quarta-feira, 25 de maio de 2016

CONJUNTURA: TUDO EM TORNO DE PGR E STF


Saldo do grampo de Jucá: o haraquiri da PGR e do STF

Por Romulus, no Jornal GGN

Muitas pessoas têm me pedido para escrever algo em inglês sobre a situação do Brasil atual para que possam compartilhar com seus amigos e conhecidos estrangeiros.
Já há fartura de informação de qualidade na imprensa internacional – muito maior do que na imprensa familiar brasileira. Em língua inglesa cito LA Times, NY Times, The Intercept e The Guardian, por exemplo. Seus correspondentes no Brasil têm feito uma belíssima cobertura, que ficará para História.
Certamente a brutal diferença editorial entre a imprensa familiar brasileira e a mídia estrangeira será anotada por historiadores como uma das peculiaridades do golpe de 2016. Da mesma forma, acredito que o tema será profundamente estudado em trabalhos acadêmicos no campo das Ciências Sociais, mas principalmente nos cursos de jornalismo.
O movimento engajado da imprensa familiar pode ser um arranhão fatal no longo prazo, diante do contexto de seu esmagamento pelas novas mídias e pelas redes sociais. O único capital de que se gabavam, contra esses concorrentes, era sua alegada maior credibilidade e apuro com relação ao conteúdo.
Panfleto por panfleto, até os conservadores constatam que é mais econômico frequentar blogs de direita da internet.
Não deixa de ser irônico.
A imprensa familiar engajou-se no golpe de corpo e alma de olho no butim: verbas da SECOM, empréstimos do BNDES e a carteira de publicidade das estatais (BB, CEF, BNDES, Petrobras, Eletrobras, etc), além de “melhor diálogo” com a Receita Federal. Fez isso por estar atravessando grande crise estrutural, em virtude da mudança tecnológica, e esperava poder contar com um financiamento-ponte que lhe desse oxigênio para tentar chegar até a outra margem. Poderia então, finalmente, se reinventar para o século XXI.
A ironia está justamente no fato de que esse imprudente abraço incondicional à sua suposta tábua de salvação – o golpe – pode ter sido o tiro de misericórdia na sua nuca. Os veículos da imprensa familiar estão desacreditados até entre os leitores conservadores. Tirando a alegada credibilidade, o que lhes resta?
Análise?
Bem, nessa seara os blogs nadam de braçada sem as amarras editorias do oligopólio familiar. Está aí o blog do Luis Nassif para comprovar.
Sua série “Xadrez...” merece ser futuramente consolidada em livro. A partir de apurações junto a fontes bem situadas e o emprego competente de análises de estratégia - antevendo um verdadeiro jogo de xadrez jogado em várias rodadas – chegou pioneiramente a diversas revelações. Isso semanas – quando não meses – antes de seus pares na imprensa familiar.
Penso que o exemplo mais claro e mais brilhante da competência de Nassif foi identificar há meses (ainda em 2015) o engajamento do PGR Rodrigo Janot na conspiração do golpe. Fez isso primeiramente como hipótese, considerando também outras. A partir dos sucessivos sinais e pistas deixadas por Janot nas diversas rodadas, Nassif pode afirmar, acima de suspeita, haver o engajamento de Janot como co-conspirador ainda no final de março. Ou seria o maior conspirador?
As tentativas de Janot casar seus atos com o tempo da política, em favor da destituição do governo Dilma, terminou por expor o Procurador Geral. Ali, a partida ainda era em certa medida problemática e Janot julgou ser necessário rasgar a fantasia de republicano para garantir o resultado que almejava.
Pontos altos das ações de Janot em favor do golpe (ou seriam “pontos baixos”?):
(i) Apontou despudoradamente a sua metralhadora sobre políticos do PP em semana chave em que o ex-Presidente Lula fechava o apoio do partido contra o impeachment. Tal adesão enterraria o processo ainda na Câmara. Os dirigentes e políticos pepistas entenderam o recado e, pensado em seus pescoços, preferiram fechar com a conspiração de Cunha, Temer e Jucá.
Parabéns aos envolvidos!
Tudo correu conforme o acordado, não é mesmo?
Alguém ouviu falar de desdobramentos posteriores nos processos envolvendo políticos do PP?
Evidente que não.
(ii) Mudou – de forma esdrúxula e extemporânea – seu entendimento sobre a aptidão de Lula para ser nomeado Ministro por Dilma.
E isso em menos de uma semana!
Janot conseguiu a proeza de produzir dois pareceres - com conclusões diametralmente opostas - nesse prazo exíguo, sem que houvesse qualquer mudança fática ou legal.
Uma proeza digna de camaleão. Mas não tão elegante quanto o animal, contudo, porque grosseira e visível demais. O ápice foi chegar ao bizarro entendimento salomônico de propor status ministerial café-com-leite para Lula, com a esdrúxula fórmula “Ministro sim, foro por prerrogativa de função não”.

