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A Lava Jato foi deflagrada em 14 de março de 2014, e desde então foi devidamente acompanhada por muitos, de modo que, com o tempo, palavras/expressões curiosas a ela relacionadas passaram a se tornar presentes, a exemplo de 'Odebrecht e registros contábeis estranhos', 'Tacla Durán', 'condução coercitiva irregular e outros excessos'', "'fundação' Lava Jato", 'subornos originários de doleiros e departamentos da Metrópole'. Os boatos (sim, boatos, visto que indícios, suposições) vinham à tona, notadamente via 'blogs sujos', mas nada jamais prosperou, nada resultou em apuração rigorosa. Percebe-se agora que, a despeito de fatos novos, revestidos de certa consistência, a própria PGR se depara com dificuldades de acesso...
Por Luis Nassif
Dois fatos centrais vieram à tona ontem.
Uma, a possibilidade de uma delação premiada de Fabrício Queiroz. Outra, a atuação da Procuradoria Geral da República em relação à Lava Jato.
Vamos ao nosso Xadrez para entender os desdobramentos.
Peça 1 – a visita da subprocuradora a Curitiba
A subprocuradora geral da República Lindora Araújo – pessoa de confiança do PGR Augusto Aras – foi a Curitiba analisar arquivos da Lava Jato.
Foi uma medida algo imprudente, já que tal trabalho cabe apenas à Corregedoria, quando instruída por desconfianças em relação ao procurador investigado.
De seu lado, a Lava Jato do Paraná passou a divulgar a versão de que se tratava de uma operação a serviço de Jair Bolsonaro, rompido com Sérgio Moro desde sua demissão.
O jogo é muito mais complexo.
Peça 2 – as investigações contra a Lava Jato Paraná
Há em curso, de fato, uma investigação ampla contra a Lava Jato Paraná, mas sem nenhuma relação com Bolsonaro.
O caso surgiu com as investigações da Lava Jato Rio de Janeiro, que foram bater no doleiro Dario Messer.
Considerado o doleiro dos doleiros, Messer sempre foi poupado pelo grupo do Paraná desde a Operação Banestado. A atitude era inexplicável. Por duas vezes, a Lava Jato Paraná valeu-se de Alberto Youssef, doleiro inexpressivo perto de Messer, deixando o doleiro carioca livre, leve, solto e atuante.
No ano passado, a Lava Jato Rio de Janeiro mirou Messer e o deteve, depois de mapear seus contatos com uma namorada em São Paulo. Em seu celular, descobriu mensagens falando em uma mesada de US$ 15 mil bancadas pelos doleiros para garantir blindagem no Paraná. O nome do intermediário, segundo o celular, seria Januário Paludo, o mais experiente e mais influente dos procuradores da Lava Jato.
As investigações levaram a mais provas, que foram mantidas em sigilo. A Lava Jato Rio encaminhou os dados, então, para a PGR.
Ao mesmo tempo, a PGR decidiu ouvir Tacla Durán, o advogado que acusou os procuradores de Curitiba de oferecerem acordos indecorosos, através do primeiro amigo de Sérgio Moro, advogado Carlos Zucolotto. Mediante pagamento de US$ 5 milhões, por fora, Zucolotto garantiu uma proposta da Lava Jato, de reduzir a multa de US$ 15 milhões para US$ 5 milhões.
A proposta veio acompanhada de um e-mail da própria Lava Jato, com a nova proposta de acordo.
Todos esses pontos foram denunciados por Durán, e também a perseguição movida pelos procuradores, acionando a Interpol e o MPF espanhol – e ambos, segundo Durán, inocentando-o.
Quando Aras decidiu ouvir Durán, o procurador Celso Três – figura chave na Operação Banestado, mas não alinhado com o grupo de Paludo e Dallagnol – escreveu artigo na Folha manifestando estranheza pelo fato de Durán nunca ter sido ouvido pela Lava Jato.
Há mais elementos de posse do PGR.
A visita de Lindora a Curitiba visou, obviamente, levantar mais dados. Como os suspeitos são os próprios procuradores, Lindora não explicitou o que procurava. Mas há em andamento um inquérito bem fornido na PGR para pavimentar uma denúncia próxima.
Há um enorme cipoal a ser pesquisado, da milionária indústria das delações premiadas às inconsistências nas multas aplicadas, na qual o poder do juiz Moro e dos procuradores era suficiente para definir os valores.
Há também as inúmeras ligações de Rosângela Moro, a esposa de Sérgio Moro, com figuras polêmicas, como Zucolotto e Marlus Arns, um advogado parceiro dela nas ações da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Paraná) que ganhou um bom naco das delações premiadas, substituindo a pioneira Beatriz Catta Preta.
Peça 3 – Entendendo episódios recentes
As descobertas da Lava Jato Rio e as investigações da PGR ajudam a entender alguns episódios políticos recentes.
Um deles é o afastamento entre Bolsonaro e Sérgio Moro. Para Moro é muito mais prático pedir demissão de um governo que o desrespeitava e se apresentar como vítima política do governo, nas investigações da PGR.
Entende-se, também, a recente aproximação de Aras com o Supremo Tribunal Federal, e de medidas contra figuras do governo Bolsonaro, como o enquadramento do Ministro Augusto Heleno, depois de bazófias dele sobre crises políticas.
Para ganhar legitimidade política para avançar sobre a Lava Jato, Aras terá que mostrar independência em relação a Bolsonaro. A luta contra a corrupção ganha nas duas frentes.
Nos próximos meses, Aras enfrentará o maior desafio de um Procurador Geral da República, o de cortar na própria carne, em cima da operação que lançou definitivamente o Ministério Público Federal no mundo da política.
Peça 4 – a cadeia improdutiva da Lava Jato
Não será tarefa fácil.
A Lava Jato criou uma cadeia improdutiva, com chupins de toda ordem.
Conseguiu um impeachment de presidente da República. Desfraldando sua bandeira, Ministros do Supremo Tribunal Federal, procuradores, jornalistas, jornais, emissoras saíram sambando e faturando em palestras, reputação, audiência.
E ajudou a lançar Moro como a esperança branca para 2022.
Por isso mesmo, vindo à tona, haverá uma enorme guerra de narrativas. Daí a importância de um trabalho isento e tecnicamente bem feito.
A visita de Lindora a Curitiba visou, obviamente, levantar mais dados. Como os suspeitos são os próprios procuradores, Lindora não explicitou o que procurava.
De qualquer modo, os episódios desta semana dão um xeque em duas figuras chaves para as próximas eleições. Uma, Sergio Moro. Outra, o próprio Bolsonaro, que, em breve, terá que enfrentar a delação premiada de Fabrício Queiroz e, provavelmente, de Frederick Wassef.
2022 começou esta semana. - (Fonte: Jornal GGN - Aqui).
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