiz e palhaça em apresentações para o público infantil.

A montagem de Márcio Hashimoto, bastante heterodoxa, cria imprevisibilidades a todo momento, desfazendo a linearidade e fertilizando a estrutura do filme com a riqueza da música regional. Além de tudo o que podemos apreciar da vida de Betânia e seu entorno, o que deve ficar gravado com mais nitidez em nossa memória são as paisagens deslumbrantes dos Lençóis, suas vastidões alvas e suas lagoas floridas.-(Fonte: Carmattos  -  Blog do Autor: Aqui).

>> Betânia tem seis sessões no Festival de Berlim e ainda não tem data de estreia no Brasil.

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