Naquela oportunidade, ainda em 4/4/16, cobrava do procurador o fim de sua ação dissimulada, dúbia. Bradei “Basta de jogo dúbio, Janot!” e escrevi:
>> Outra condição (para o relançamento do governo Dilma) compete exclusivamente ao PGR, Rodrigo Janot:
- Basta. Chega de jogo dúbio, rapaz!
Ainda custo a acreditar que todos os passos da força tarefa ocorram de acordo com seus desígnios. Parece-me mais que, como um realista político, tenta ficar no meio do caminho para não se queimar em definitivo com nenhum dos lados em contenda nem com a(s) opinião(ões) pública(s). Pensava ter sido a carta aos procuradores o sinal para o fim da dubiedade. Que nada! Pois na semana passada não nos sai Janot com a originalíssima sugestão "ministro sim, foro não"? Ou com o cronometradíssimo ataque ao PP? <<
Naquela altura, diferentemente do Nassif, mesmo com dificuldade ainda dava o benefício da dúvida a Janot.
Quão ingênuo eu fui!
Não foi o erro exposto em menos de uma semana?
Sim, foi.
Apenas quatro dias depois tive de dar a mão à palmatória diante do posicionamento de Janot no sentido de que a nomeação de Lula implicava tentativa de obstrução à justiça. Ora, se Lula o fazia, a coautora desse crime seria não outra que a Presidente Dilma Rousseff!

Tive então de me retratar com os leitores:
>>A fraqueza de sempre dar o benefício da dúvida às pessoas me acometeu. Não tenham vocês também dúvidas (malditas dúvidas!): vou cumprir penitências até deixar de ser tão naïve. Melhor fazer isso rápido antes que o Santo Ofício chegue também aos Alpes. Aqui me refugiei como Calvino o fizera em outra oportunidade. Será ainda seguro?
(...)
Em minha defesa, peço a vocês que considerem que meu pedido surtiu efeito, ora pois! Não é que Janot saiu definitivamente da dubiedade?
* * *
Pois chegamos então ao presente nessa narrativa. Ontem o vazamento do grampo do Sen./Min. Romero Jucá revelou o que sempre defendi – que o impeachment era sim golpe – e que se tratava de uma conspiração de políticos corruptos desesperados para escapar do cadafalso, cada vez mais próximo.
Reproduzo mais um trecho daquele post de abril, “Basta de jogo dúbio, Janot!”. É bastante ilustrativo e preciso quanto às expectativas dos golpistas, agora confirmadas:
>> O relançamento do governo Dilma não depende apenas de a presidente aceitar suas limitações e abrir-se para quem possa ajudá-la (no governo e na sociedade). Passa também:
1) pela supressão da esperança por parte dos parlamentares implicados nas investigações de que possam escapar mediante conspiratas e acordões por cima. O desespero é péssimo conselheiro. Melhor a resignação frente ao inevitável; e
2) por de alguma forma a "Força Tarefa" (da Lavajato) deixar de antagonizar as ações administrativas (ou meras tentativas!) do governo federal.
Penso que condição inicial para esses dois fatores é político-jurídica: os dois grupos tem de estar certos de que Dilma não cai. Isso saberemos já em alguns dias ou semanas. As várias partes terão de se entender e agir neste cenário - com Dilma titular da presidência. Indultos presidenciais e "abracadabras" institucionais (trocar PGR, aumentar número de ministros no STF, intervenção pesada na PF...) somem como miragens no deserto conforme murcha a viabilidade do projeto Temer. <<
Ora, usei “projeto Temer” mas bem poderia ter sido “opção Temer”, como preferiu Jucá no áudio.
O que choca agora é a extensão das tais “conspiratas e acordões por cima”. Pela boca de Jucá ficamos sabendo que deles fariam parte Ministros (no plural!) do STF e comandantes militares, que os “garantiriam”.
Opa!
E o PGR com isso?
Jucá não menciona Janot diretamente mas grita seu nome no subtexto, ao amarrar o “fim da sangria” da Lavajato à queda de Dilma.
Ah, é?
E quem mesmo que promove a tal “sangria”?
Quem provoca o STF para que julgue políticos com prerrogativa de função?
Ele mesmo:
J A N O T !

