"Garimpando o Google, descubro a preciosidade: Maiakóvski, poeta da minha juventude, morreu num 14 de abril como minha mãe - os dois escultores de minha sensibilidade! Não sei o que significa essa coincidência. Provavelmente, nada. Para mim, se traduz na oportunidade de lembrar hoje da poesia que ontem me alimentava, arroz e feijão de minha alma. O maior poeta russo moderno, chamado de "o poeta da revolução", mas que escrevia coisas macias como "Cada um ao nascer / traz sua dose de amor, / mas os empregos, / o dinheiro, / tudo isso, / nos resseca o solo do coração." Assim como escreveu o épico sobre Lenin. Só um tira-gosto: "Não devemos / nos derramar / em poças de lágrimas, / Lenin / ainda / está mais vivo do que os vivos. / É nosso saber / nossa força e arma. / As pessoas são barcos. / Apesar de estar no seco." Mamãe garantiu minha vida ao me inserir no colunismo social...
Eu não me sentia bem-vinda, e não era, na esquerda de ocasião, do oba-oba, das prisões de uma hora ou duas, do suposto engajamento. Nunca me enturmei com ela, sempre fui distante, educada e cerimoniosa. Assim como me julgavam, talvez suspeitassem de minha aversão ao seu oportunismo, aproveitando-se do heroísmo alheio para ostentar um esquerdismo de marca, como etiqueta de camisa.
Mas sempre fui recebida e acarinhada pela esquerda das cicatrizes, a esquerda raiz, do idealismo, que sofreu na carne e muitas vezes na própria vida. Os amigos de Stuart, muitos deles que frequentaram a nossa casa na Rua Nascimento Silva e me conheceram ainda pré-adolescente, jamais se deram ares, jamais viraram o rosto ou dispensaram um telefonema, jamais deixaram de me escutar.
Bem, estou divagando... Só agora consigo verbalizar e escrever sobre isso. Demorou muito tempo. Mas, à medida em que passa o tempo, máscaras caem. Onde estão aqueles revolucionários do bar Zeppelin? Nas academias, muitos deles, escrevendo artigos para derrubar governos de esquerda, carregando medalhas. Eu também porto galardões, bebo chope e, mesmo assim, continuo a me sentir uma alienígena quando perto deles."
(De Hildegard Angel, crônica sob o titulo em destaque, publicada no Brasil 247 - Aqui.
Hildegard, filha de Zuzu Angel - morta em circunstâncias para lá de suspeitas -, irmã de Stuart Angel, morto sob tortura do regime militar, integra a equipe do 247 e deverá estar amanhã, domingo, no programa especial do citado site).
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