sexta-feira, 26 de setembro de 2014

SILÊNCIO: POLÍTICA EXTERNA


Externa, mas nem tanto

Por Jânio de Freitas

Na campanha, ninguém se manifesta sobre política externa, especialmente importante para o Brasil

Por falarem em ONU, é notável como, na campanha para presidente, ninguém se manifesta sobre uma das responsabilidades mais complexas da função, que é a política externa, especialmente importante para o Brasil no mundo conturbado da atualidade.

Lá no começo da campanha, Marina Silva até deu um peteleco no assunto, para indicar que um governo seu recuperaria o dístico, de longa existência, segundo o qual "o Brasil vive de costas para os seus vizinhos". Nas palavras de Marina: "O Mercosul não será prioridade". Como os Estados Unidos gostariam, para restabelecer o rebanho na América do Sul. Aécio Neves nem passou perto do tema.

A rigor, para deixar clara a sua concepção de política externa, nenhum dos dois precisa expô-la. Basta que se observe quem são os seus economistas: todos identificados com o governo dos Estados Unidos, seja qual for, como centro da ciranda mundial das Bolsas e dos juros.

Da mesma maneira, se vê o que é verdade entre a afirmação de Aécio de que extinguiria o "fator previdenciário", criado no governo Fernando Henrique com prejuízo para os aposentados, e o desmentido do próprio declarante à declaração. É evidente que o grupo de criadores do "fator" não o eliminaria, se voltasse ao poder.

Aécio disse e se desdisse menos de 24 horas depois de encantar-se com este achado: "Uma candidata mente e a outra desmente". Para louvá-lo com o mesmo verbo, pode-se dizer que Aécio consegue fazer sozinho o que precisa das duas: mentiu duas vezes, quando anunciou o fim do "fator" e quando desmentiu o anúncio.

O que não expôs sobre política externa, talvez por considerar que a continuidade é óbvia, Dilma reafirmou em três ocasiões nos últimos dois dias: uma entrevista; a recusa à adesão do Brasil a um acordo extravagante sobre desmatamento (só 32, de 123 presidentes reunidos, o assinaram) e, ainda, o discurso na ONU. Os comentários imediatos, aqui, só viram o lado de projeção da candidata, no caso dos aecistas; e a oportunidade de relembrar a ecológica Marina, no caso da própria.

O principal sentido das falas de Dilma foi o de consolidar para o mundo, no solo mais apropriado, a política externa de afirmação da soberania brasileira. E, portanto, de recusa ao sistema de necessário alinhamento aos Estados Unidos. Foi relevante, nesse significado das falas, que suas críticas à diplomacia dos caças americanos se fizesse quando Obama mal acabara de mandá-los bombardear território da Síria. E ainda aguardava as reações mundo afora, insistindo no discurso indulgente de que os Estados Unidos não estavam sozinhos na decisão de atacar os extremistas do movimento Estado Islâmico.

No capítulo das relações brasileiras com o governo Obama, as posições expressas por Dilma soaram como sinal de dificuldades maiores. As meias palavras de meia solidariedade ditas a Dilma por Obama, depois das revelações de Snowden, são coisas passadas e incompletas. E há um problema subjacente e de difícil dissimulação: o desprezo ostensivo de Obama pela bem-sucedida intermediação que, a seu pedido, Lula e o turco Erdogan fizeram com o Irã.

Na ocasião, foi um espanto internacional. Até porque o entendimento aceito pelo Irã era muito maior do que o acordo enfim concretizado com os Estados Unidos. Mas ninguém abordou ainda esse assunto a partir das revelações de Snowden. Se o governo americano violava todas as comunicações da Presidência brasileira, não há por que duvidar de que entre Lula e Erdogan alguém disse algo demais. E os dois, se não disseram, ouviram do iraniano Ahmadinejad e concordaram. (Fonte: aqui).

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Quando da análise da entrada, ou não, da Venezuela no Mercosul, houve forte resistência por parte de setores conservadores nacionais, mas a aceitação aconteceu. Por quê? Porque, além do empenho do Governo brasileiro, houve pressão empresarial: empresas brasileiras vislumbraram os bons negócios que poderiam advir da iniciativa. Outra particularidade: por que os EUA não cortaram definitivamente suas relações com a Venezuela? Simples: eles precisam do petróleo venezuelano (a Venezuela é dona da maior reserva de petróleo do mundo). 

Ou seja: não basta tentar impor caprichos ideológicos, é preciso considerar as carências dos países e as oportunidades negociais oferecidas. Não basta, portanto, os opositores do atual governo serem contra o Mercosul; há fortíssimos e salutares interesses comerciais em jogo, e abrir mão deles é que são elas!

Outra particularidade: os EUA (2º maior parceiro comercial do Brasil) estreitam cada vez mais sua parceria com a União Europeia, enquanto a China amplia sua influência global, inclusive na América Latina. A China é, hoje, a parceira comercial nº 1 do Brasil. Como abrir mão de um mercado de mais de 1,3 bilhão de consumidores, cerca de 20% da população do mundo?

Por que o Brasil tem tanto interesse em construir/modernizar o porto de Mariel, em Cuba? Quais oportunidades negociais surgirão a partir da abertura política cubana? E os novos negócios que advirão da abertura do Canal da Nicarágua - em fase de construção -, maior do que o do Panamá? O que poderá ganhar o Brasil com as exportações de petróleo para a Ásia, aproveitando esse canal? Por que o México e a União Europeia estão agora tentando estreitar parcerias com Cuba? Diplomacia rima profundamente com Economia...

A questão, portanto, não é tão simplória. O que talvez explique a mudez de certos candidatos à Presidência relativamente ao tema.

Nota: Ainda quanto ao porto de Mariel, em Cuba, clique aqui.

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