Pois bem. Essas declarações comprometendo STF, PGR e militares na conspiração já são gravíssimas.
Mas tem coisa ainda pior:
As circunstâncias em que esse áudio do grampo de Jucá – explosivo – chegou à PGR e depois ao STF, na figura do relator da Lavajato, o Min. Teori Zavascki.
Por quê?
Porque as duas instituições tiveram acesso a esse áudio no início de março. E nada fizeram. Tivesse vindo a público, certamente teria mudado o curso do processo de impeachment no Congresso – e mesmo os julgamentos conexos no STF.
De que forma?
Ora, ao confirmar cabalmente a conspiração e a finalidade verdadeira do golpe, fornecia prova incontrastável de que as alegações da Presidente Dilma quanto ao desvio de finalidade do impeachment eram corretas.
Isso é gravíssimo:
O STF julgou precisamente tal alegação do Min. Cardozo, da AGU, e afirmou que carecia de provas – além das matérias na imprensa reunidas pela defesa.
Como ficam o PGR e o(s) Ministro(s) que conheciam o áudio de Jucá hoje?
Ficam completamente nus.
Estão com as partes pudentas completamente expostas. Não as físicas, ainda cobertas pela toga negra, mas pior: as morais.
No dia seguinte à votação na Câmara escrevi post intitulado “Votação acaba. Placar: Três Instituições de 1988 fazem haraquiri”, em que, motivado pelo desgosto quanto ao espetáculo, escrevi as seguintes palavras fortes:
>> (…) volto então ao deputado Givaldo Carimbão, do PHS de Alagoas.
Após ter seu nome chamado por ninguém menos do que Eduardo Cunha, e de passar pelo cerco intimidador da turba de deputados a favor do impeachment, o deputado finalmente toma o microfone. E surpreende bradando:
- O rei está nu!
Bem, não exatamente com as palavras da inocente criança do conto “A roupa nova do imperador”, de Andersen. Mas com a mesma contundência e falta de reverência.

