Trechos de editorial do jornal Financial Times (uma espécie de bíblia dos banqueiros da Europa), publicado neste sábado 4/IV, de título "vírus expõe a fragilidade do contrato social":
"Se há alguma consequência "positiva" da pandemia da Covid-19 é que ela criou uma espécie de "sentimento de união" em muitos países. Mas o vírus, assim como as duras medidas econômicas necessárias para combatê-lo, também deixaram à mostra as desigualdades de nossas sociedades - e também criaram novos problemas sociais.
Após derrotar a doença, uma nova questão que todos os governos deverão enfrentar brevemente é se os atuais sentimentos de "união" e "propósito comum" poderão contribuir para o bem da sociedade após a crise - afinal, assim como os líderes ocidentais aprenderam com a Grande Depressão de 1929 e com a Segunda Guerra Mundial, ao exigir "sacrifício coletivo" do povo é necessário oferecer, também, um contrato social que beneficie a todos.
A atual crise, entretanto, expõe como os países ricos não conseguiram cumprir esse ideal. A luta para conter a pandemia deixou claro como os sistemas de saúde pública estão sucateados. As fragilidades das economias nacionais também se tornam evidentes, à medida em que os governos se desdobram para tentar impedir falências em massa das empresas e altas record nas taxas de desemprego. (...)
As medidas de paralisação da economia impõem um alto custo àqueles que já estão mais fragilizados. Da noite para o dia, milhões de pessoas perderam seus empregos em setores como hotelaria, lazer e outros serviços relacionados. (...) Além disso, as pessoas em empregos mal-remunerados que ainda estão liberadas para o trabalho continuam a arriscar suas vidas - como técnicos do setor de saúde, repositores e estoquistas de supermercados, profissionais de limpeza e motoboys.
A ajuda financeira dos governos para a economia, ainda que necessária, poderá piorar a situação. Muitos países que permitiram o surgimento de um mercado de trabalho precarizado e mal-regulado perceberam a dificuldade que é canalizar corretamente os recursos para ajudar as pessoas em condições tão instáveis. (...)
Reformas radicais, que revertam a direção tomada nas últimas quatro décadas, deverão ser discutidas. Os governos deverão aceitar um papel maior na economia. Eles precisam começar a ver os serviços públicos como um investimento, e não mais como um gasto, e também buscar soluções para tornar o mercado de trabalho menos precário. A redistribuição de riquezas voltará ao centro dos debates e os privilégios dos mais ricos deverão ser questionados. Medidas até recentemente consideradas excêntricas, como a renda básica universal e a taxação de grandes fortunas, também precisam ser consideradas.
As medidas não-convencionais que muitos governos estão tomando para garantir a segurança das empresas e dos trabalhadores durante a atual crise são, muitas vezes, comparadas à "economia de guerra" - algo que os países do ocidente não experimentam desde a Segunda Guerra. A analogia pode ser ainda mais profunda.
Os líderes que venceram a Guerra não esperaram o fim do conflito para planejar o que viria pela frente. Franklin Roosevelt e Winston Churchill criaram a "Carta do Atlântico", que estabeleceu as fundações para a ONU, em 1941. O Reino Unido publicou o "Relatório Beveridge", seu comprometimento a um estado de bem-estar social, em 1942. Em 1944, a Conferência de Brenton Woods forjou a estrutura financeira mundial do pós-guerra. Hoje, nós precisamos do mesmo tipo de visão. (...)"
(Editorial do Financial Times, edição de 4.4.20, traduzido pelo site Conversa Afiada - Aqui -.Após derrotar a doença, uma nova questão que todos os governos deverão enfrentar brevemente é se os atuais sentimentos de "união" e "propósito comum" poderão contribuir para o bem da sociedade após a crise - afinal, assim como os líderes ocidentais aprenderam com a Grande Depressão de 1929 e com a Segunda Guerra Mundial, ao exigir "sacrifício coletivo" do povo é necessário oferecer, também, um contrato social que beneficie a todos.
A atual crise, entretanto, expõe como os países ricos não conseguiram cumprir esse ideal. A luta para conter a pandemia deixou claro como os sistemas de saúde pública estão sucateados. As fragilidades das economias nacionais também se tornam evidentes, à medida em que os governos se desdobram para tentar impedir falências em massa das empresas e altas record nas taxas de desemprego. (...)
As medidas de paralisação da economia impõem um alto custo àqueles que já estão mais fragilizados. Da noite para o dia, milhões de pessoas perderam seus empregos em setores como hotelaria, lazer e outros serviços relacionados. (...) Além disso, as pessoas em empregos mal-remunerados que ainda estão liberadas para o trabalho continuam a arriscar suas vidas - como técnicos do setor de saúde, repositores e estoquistas de supermercados, profissionais de limpeza e motoboys.
A ajuda financeira dos governos para a economia, ainda que necessária, poderá piorar a situação. Muitos países que permitiram o surgimento de um mercado de trabalho precarizado e mal-regulado perceberam a dificuldade que é canalizar corretamente os recursos para ajudar as pessoas em condições tão instáveis. (...)
Reformas radicais, que revertam a direção tomada nas últimas quatro décadas, deverão ser discutidas. Os governos deverão aceitar um papel maior na economia. Eles precisam começar a ver os serviços públicos como um investimento, e não mais como um gasto, e também buscar soluções para tornar o mercado de trabalho menos precário. A redistribuição de riquezas voltará ao centro dos debates e os privilégios dos mais ricos deverão ser questionados. Medidas até recentemente consideradas excêntricas, como a renda básica universal e a taxação de grandes fortunas, também precisam ser consideradas.
As medidas não-convencionais que muitos governos estão tomando para garantir a segurança das empresas e dos trabalhadores durante a atual crise são, muitas vezes, comparadas à "economia de guerra" - algo que os países do ocidente não experimentam desde a Segunda Guerra. A analogia pode ser ainda mais profunda.
Os líderes que venceram a Guerra não esperaram o fim do conflito para planejar o que viria pela frente. Franklin Roosevelt e Winston Churchill criaram a "Carta do Atlântico", que estabeleceu as fundações para a ONU, em 1941. O Reino Unido publicou o "Relatório Beveridge", seu comprometimento a um estado de bem-estar social, em 1942. Em 1944, a Conferência de Brenton Woods forjou a estrutura financeira mundial do pós-guerra. Hoje, nós precisamos do mesmo tipo de visão. (...)"
Este Blog colocou aspas na palavra "Desistir", no título do post, considerando o que foi visto na crise de 2008, em que o mercado financeiro [bancos e financeiras], atolado em títulos podres geradores de monumentais ganhos artificiais, foi socorrido pelo Estado [o Estado norte-americano despendeu 800 bilhões de dólares], que teria levado em conta o "risco sistêmico", a ameaça de todo o sistema desmoronar em face da quebra de grandes bancos encalacrados. Como se viu, o neoliberalismo chegou a balançar, mas o velho e atento Estado tratou de preservá-lo - até porque os postos-chave estatais estavam/estão nas mãos de neoliberais. Quando o pesadelo em curso terminar - o quanto antes, esperamos - o Financial Times, 'bíblia' dos banqueiros, estará a postos para incensar o neoliberalismo).
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