segunda-feira, 11 de abril de 2016

O STF E O IMPEACHMENT


"Perdoem o comentário extenso, mas creio que o assunto assim o pede. Sempre me proponho a escrever quatro ou cinco linhas mas o Brasil atual não me permite. Paciência!
INTRODUÇÃO:
Evidentemente o tema é polêmico e dividirá juristas - e o próprio STF. Não sou constitucionalista, mas tampouco o é a Profa. Piovesan, com militância mais ligada aos Direitos Humanos.
É evidente que eventual cognição pelo STF não será plena, mas a questão se resolve por ponderação de princípios constitucionais e técnicas de interpretação.
Vou tentar traduzir em termos jurídicos o que o Nassif percebe intuitivamente, no paralelo com a moção de desconfiança do Parlamentarismo. Vou fazê-lo da forma mais simples possível, pois além de um adepto do "menos é mais", quero que todos os leigos possam acompanhar o raciocínio.
PREMISSAS, PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS:
1) A Constituição prevê que ao Senado compete julgar o Presidente por crime de responsabilidade.
2) ao mesmo tempo elenca no texto constitucional rol taxativo de crimes de responsabilidade.
3) Por fim determina que o STF é o guardião da Constituição.
- a técnica de interpretação sistemática determina que se interprete a Constituição como um todo, como um sistema harmônico, embora não livre da presença de princípios conflitantes.
- em se detectando conflito entre dois princípios constitucionais, há que se proceder à ponderação dos mesmos. Isto é: ao julgador compete achar a combinação dos dois, diante do caso concreto, que potencialize a realização máxima de ambos ao mesmo tempo. Ou seja, o que em um gráfico de economia seria achar o ponto ótimo onde as duas curvas se cruzam, ambas com o maior valor possível.
Ex: a livre iniciativa e a propriedade privada podem ser conflitantes com a função social da propriedade. Todos esses princípios estão no capítulo que trata da ordem econômica na Constituição. Às leis e ao juiz compete realizar uma ponderação entre esses princípios de forma que ambos vijam o máximo possível ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, há regras que preveem a desapropriação de imóveis por interesse público (função social da propriedade) mas para isso impõe requisitos a serem observados (garantindo proteção ao direito de propriedade). Ambos os princípios são modulados para que não sejam mutuamente excludentes.
- por fim, outro princípio de interpretação da Constituição é aquele que determina a máxima efetividade do texto constitucional. O que isso significa? Que se deve privilegiar a interpretação do texto que seja efetiva, ou seja, que produza efeitos na realidade. Na Constituição não pode haver palavras vazias. A todas se deve dar sentido.
RACIOCÍNIO:
Em se conjugando os pressupostos (1), (2) e (3) e aplicando os princípios de interpretação e a técnica de ponderação de princípios elencados acima, chega-se à conclusão de que deve sim haver uma apreciação pelo STF da configuração ou não de crime de responsabilidade. Ainda que em uma cognição limitada.
Por quê? Bem,
- ao Senado compete julgar o crime;
- mas a Constituição elenca - exaustivamente - quais são esses crimes.
E se o Senado, nesse julgamento, não observar a disciplina da Constituição sobre o que é crime?
- Então cabe ao STF, como guardião final da Constituição, fazer com que o princípio da efetividade máxima não seja pisoteado. Ou seja, o STF terá de impedir que os mandamentos constitucionais sobre o que constitui ou não crime de responsabilidade não sejam efetivos. Tem o STF de garantir que eles terão sim efeito na realidade.
Dessa forma, em termos práticos, ao STF cabe estar em "stand by". Se o Senado não observar os mandamentos constitucionais quanto à definição de crime de responsabilidade, uma vez provocado, o STF deverá fazer com que tais mandamentos sejam efetivos.
Isso se traduz na verificação jurídica de se há ou não os elementos previstos no texto constitucional. A partir daí, se o STF decidir que não os há, o processo deveria morrer. Se, ao contrário, decidisse que os há, liberaria o Senado para julgar o presidente, considerando-o culpado ou não em juízo mais político que jurídico.
Ou seja, ao Senado ainda caberia a decisão final, mas apenas na hipótese de esse dar efetividade às regras constitucionais sobre o impeachment. Tal efetividade, como exposto acima, seria garantida em último caso pelo STF.
É evidente que o Constituinte não previu a realidade esdrúxula que vivemos hoje. Quem poderia prever um Eduardo Cunha presidindo a Câmara dos Deputados e uma oposição golpista, ambos mancomunados com o vice-Presidente da República e com outros órgãos do Estado em uma conspirata? Nem nos meus maiores pesadelos...
Mas diante desse mundo (para lá de) imperfeito, devemos garantir a vigência da Constituição. Em seu grau máximo possível. E o titular maior dessa responsabilidade é o STF.
CONCLUSÃO:
Ponderando:
(1) a prerrogativa do Senado de julgar; com
(2) a efetividade máxima das regras constitucionais sobre o impeachment; e com
(3) o papel de guardião da Constituição do STF,
O resultado em que todos vigem concomitantemente em seu grau máximo é a atuação "casada" entre o STF e o Senado, como apontado acima. A - eventual - cognição limitada do STF visa apenas a garantir que parte do texto constitucional não será na realidade jogada na lata do lixo.
NOTA FINAL:
Sobre a questão de a matéria dever ser regida por lei especial que não foi editada.
Tenho certeza de que tal argumento não emanou da Profa. Flávia Piovesan, a quem já tive o prazer de ouvir. É um argumento bastante primário e discussão completamente superada no Direito Constitucional brasileiro. Em primeiro lugar, a Lei de 1950, embora ordinária, foi recepcionada - naquilo que não a contraria - pela Constituição de 1988. O processo de recepção faz com que a lei anterior automaticamente passe a ter status equivalente ao que a Constituição reserva para a disciplina daquela matéria.
Exemplo corriqueiro dado em aulas de Direito Constitucional é o velho Código Tributário Nacional - CTN. Foi ele editado como lei ordinária em sua origem. No entanto, a superveniente Constituição de 1988 reservou a disciplina da matéria a Lei Complementar. No que não conflitava com a Constituição o CTN foi recepcionado pela mesma, agora com status equivalente ao de Lei Complementar, como prevê a CF/88 para matéria tributária. Caso se queira alterá-lo é necessário que se o faça por meio de...
Lei complementar!
Da mesma forma, é pacífico que ao Judiciário cabe suprir eventuais lacunas da Lei.
Assim, não consigo - nem com muita boa vontade - ver qualquer mérito nesse argumento de a lei que a Constituição previa para disciplinar o impeachment não ter sido editada. Terá sido proposto por um leigo "bem" intencionado cheio de iniciativa? Assim espero. Mas não com certeza. Porque no Brasil de Cunha, Temer e Gilmar parece valer tudo. O Direito? O que é o Direito para eles?
P.S.: Agradeço ao Professor - e Ministro - Barroso pelos 2 encontros semanais durante 2 anos na graduação. Espero não ter feito o mestre passar vergonha com o que vai acima. Todos os equívocos aí presentes são meus, evidentemente."



(De Romulus, leitor do Jornal GGN, comentário Ref. ao post Porque o Supremo precisa analisar o mérito do impeachment.
O comentário foi convertido no post acima, sob o título "Porque o STF precisa apreciar o impeachment". Nada mais justo).

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