Os manuais Disney e eu
Por Carlos Orsi
Minha geração é uma das grandes injustiçadas da história brasileira. Nascidos no início dos anos 70, chegamos tarde demais para sermos rebeldes com causa (quando chegamos à adolescência, a ditadura já estava nos estertores), e cedo demais para nos encaixarmos nos rótulos mercadológicos que depois viraram moda (
https://en.m.wikipedia.org/wiki/Generation_X ").
Falando especificamente do meu caso: as duas carreiras que acabei seguindo -- jornalista e escritor -- talvez não me tivessem ocorrido se não fossem o Manual do Peninha e o Manual do Mickey, ambos relançados recentemente.
O Manual do Mickey, especificamente, é um fantástico compêndio de informação sobre literatura policial e de mistério. Foi lá que, pela primeira vez, ouvi falar no Agente Secreto X-9, em Hercule Poirot, Inspetor Maigret e Padre Brown. Não seria exagero dizer que minha incipiente carreira internacional como escritor de mistérios (três contos publicados profissionalmente em inglês até agora, e mais um já pago, aguardando a vez) não existiria sem ele.
O curioso é que, até o relançamento recente do livro, eu nunca havia possuído um exemplar: lia o livro aos poucos, na casa de um primo mais velho que tinha uma coleção completa dos manuais, alguns (como o do Mickey) lançados quando eu ainda era recém-nascido.
Já o Manual do Peninha, sobre jornalismo, se não me fez decidir pela profissão, certamente me deu algumas dicas importantes, ainda que, hoje em dia, obsoletas, sobre marcas de revisão, o papel do copidesque e a informação, que hoje tem sabor agridoce, de que em 1973 o jornal O Estado de São Paulo circulava, aos domingos, com mais de 200 páginas e 12 cadernos.
Peninha apresentou-me ainda ao conceito de paparazzi, ao primeiro trocadilho memorável que encontrei na vida ("Marlon deixou a brandura de lado..."). O livro também traz cápsulas biográficas sobre gente como Pulitzer, Hemingway, G.B. Shaw e Júlio Mesquita. Aliás, outra coisa notável sobre os manuais Disney: eram livros, na acepção precisa da palavra -- cerca de 200 páginas de texto informativo, redigido segundo a norma culta, corpo 12, entremeadas por ilustrações -- e, ora bolas, as crianças liam. Mas vamos deixar o meu Velho Rabugento Interior fora dessa.
Agora vou cair no clichê e dizer que a Abril deu um golpe de mestre ao republicar esses livros. E registro, aqui, a esperança de que a iniciativa vá além da linha Disney e, algum dia, vejamos reedições do Manual do Detetive e do Manual do Espião. Porque nós, meninos e meninas dos anos 70, já fomos injustiçados por tempo demais! - (Fonte: Blog de Carlos Orsi - AQUI).
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Minha geração é anterior à de Orsi, e a paixão pelos quadrinhos era a mesma, ou até maior. Em Piracuruca e Luzilândia, não havia bancas de revistas, de modo que as compras de revistas só ocorriam nas raras idas a Teresina. Mas a salvação estava nas cidades mencionadas. Em Piracuruca, dois amigos colecionavam/alugavam gibis: três, quatro malas abarrotadas, cada um. Rigor total: cada 'pacote' alugado era meticulosamente anotado em caderno específico; nenhuma revista podia ser devolvida com um rasgo, mancha, dobra. Em casa, eu escondia 'minhas' revistas (alugadas) nos locais mais curiosos, pois precisava escapar do assédio de meus irmãos, que não 'zelavam' os exemplares de acordo com as exigências.
Meu universo era povoado por gibis com os personagens Disney, Tarzan, Fantasma, Durango Kid, Kit Carson, Kid Colt, Aí mocinho, Kid Montana, Roy Rogers & Dale Evans, Dick Tracy, Zorro & Tonto e o outro Zorro, Fotoaventuras etc., etc., etc.
Tem também os livros, as revistas informativas, a Seleções do Reader's Digest... mas aí já é outra história, quero dizer, crônicas futuras.
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