segunda-feira, 1 de março de 2021

ESPINGARDA DE JUJUBAS (OU: 'SOBRE A QUEDA DO IMPÉRIO AMERICANO')

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"A comédia policial 'A Queda do Império Americano' é como essas espingardas de chumbo (no caso, de ironia), em várias direções. Mas são jujubas."


Por Carlos Alberto Mattos

Pierre-Paul é PHD em Filosofia, mas acredita que a inteligência é um empecilho. Está seguro de que os grandes pensadores tiveram existências horríveis, e que a estupidez ou a sorte podem ser mais produtivas. Pierre-Paul considera-se um homem inteligente, mas muito tímido e sem sorte. Por isso, trabalha como motorista de um caminhão de entregas em Montreal e colabora num posto de atendimento a moradores de rua. Sempre que pode, cita Platão ou Wittgenstein, sem qualquer esperança de que isso o retire da sua condição. A chance – quer dizer, a sorte – aparece quando ele presencia um assalto frustrado e acaba arrebanhando duas bolsas cheias de dinheiro.    

A Queda do Império Americano (La Chute de l'Empire Américain) parte, então, desse paradigma narrativo da fortuna inesperada e perigosa para se desdobrar numa comédia policial semelhante a essas espingardas que disparam chumbo (no caso, de ironia) em várias direções. O dinheiro estava no cofre secreto de uma organização mafiosa, o que põe gangsters e policiais no encalço de quem dele se apossou. Pierre-Paul tem agora que usar inteligência e sorte para se safar e tentar mudar de vida.

Mais de 30 anos depois de O Declínio do Império Americano, que fez sua fama internacional, Denys Arcand volta a usar o conceito de "império americano" para se referir a um imaginário intelectual conspurcado pelo capitalismo. "Foi o dinheiro que arruinou os Estados Unidos", diz alguém em A Queda... Se no filme de 1987 tudo girava em torno de sexo e academia, agora se trata de esperteza e dinheiro. Nas intrincadas operações de Pierre-Paul e seus comparsas (um ex-presidiário e uma prostituta de luxo) para retirar o dinheiro do país, enfileiram-se estocadas de deboche com o mercado financeiro, os controles estatais, uma polícia que sempre chega atrasada e as iniciativas beneficentes.



O cenário de fundo é uma Montreal pontilhada de miseráveis pelas calçadas, em contraste com uma arquitetura corporativa opulenta. Arcand mostra canais "invisíveis" da cidade, por onde correm as ilegalidades e a corrupção. Sem maiores pretensões do que fazer um divertimento com certo grau de requinte, mas também de clichês indisfarçáveis. O chumbo disparado pela espingarda do cineasta, na verdade, parecem mais jujubas de sessão da tarde.

No elenco, ao lado de Alexandre Landry como Pierre-Paul e Rémy Girard como o "cérebro" criminoso, está a encantadora Maripier Morin. A modelo e apresentadora de TV teve ali sua primeira grande aparição no cinema, em 2018. O estrelato não durou muito. Em 2020, ela seria cancelada no showbusiness canadense depois que a cantora Safia Nolin a acusou de assédio sexual e comportamento racista. Disso Denys Arcand poderia bem extrair um argumento para seu próximo filme. Quem sabe, "O Desaparecimento do Império Americano".  -  (Boletim Carta Maior - Aqui),

(A Queda do Império Americano está nas plataformas Youtube on demand, Google Play, Now, Apple TV e Vivo Play).

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