sábado, 13 de fevereiro de 2010

COMO CHUTAR OS TINFLAS?

Por IVAN LESSA, da BBC Brasil.
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Eu gostaria de ir chutar os tinflas. Há séculos que me mandaram, mais de uma vez, ir chutar os tinflas. Quando eu estava enchendo alguém. Enchendo um outro garoto.

Não fui chutar os tinflas. Como poderia eu ir chutar os tinflas se não sabia nem o que e nem onde ficavam os tinflas. De qualquer forma, seja lá o que fosse que eu estivesse fazendo, eu parava. O bom senso me dizia que era para eu não amolar, não aborrecer, não chatear. Nunca fui, portanto, chutar os tinflas. Chutei bola na praia, na calçada e até mesmo chapinha nas ruas. Os tinflas, não me foi possível. Mas eu gostaria imenso de saber exatamente de que se tratava.

Foram-se os rachas e as peladas, as pernadas pararam, o jogo terminou empatado e eu sei agora, hoje e aqui no Reino Unido, o que quer dizer Go f*** a duck, inclusive sua origem, mas de tinflas blicas, por sinal uma variação disso mesmo que vocês 8 estão pensando. Em poucas palavras, sou chegado à origem de qualquer expressão popular. Presente, passada e futura. Não há dia que eu não dê uma zapeada pela internet para conferir algo que correu ou está correndo como moeda corrente no rico erário de nosso expressionário popular. Nem pensem em conferir. “Expressionário” eu acabei de cunhar. Se quiserem, usem e abusem à vontade, feito o Matte Leão.

Voltando à vaca fria, eu sou chegado a uma origem de expressão popular. Por falar nisso, de acordo com o professor Ari Riboldi, no seu livro O Bode Expiatório, essa expressão é a tradução da muito usada na França "revenons à nos moutons", ou seja, voltemos aos nossos carneiros. Essa frase fazia parte da peça teatral A farsa do Advogado Pathelin, sobre um roubo de carneiros. Esta peça, considerada a primeira comédia da literatura francesa, data do fim da Idade Média, precisamente do ano de 1460. Infelizmente, não se tem conhecimento do seu autor.

Que é o caso de “vá chutar os tinflas”. Virá do francês também? Acho pouco provável. Em todo caso, a curiosidade me persegue há mais de meio século. Outras dúvidas, vou matando e dando graças à informática e à coleção de livros de referência que, através dos anos, fui gutemberguianamente acumulando.

Lá estão na estante da sala os três volumes sobre gírias de nosso Cid Campos, o pesado volume do dicionário de expressões populares de Tomé Cabral, o seminal Geringonça Carioca, o do ilustre Ariel Tacla (cujo simples nome já expressa coisa paca), O Calão de Eduardo Nobre (esse sobre gíria de Portugal) e, ainda, o que mais folheio, o Dicionário Brasileiro de Provérbios, Locuções e Curiosos, do incansável Raymundo Magalhães Júnior. Para não falar das mais de 700 páginas do Dicionário de Gíria de J.B.Serra e Gurgel, já mencionado outro dia por mim e que também pode ser acompanhado via computador no sítio www.cruiser.com.br/gíria.

À guisa de "Almanhaque”, como batizara sua publicação anual o imenso Barão de Itararé, cito uns exemplos enviados há pouco para mim por um mais que dileto amigo, que, por sua vez, recebeu de outro internauta que não entregou o mapa da mina (origem: filme de caubói):

* Jurar de pés juntos – Surgido graças (?) às torturas executadas pela Inquisição.

* Tirar o cavalo da chuva – Século 19. Visita breve, cavalo ao relento. Visita mais prolongada, conselho dado. Vinda de Portugal, claro.

* Dar com os burros n'água – Brasil colonial, tropeiros transportando ouro, café ou cacau corriam o risco de matar os meios de transporte em regiões alagadas. Regiões alagadas preservamos. Burro afogado, com certeza. Ouro, café ou cacau, não juro.

* Barbeiro – No sentido de mau motorista. Também do século 19, quando os barbeiros tiravam dentes, cortavam calos e o que mais fosse. Espécie de modesto clínico geral. Bem mais modesto, levemente mais incompetentes do que os milionários doutores de hoje que operam nariz, bunda e quejandos. Eram mais humildes e destituídos de coluna social.

Termino com o que mais me irrita: à beça. Vem do jurista alagoano (ora se...) Gumercindo Bessa defendendo de maneira copiosa a integridade do Território do Acre e sua não incorporação ao Estado do Amazonas. Como ele é meu único companheiro de rima fácil, não vejo porque numa dessas reformas ortográficas inúteis mudaram para Beça, tacando-lhe uma detestável cedilha. Se me tacarem cedilha no sobrenome e til no prenome, mando não só chutar os tinflas como chuto-lhes os tinflas e em seguida mando bala.

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