Para que compreendam o golpe desferido (golpe? Melhor daqui para frente trabalhar mais a escolha de palavras...), parafraseio o deputado de memória. Dessa forma, desculpo-me por possíveis imprecisões. Disse ele algo nas seguintes linhas:
- Seria muito fácil vir aqui e votar pelo “sim”.
- O resultado já está definido com folga de votos...
- Seria fácil até mesmo não vir votar.
- Ou vir votar e me abster.
E aí para mim o ponto fulcral:
- Ora, o próprio STF, tribunal que reúne nossos maiores juristas (sic), alguns dias atrás não ficou dividido à metade, em 5x5? (não fazendo de fato nada?)
- Pois saibam que EU não lavo as minhas mãos não!
- Eu decido. Eu voto. E voto não!
(E seguem-se as vaias e ofensas da turba opressora que o cercava)
Por que esse para mim – de todos – foi o voto mais pesado?
Porque foi o único que apontou o dedo na cara da Casa da Justiça, ali do outro lado da Praça dos Três Poderes. Como que a dizer, com autoridade:
- Vocês faltaram com o seu dever em momento difícil sim, mas ainda assim muito menos difícil do que este que agora enfrento. Escolheram lavar as mãos e deixar a marcha da infâmia não apenas continuar, mas seguir solta, tocada apenas pelos grão-mestres Temer e Cunha.
(...)
E qual o resultado da infâmia? Qual o placar final da votação conduzida por Eduardo Cunha neste histórico 17 de abril?
Três Instituições renascidas em 1988, (re)paridas pela Constituição “cidadã”, cometeram haraquiri em apenas três dias.
A saber:
- a Procuradoria Geral da República;
- o Supremo Tribunal Federal; e
- a Câmara dos Deputados.
* * *
Mais uma vez tenho que fazer uma reparação. Devo pedir desculpas aos japoneses. Depois da revelação de ontem quanto ao grau da omissão da PGR e do STF, infinitamente maior do que se supunha, vemos que não se tratou de haraquiris. Não houve nada de nobre que remotamente lembrasse um código de honra ou ditames morais - ou nem mesmo legais!
Foi um suicídio sim, mas sem nenhuma elegância. Está mais próximo daquele bêbado semiconsciente que, jogado no chão, morre asfixiado pelo próprio vômito.
* * *
E o que agora? O que esperar desse STF e dessa PGR diante da exposição de suas partes pudentas – essas, não as físicas, realmente dignas de vergonha?
Em qualquer país medianamente civilizado hoje esse seria o grande tema e não o conteúdo do grampo de Jucá e sua exoneração “a pedido”. Muito mais grave do que ter um golpista temeroso do xadrez comandando o orçamento da União é constatar que não nos resta nenhuma trincheira nas instituições para lutar contra ele e os seus.
Compreendem o quão grave isso é?
A Constituição já fora relativizada com o golpe.
Pois agora “relativizamos” (palavra amena demais) numa só tacada o seu fiscal e os seus guardiões supremos.
Com a presidente legítima afastada, hoje a defesa da legalidade e da democracia encontra apoio apenas fora das instituições. Ou seja, apenas os movimentos de protesto espontâneos ou organizados – juntamente com o opróbio internacional do golpe e dos golpistas – cumprem o papel de protetor da ordem constitucional de 1988.
E sabem o que é o pior de tudo?
A maior ironia?
Esses que protestam pela Constituição de 1988 merecem coisa muito melhor que a ordem por ela estabelecida e as instituições por ela (re)criadas. Isso porque os seus ocupantes as destruíram.
* * *
Falar ainda agora em “opróbio internacional do golpe e dos golpistas” me dá o gancho para voltar ao tema dos pedidos que me foram feitos. Como disse, muitos têm me pedido para escrever algo em inglês para que possam compartilhar com seus conhecidos estrangeiros.
Novamente, recomendo a divulgação dos veículos que mencionei no início do post. Mas, como eu mesmo já produzo ocasionalmente relatos para os meus muito interessados colegas e amigos em Genebra, lotados nas burocracias de Organizações Internacionais, nas representações de Estados, escritórios de advocacia e ONGs, disponibilizo os mesmos agora para quem queira compartilhá-los.
Já o fazia no Facebook (procurem pelo perfil de minha cachorra, a Maya Vermelha).
Agora também o farei no blog.
Deixo aqui o relato que fiz ontem sobre o episódio Jucá. (...).
(Para continuar, clique AQUI).

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Diz o articulista Romulus:

"Mas tem coisa ainda pior:
As circunstâncias em que esse áudio do grampo de Jucá – explosivo – chegou à PGR e depois ao STF, na figura do relator da Lavajato, o Min. Teori Zavascki.
Por quê?
Porque as duas instituições tiveram acesso a esse áudio no início de março. E nada fizeram. Tivesse vindo a público, certamente teria mudado o curso do processo de impeachment no Congresso – e mesmo os julgamentos conexos no STF.
De que forma?
Ora, ao confirmar cabalmente a conspiração e a finalidade verdadeira do golpe, fornecia prova incontrastável de que as alegações da Presidente Dilma quanto ao desvio de finalidade do impeachment eram corretas.
Isso é gravíssimo:
O STF julgou precisamente tal alegação do Min. Cardozo, da AGU, e afirmou que carecia de provas – além das matérias na imprensa reunidas pela defesa.
Como ficam o PGR e o(s) Ministro(s) que conheciam o áudio de Jucá hoje? "

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POIS EU OUSO DIZER:

O STF está, sempre esteve indiferente ao assunto, e assim permanecerá: o Magistrado Gilmar Mendes declarou ontem, 24, NÃO HAVER VISTO NADA DEMAIS NAS DECLARAÇÕES DE JUCÁ, de quem, fez questão de assinalar, é amigo de longa data.

Ora, se o Magistrado Gilmar Mendes falou o que falou, é porque essa é a palavra definitiva do Supremo. Ou alguém, em qualquer instância da República, se atreveria a afrontar a autoridade do Magistrado Mendes?

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