O caso do filósofo Luiz Carlos Maciel, do Pasquim
Por Arthur Gama
A hipocrisia brasileira – que se encrespa contra todo tipo de preconceito e assumiu a vanguarda mundial pelo reconhecimento dos direitos humanos de homossexuais, negros e quem quer que por alguma razão seja discriminado socialmente, e acaba de quebrar os grilhões da aposentadoria compulsória de magistrados aos 70 anos – podia dormir sem o inesperado anúncio do filosofo e escritor Luiz Carlos Maciel acaba de publicar na internet:
“Um tanto constrangido, é verdade, mas sem outro jeito, aproveito esse meio de comunicação, típico da era contemporânea e de suas maravilhas, para levar ao conhecimento público o fato desagradável de que estou sem trabalho e, por conseguinte, sem dinheiro. É triste, mas é verdade. Estou desempregado há quase um ano. Preciso urgentemente de um trabalho que me dê uma grana capaz de aliviar este verdadeiro sufoco. Sei ler e escrever, sei dar aulas, já fiz direções de teatro e de cinema, já escrevi para o teatro, o cinema e a televisão. Publiquei vários livros, inclusive sobre técnicas de roteiro, faço supervisão nessas áreas de minha experiência, dou consultoria, tenho – permitam-me que o confesse – muitas competências. Na mídia impressa, já escrevi artigos, crônicas, reportagens… O que vier, eu traço. Até represento, só não danço nem canto. Será que não há um jeito honesto de ganhar a vida com o suor de meu rosto? Luiz Carlos Maciel. lcfmaciel@gmail.com
No país que que quebra e criminaliza preconceitos de todo tipo – de cor, raça, gênero, região – é espantoso que o envelhecimento seja tão duramente perseguido com o afastamento compulsório dos idosos de atividades econômicas, profissionais, culturais – da própria vida útil.
Gaúcho, nascido em 1938, professor de teatro, com referências no currículo de temporadas na Universidade da Bahia (nos tempos de Glauber, Ana Adler, João Augusto e Eros Martins Gonçalves) e no Carnegie Institute, de Pittsburgh, nos Estados Unidos e idolatrado no Rio como intérprete do filósofo Herbert Marcuse e autor de textos no Pasquim (segundo a lenda, era um craque em psicanálise e admirado por Millôr Fernandes, extremamente seletivo na seleção de amigos), Luiz Carlos Maciel marcou época na Rede Globo, onde talento e validade artística são medidos de forma implacável pelo sucesso comercial. Casado com a bela e talentosa atriz Maria Cláudia, protagonista de novelas, filmes e peças de teatro, não lhe faltava nada para fazer o encanto dos cariocas. Escrevia livros, teleteatro, dirigia espetáculos.
De repente, sumiu. Tal como Maria Claudia, que teve problemas com as cordas vocais, depois voltou milagrosamente recuperada e novamente sumiu. Imaginava-se que estava recolhido, ensinando ou trabalhando discretamente em algum jornal ou editora.
Agora, com esse anúncio patético – um SOS desesperado, ainda por cima dando sinais de humor com a frase “O que vier, eu traço. Até represento, só não danço nem canto.” – Luiz Carlos Maciel joga na cara da sociedade brasileira o abandono dos idosos. Se ele, um intelectual com tal bagagem, confessa-se sem dinheiro, imagine os idosos sem currículo e sem referências…
Aliás, há neste momento outro sinal escandaloso da repugnância nacional pela velhice. O fracasso da novela Babilônia, que apesar do grande elenco e dos autores famosos está perdendo em audiência para os outros três seriados da Globo, inclusive Malhação, está sendo atribuído aos papéis das atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, que brilham como um casal homossexual ativo (e além de ativo, intelectual e passional). Segundo analistas da área de pesquisa, o público aceita e idolatra Fernanda em papéis cômicos e Nathalia em papéis dramáticos de velhinha caduca ou coadjuvante, jamais no vigor humano e sexual que desfrutam além dos 80 anos.
A expectativa de sobrevivência atém dos 70, além dos 80, em condições físicas e mentais normais, é um castigo para homens e mulheres brasileiras que pretendam exercitar plenamente seus papéis profissionais e resistam à aposentadoria. Como está demonstrando, via Internet, o filósofo Luiz Carlos Maciel, 77 anos, notável saber, desempregado. (Fonte: aqui).
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Leitor voraz da imprensa em geral e da imprensa alternativa, foi com Luiz Carlos Maciel, via semanário O Pasquim, que me inteirei sobre contracultura, literatura e cinema americano e inglês em plena ebulição da luta pelos direitos civis e da mobilização contra a guerra do Vietnã. Maciel editava no Pasquim a coluna UNDERGROUND, e era lá que, para usar a gíria da época, nos inseríamos no contexto. O término da coluna, em 1971, não significou a ruptura do filósofo com seus leitores: passamos a ter acesso a textos em outras fontes, inclusive da imprensa 'consagrada'.
Que o velho parceiro Maciel encontre oportunidade de trabalho o quanto antes.
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