'Países não fazem cortesias, países têm interesses e não se comportam por pura empatia.' De fato. Entretanto, ao abordar a questão da parceria Brasil Israel e a anunciada intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, é preciso levar em conta as relações entre o presidente Jair Bolsonaro e lideranças pentecostais. Que compromissos o então candidato assumiu? Líderes do Cinturão da Bíblia, que abrange amplo território do sudeste dos EUA, exercem forte influência sobre igrejas evangélicas do Brasil. E quanto ao mundo árabe? E quanto à geopolítica? E quanto à tradição diplomática e o pragmatismo comercial? Boas perguntas.
A carta brasileira de Benjamin Netanyahu
Por André Araújo
O Primeiro Ministro de Israel não é político de perder tempo. Já foi várias vezes aos EUA, país que é seu único aliado, lá fica horas e volta para controlar a turbulenta política israelense, das mais complicadas do mundo, com população muito diversificada, de espectro ideológico de esquerda à extrema direita. Netanyahu é do Partido Likud, conservador, mas precisa de apoio de partidos mais à direita para se equilibrar, está longe de ser uma unanimidade em Israel; é dos políticos mais contestados, especialmente pelos israelenses mais cultos e sofisticados intelectualmente, e agora enfrenta também sérias acusações de corrupção e está com o cargo sob ameaça.
O Brasil deu a esse político astuto uma ótima carta, um presente no oferecimento de uma improvável aliança ideológica, algo impensável dentro de um conceito elementar de geopolítica. Países não fazem cortesias, países têm interesses e não se comportam por pura empatia.
Sob o ponto de vista estratégico, a aliança lógica do Brasil é com o mundo árabe, grande comprador de produtos brasileiros no setor de proteína animal, atividade que emprega muitos brasileiros tanto na área agrícola como na industrialização. Junto com o Irã, o mundo árabe é o maior mercado para a carne de frango do Brasil, um mercado que levou décadas para conquistar porque depende de métodos de abate ajustados à cultura muçulmana.
A tácita aliança do Brasil com o mundo árabe é antiga, vem da viagem do Imperador Dom Pedro ao Líbano em 1870, o que provocou uma grande emigração de sírio-libaneses. A primeira grande diáspora antes da Primeira Guerra, uma segunda diáspora entre 1920 e 1930 e uma terceira depois dos conflitos provocados pela instalação do Estado de Israel. Por essa grande imigração o Brasil tem hoje a maior colônia árabe do mundo fora do Oriente Médio.
16% da população brasileira têm ascendência árabe, algo como 32 milhões de brasileiros. Em nenhum outro Pais se conheceu a ocorrência de tantos governadores, prefeitos, congressistas de origem árabe. A maior cidade do País teve quatro Prefeitos de sobrenome árabe, 11 Estados brasileiros foram governados por descendentes de árabes. Então é uma aliança de interesse econômico, social, populacional e também cultural.
Não há remotamente algo semelhante com Israel, País que compra pouquíssimo do Brasil mas quer vender muito. O número de judeus no Brasil é de 130.000, nem remotamente comparável ao da população de ascendência árabe e concentrada em três polos: os árabes estão por todo o Brasil.
A aliança estratégica com o Iraque, estabelecida no Governo Geisel, foi crucial para o Brasil ser abastecido de petróleo enquanto estava em moratória. O Iraque aceitando pagamento em produtos brasileiros. O Brasil desenvolveu sua indústria bélica com encomendas do Iraque e da Arábia Saudita.
No desdobramento diplomático o Brasil segue a linha geral da União Europeia, da China, da Rússia e dos países asiáticos no sentido de respeitar os direitos territoriais do povo palestino. No lado contrário, ignorando esses direitos, só existe um País no mundo, os EUA, único aliado de Israel.
Portanto uma aliança diplomática com Israel não tem nenhuma conexão com a lógica da geopolítica brasileira, é algo exótico e onde o Brasil não tem nada a ganhar. Para comprar produtos israelenses basta pagar, não precisa ter aliança, estamos dando de graça vantagens diplomáticas sem contrapartida.
Por essa razão o Premiê de Israel ficou seis dias no Brasil, algo que não é normal na sua apertada agenda. A carta brasileira é valiosa para ele em um momento de baixa e perigo; está levando para Israel uma vantajosa aliança DE GRAÇA, não precisou dar nada em troca, o Brasil lhe deu um presente. - (Aqui).
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