sábado, 18 de maio de 2013

LEMBRANÇAS DA MPB


O índio do Corcovado

Por Ana Luiza Martins


"Em 1931, meu pai, Luís Martins, era assistente de redação da revista Para Todos, dirigida por Álvaro Moreyra. Um belo dia, apareceu na redação o pintor português Correia Dias (primeiro marido de Cecília Meireles e pai da atriz Maria Fernanda) dizendo ter feito uma descoberta sensacional no Corcovado. Havia o perfil de um índio, dez vezes maior do que o Cristo, esculpido numa das escarpas da montanha. Correia Dias achava que era obra de uma misteriosa civilização pré-colombiana. De fato, se você olhar da Lagoa, altura de Ipanema, para o topo da montanha e fizer um certo esforço (talvez um grande esforço) é possível que veja o perfil de um índio na encosta, do lado direito. Tem um cocar de penas na cabeça e os braços cruzados sobre a barriga proeminente. Lembra vagamente um chefe indígena Sioux, aqueles do desenho do Pica-pau. Mas tudo bem. Se até os fenícios subiram a Pedra da Gávea, por que os Sioux não poderiam ter vindo dar uma voltinha no Corcovado?

Correia Dias estava disposto a se embrenhar na mata e subir a montanha para fotografar o índio. Seria acompanhado por um rapazinho imberbe de 18 anos chamado Carlos Lacerda (sim, o futuro governador da Guanabara), que ficaria encarregado do texto. Resultaria da expedição uma reportagem que o pintor ofereceria de graça ao Para Todos. Álvaro Moreyra achou graça na história. Para alavancar as vendas da revista, sempre mal das pernas, teve o que hoje se chamaria uma brilhante ideia de marketing. Pediu ao seu assistente de redação que encomendasse ao Joubert de Carvalho, compositor de grande prestígio na época, uma música sobre o tal índio e produzisse um disco.

O prazo era curtíssimo. Joubert topou, sob a condição de que meu pai escrevesse a letra. Feita às pressas, O índio do Corcovado saiu como deu. Gastão Formenti, cantor predileto da dupla e de muita gente, foi convidado a gravá-la. Tudo resolvido, faltava apenas uma coisa: uma música para pôr no outro lado do 78 rpm. Joubert não tinha nenhuma, mas disse que tentaria alguma coisa. Foi para casa e compôs uma canção, praticamente da noite para o dia. Lançado o disco, história e música do índio foram recebidas sem muito entusiasmo. Mas Maringá, a do lado B, estourou nas rádios. Fez tanto sucesso que seria mais tarde homenageada até com nome de cidade no Paraná (e não o contrário, como muitos imaginam).

Joubert de Carvalho e Luís Martins fizeram depois outras parcerias. Mas O índio do corcovado é a única música escrita por meu pai que já ouvi. Quando eu era criança, sempre que passávamos pela Lagoa, ele contava essa história, ria, apontava para a montanha e desenhava o índio no ar com o dedo. Eu não tinha a menor dificuldade em visualizá-lo. Faz alguns anos, porém, que sempre que estou no Rio e passo na Lagoa, fixo os olhos na escarpa do Corcovado até quase envesgar, mas não há meio de conseguir ver a silhueta do imponente chefe Sioux. Fico pensando se foi a montanha que mudou ou se fui eu que perdi o índio, não sei como". (Fonte: Blog do IMS Instituto Moreira Salles - e blog Luis Nassif, aqui).

2 comentários:

Anônimo disse...

Dodõ
Não conhecia a filha do Luis Martins, muito menos sabia que escrevia tao bem assim. Afinal, de onde ela vem, você conhece algo dela?Gostaria muito de conhecer a tragetória dela.
Fui lá pra ouvir no IMS o áudio da música citada .
O curioso é que está ruim pra acessar o blog do Nassif. Alguma sacanagem de algum maluco?
ab
joão

Dodó Macedo disse...

Caro João, desde meados de abril, o blog do Nassif vem apresentando problemas de acesso. Há quem atribua a situação a retaliação por parte de uma empresa arapuca que o blog denunciou,
Quanto à autora do texto, confesso que também não a conhecia, mas vou pesquisar oportunamente, e te darei retorno caso colha algo.
Grande abraço.