quarta-feira, 22 de abril de 2015

A CORRUPÇÃO E O TRATAMENTO AMERICANO


O caso Lockheed

Por Motta Araújo

A Lockheed, hoje Lockheed Martin, é uma das maiores companhias de construção de aviões dos EUA, responsavel pelos famosos Constellations, de saudosa lembrança. É também um grande fabricante de aviões militares e de transportes, como o Hercules e o Tristar.

Entre 1950 e 1970 a Lockheed foi uma generosa distribuidora de propinas mundo afora, visando favorecer a venda de seus aviões civis e militares. Calcula-se que a empresa nesse período distribuiu 300 milhões de dólares de comissões e propinas - em moeda de hoje, mais de US$ 3,6 bilhões.

Os casos mais emblemáticos foram na Alemanha Ocidental, onde gratificaram o Ministro da Defesa Franz Joseph Strauss. Gordo famoso e frequentador de capas de revista, foi pago para a Lockheed vender 900 aviões F-104 Starfighter (foto). As comissões chegaram a 12 milhões de dólares.

Na Itália, os beneficiados foram homens poderosos, os Ministros Luigi Gul e Maria Tanassi, o Primeiro Ministro Mariano Rumor e o Presidente da República Giovanni Leone, que teve que renunciar. A comissão paga foi de US$10 milhões.

No Japão a festa foi maior: para vender aviões de combate e de transporte usaram como agente a Marubeni, tradicional trading; as propinas foram de 2,9 bilhões de Yens mais 3 milhões de dólares para o Primeiro Ministro Tanaka; no lado militar a mão molhada foi do herói de guerra Minoru Genda, estrategista e comandante da força aérea de ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, e depois da guerra Chefe de Estado Maior da Força de Auto Defesa do Japão.

O maior volume de comissões foi pago na Arábia Saudita: 106 milhões de dólares, para venda de aviões militares; o intermediário foi Adnan Kashogi, na época um dos cinco homens mais ricos do mundo; tinha um Jumbo particular e o maior iate daquela época.

Mas o caso que gerou o mega escândalo foi o da Holanda: o pagamento de uma comissão de US$1,1 milhão para o Príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana; o estrondo foi maior porque era um personagem da Casa Real, uma das monarquias mais ricas da Europa, mas a Rainha mantinha o marido com mesada curta e ele precisava de dinheiro para seus divertimentos, era um homem chique e charmoso, sempre com um cravo na lapela.

Por causa desse caso da Holanda foi editada a famosa Foreing Corrupt Practices Act, até hoje a principal lei anti-corrupção dos EUA, que exige relatórios anuais e perturba executivos de multinacionais americanas com seu compliance chatíssimo e aborrecente.

O Chairman e o Vice-Chairman da Lockheed renunciaram a seus cargos em 1976, cinco anos após o escândalo da Holanda; a punição parou por ai, ninguém foi preso, a empresa era estratégica para o País.

Como o caso teve repercussão mundial e abalou as vendas da empresa, o Governo dos EUA abriu uma garantia de crédito bancário pelo Tesouro de US$195 milhões para dar respaldo à empresa, caso necessário.

O caso foi arquivado, no sistema americano de corrigir para frente e enterrar o passado. Hoje a Lockheed Martin vale na Bolsa US$68 bilhões de dólares, está próspera e não se fala mais no assunto. (Fonte: aqui).

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A tradição americana: É 'edificante' tudo o que for feito fora do território americano que de alguma forma possa resultar em benefício para os interesses americanos. Mas tudo o que de irregular se fizer dentro da jurisdição da Suprema Corte será rigorosamente punido. Veja-se, por exemplo, como são tratados nos EUA os sonegadores. (Nada a ver com o que se vê por aqui, onde pessoas abastadas saem às ruas - vide o 12 de abril - com faixa sustentando que "Sonegação não é corrupção"). Consta que no governo Bush filho as "práticas policiais heterodoxas" chegaram ao auge, e tais práticas foram chanceladas pelo Patriotic Act, pacote lançado após o atentado de 11 de setembro de 2001. Mas, sintomaticamente, o 'auge heterodoxo' aconteceu em Guantánamo, fora da jurisdição da Suprema Corte.

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