quinta-feira, 21 de abril de 2016

A JUSTIÇA SEGUNDO GALEANO E O GOLPE EM CURSO


"A Justiça é como as serpentes, só morde os pés descalços"

Por Jeferson Miola

“A justiça é como as serpentes. Só morde os pés descalços”.
(Eduardo Galeano, um humanista que eles jamais terão os seus).
O julgamento de exceção da Dilma na Câmara dos Deputados é um golpe de Estado que jamais seria cometido contra um Presidente conservador. É um golpe perpetrado contra um governo popular, dos de baixo, um golpe contra um governo passível de ser picado pela serpente da [in]justiça, porque é um governo dos “descalços”.
Fosse outro o governo ameaçado de golpe que não um governo popular presidido por uma mulher inocente e digna; enfim, fosse um governo destes golpistas que hoje ferem a democracia, talvez o STF tivesse sido menos solene e parcimonioso. Talvez tivesse atuado preventivamente em defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito tal como não consegue atuar na circunstância atual.
O Supremo Tribunal Federal, voluntária ou involuntariamente, permitiu que a crise política chegasse a um estágio dramático. Agindo passivamente, contribuiu para a evolução crítica do risco institucional [i] sendo complacente com os abusos e arbitrariedades da força-tarefa da Lava-Jato – em especial o justiceiro Moro; e, [ii] sendo condescendente com a permanência de Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, o principal vetor de instabilidade golpista. Ao mesmo tempo, o STF contraditoriamente impediu a Presidente Dilma de nomear Lula para a Casa Civil, fato que fragilizou o governo.
Os juízes Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello são exceção, são os únicos da Corte que atuam com consciência apurada sobre a gravidade dos acontecimentos.
O golpe ultrapassou a primeira barreira – os golpistas alcançaram 367 votos na Câmara; 25 além dos necessários. A partir de agora, a batalha será no Senado, que precisa aceitar a denúncia por maioria simples, para só então instalar o julgamento que pode durar até 180 dias, sem Dilma na Presidência.
A dificuldade para o governo aumentou muito, mas o jogo não acabou. Ainda que as dificuldades sejam enormes, é necessário cobrar dos golpistas o alto preço pelo atentado que cometem contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito. Se for para morrer, que não seja uma morte ajoelhada diante de tiranos que conformam maioria institucional para rasgar a Constituição.
As ruas devem bafejar o Senado defendendo justiça e legalidade; por isso é essencial o revigoramento da mobilização democrático-popular e um padrão de luta social ainda mais intensa. Os golpistas não devem ter trégua.
É cada vez mais sólida a consciência no país e no debate público internacional sobre a natureza golpista da tentativa de derrubada da Presidente Dilma. Cresce a consciência democrática de que Dilma é uma presidente inocente e íntegra vítima de uma conspiração do vice Temer com o apoio de uma turba de deputados corruptos chefiados por Eduardo Cunha em troca de impunidade na Lava-Jato.
Esse clima que domina não só o noticiário sério do mundo, como agências, governos, instituições e organismos internacionais, também alarma o meio jurídico internacional, com juristas renomados alertando o caráter de exceção do juízo da Presidente Dilma. Que esse clima internacional encoraje a Suprema Corte do Brasil a defender o Estado de Direito sem temer a pressão golpista da mídia.
A denúncia do golpe e dos interesses na deposição da Dilma, assim como a disputa de uma narrativa dos acontecimentos, é a chave tanto para a derrota do golpe, como para a recomposição futura do PT, do campo democrático-popular e do conjunto da esquerda brasileira. (AQUI).
(Jeferson Miola, integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre - Idea, foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial).

....
A Globo, ardilosamente, seleciona ministros do STF e deles colhe manifestação sobre o impeachment (o golpe), e eles prontamente se manifestam: o RITO do processo de impeachment segue fielmente as diretrizes traçadas na Constituição Federal, e o próprio STF já deixou clara tal particularidade! 

Então, a Globo arremata, triunfal: 

Está vendo, telespectador?, NÃO ESTÁ HAVENDO GOLPE! Dilma mente ao dizer que se trata de golpe, e ainda pretende denegrir a imagem do Brasil divulgando essa falsidade no exterior!

O telespectador, ao ver MINISTROS DO STF dizendo o que disseram, conclui: É, a Globo está correta: NÃO ESTÁ HAVENDO GOLPE.

Só que os ministros do STF consultados aludiram ao RITO PROCESSUAL, o ponto sobre o qual a Magna Corte foi instada, até agora, a traçar regras (quando o processo tramitava na Câmara dos deputados). Como sabemos, o STF, Guardião da Constituição Federal, só pode manifestar-se quando provocado, e ele até agora só foi provocado sobre o RITO do processo (e disse que, como regra geral, vale o que foi observado na condução do impeachment de Fernando Collor, em 1992). 

Ocorre que a configuração do GOLPE reside não no RITO, mas no MÉRITO do pedido de impeachment: QUAL O CRIME DE RESPONSABILIDADE PRATICADO PELA PRESIDENTE? Resposta dos propositores do impedimento: pedaladas fiscais em 2015. 

(Nota: Os tais decretos especiais também invocados nem merecem citação, bastando dizer que um deles teria atendido a pedido do próprio TCU, e outro, do Judiciário) 

Acontece que as alegadas pedaladas foram, segundo a defesa da presidente, precedidas por pareceres técnicos consistentes, e esses pareceres estão na posse do Tribunal de Contas da União, que é o órgão incumbido de dizer se foram ou não praticadas irregularidades fiscais no decorrer do exercício. Que exercício? 2015, como já dito. 

Até a presente data, porém, AS CONTAS RELATIVAS A 2015 ESTÃO PENDENTES DE JULGAMENTO POR PARTE DO TCU. Onde, portanto, está o crime de responsabilidade? E se o TCU, se e quando manifestar-se, considerar pertinentes os pareceres técnicos apresentados? Hoje, cabe indagar: Afinal, cadê o devido processo legal? Cadê a presunção de inocência? Cadê o crime de responsabilidade devidamente definido?

Resumo da ópera: É  GOLPE, sim. 

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