"Muito estranho, mas é verdade: estou me sentindo uma espécie de "estrangeiro" onde nasci e sempre vivi.
Esta inadaptação pode resultar um pouco da minha idade. O velho não tem muita paciência e se torna muito exigente com as coisas em geral.
O fato é que não gosto da nossa imprensa empresarial; não mais gosto do que faz o nosso sistema de justiça criminal; detesto a maioria dos governantes que hoje tomam ou tomaram posse; nunca gostei do nosso modelo de sociedade, injusto, capitalista, desigual, individualista e hipócrita; estou decepcionado com o nosso povo que escolheu, para Presidente da República, uma pessoa asquerosa (adepta da tortura e do extermínio de seus adversários).
Acho que estou assistindo à derrocada de quase todos os valores que sempre estiveram presentes em minha vida, pelos quais sempre lutei.
Enfim, não gostaria de terminar a minha existência no seio de uma sociedade tão ruim como esta.
Não posso deixar de registrar o meu desencanto com a "comunidade jurídica", onde me realizei profissionalmente. Explico.
Salvo as sempre existentes exceções, os juristas de meu país estão absolutamente omissos diante da chegada de algo muito parecido com o fascismo.
Muitos a tudo se submetem, por opção ideológica mesmo, outros por mero oportunismo e carreirismo. A maioria dos advogados não quer comprometer sua atividade profissional e continua a bajular ministros e desembargadores ou poupa de críticas as mazelas do nosso Poder Judiciário.
A maior parte da juventude, mormente os estudantes, está alienada e só pensa em seus interesses mais imediatos. Viciadas em tecnologia, as novas gerações se afastam, cada vez mais, da cultura, do conhecimento científico, das lutas sociais e do conhecimento histórico. Justiça social não é, nem de longe, uma de suas principais preocupações. Mais importante é trocar o celular por um de última geração... Os outros ... são os outros ...
Nos atuais dias, poucos se preocupam com a dor alheia, poucos se preocupam com o sofrimento dos outros.
Hedonismo e individualismo estão cada vez mais predominando em nossa sociedade, competitiva e alienante.
A minha derradeira esperança, para mudar todo este deletério estado de coisas, era a rebeldia dos jovens, que pouco teriam a conservar. Decepção. Dentre eles, não é muito fácil encontrar uma consciência verdadeiramente crítica.
Nos dias de hoje, muitos jovens são levados, facilmente, pelos modismos criados pelos projetos empresariais, muitos destes projetos comerciais são concebidos no estrangeiro. As crianças estão robotizadas pela gananciosa propaganda, sob os olhares complacentes de seus pais infantilizados.
Seria infindável a minha "choradeira". Mas quero terminar lamentando o crescente fundamentalismo religioso que, indevidamente misturado com a política, cria condições para uma sociedade obscura, conservadora e inimiga da cultura e do conhecimento científico. A razão perde espaço para as crendices. A lógica perde espaço para o raciocínio de difícil entendimento.
Mais uma vez confesso que não sei o que fazer. Entretanto, sei que não posso deixar de fazer alguma coisa. Estou achando que aqui não é o meu lugar. Parentes, alguns poucos amigos e vocês, leitores desta página, ainda me dão alguma esperança de eu poder fazer alguma coisa útil neste ambiente tão hostil.
Como disse em mensagem anterior, parodiando uma linda música de Victor Heredia, ouso dizer que ainda sinto estar "vivo entre tantos mortos". Enquanto continuar achando que realmente a vida vale a pena, vou continuar tentando ressuscitar alguns destes zumbis ...".
(De Afrânio Silva Jardim, post intitulado "Este já não mais é o meu país", publicado no GGN - Aqui.
Afrânio Jardim é professor associado de Direito da Uerj, segundo ele mesmo, 'por pouco tempo'.
O texto suscita reflexão sobre como, de certa forma, funcionou exitosamente a tática jurídico-midiática de incutir na opinião pública, em especial nos jovens, a impressão - melhor seria dizer convicção - de que todos os defensores do Estado Forte são corruptos. Tal tática perdurou ao longo de anos, ante a inoperância dos estatistas no sentido de, mediante uma abrangente e democrática política de comunicação, apontar a verdadeira dimensão do problema. Resultado: o que se está a ver.
Em decorrência, afigura-se 'natural' o sentimento que ora angustia o veterano professor - e certamente muitos outros cidadãos brasileiros.
Felizmente o professor reage ao final, para dizer "que ainda sinto estar 'vivo entre tantos mortos'. Enquanto continuar achando que realmente a vida vale a pena, vou continuar tentando ressuscitar alguns destes zumbis").
O texto suscita reflexão sobre como, de certa forma, funcionou exitosamente a tática jurídico-midiática de incutir na opinião pública, em especial nos jovens, a impressão - melhor seria dizer convicção - de que todos os defensores do Estado Forte são corruptos. Tal tática perdurou ao longo de anos, ante a inoperância dos estatistas no sentido de, mediante uma abrangente e democrática política de comunicação, apontar a verdadeira dimensão do problema. Resultado: o que se está a ver.
Em decorrência, afigura-se 'natural' o sentimento que ora angustia o veterano professor - e certamente muitos outros cidadãos brasileiros.
Felizmente o professor reage ao final, para dizer "que ainda sinto estar 'vivo entre tantos mortos'. Enquanto continuar achando que realmente a vida vale a pena, vou continuar tentando ressuscitar alguns destes zumbis").
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