domingo, 17 de junho de 2012

CRISE EUROPEIA: UM PORTUGUÊS VÊ A ESPANHA

Amorim.

A gripe espanhola

Por José Manuel Pureza

“A Espanha não é Portugal, nem a Grécia.” A ladainha voltou. Agora é porque não se trata de um empréstimo à economia espanhola no seu todo mas apenas aos bancos. A intervenção externa em Espanha é-nos apresentada como uma operação técnica, estritamente confinada a um punhado de entidades bancárias e totalmente neutra para o resto da economia. A mistificação não podia ser maior.

A Espanha era o país modelo para a Europa de Maastricht. De González para Aznar, de Aznar para Zapatero, de Zapatero para Rajoy, a Espanha foi acumulando superávits orçamentários, mantendo a dívida pública em níveis assinalavelmente baixos e com um sistema bancário híper-competitivo. Para os gurus da receita liberal para a Europa, Madri tornou-se uma espécie de estrela polar.

Também é verdade que dos governos do PSOE para os governos do PP e vice-versa se foram acumulando outras coisas. Por exemplo, acumulou-se o crédito concedido pelos bancos (de 88% do PIB em 2000 para 171% no final da década), grande maioria do qual para atividade imobiliária. Acumularam-se as casas novas (de 334.000 em 2000 para 734.000 em 2007) e as subidas dos respetivos preços. Mas acumularam-se sobretudo pessoas atiradas para o desemprego: cinco milhões agora. Um quarto da população ativa.

A crise espanhola é totalmente singular? Não, não é. Não é, desde logo, na forma como a explicam os militantes da austeridade. Pela enésima vez eles voltam a falar de Estado gastador, da necessidade de cortar nas despesas sociais e toda a demais cantilena que conhecemos. E, no entanto, foi a dívida privada – e, muito concretamente, a contraída pelos bancos no seu delírio especulativo – que desencadeou a derrocada. Se há caso que exige pudor aos que explicam a crise pelas “gorduras do Estado”, esse é o de Espanha.

O caso espanhol está longe de ser singular também do ponto de vista de quem ganha com a crise. Só nos últimos três meses, 98 bilhões de euros fugiram de Espanha para lugares mais seguros para os compradores de títulos de dívida nos mercados financeiros. A Alemanha está à cabeça desses paraísos.

Por fim, o caso espanhol está longe de ser singular a respeito da receita imposta para a cura. Desgraçadamente para os espanhóis. Bem podem os atuais e os anteriores governantes de Espanha e da União Europeia dizer que é tudo culpa de uns “bancos maus” e que, por isso, bastará a respetiva recapitalização reforçada para que tudo fique nos carris. Não, não é culpa exclusiva dos bancos maus, mas também dos responsáveis políticos que alimentaram – por ação ou por omissão – essa louca deriva da acumulação de dinheiro a brotar das roletas da especulação financeira. E de quem aproveita a debilidade assim criada para desfazer serviços públicos, cortar a eito nos direitos sociais e atacar o salário e o trabalho.

Na Espanha, como na Grécia, como em Portugal. E não, não bastará a recapitalização. Porque alguém vai ter que a pagar. E esse alguém não serão os bancos mas sim os recursos públicos, os recursos de todos, os recursos dos que não contribuíram nem um pouco para a eclosão do buraco sem fundo das contas dos bancos. Tem isto alguma coisa a ver connosco? Tem: a Espanha é um BPN multiplicado por vinte.

O nosso Governo sonha com o turning point da crise. Pois bem, junho de 2012 pode bem ser esse momento. A derrocada de Espanha e a explosão dos juros de Itália indiciam que assim é. A crise virou. No pior sentido.

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Essa análise desmonta os argumentos dos militantes da austeridade, que pululam por todas as plagas (aqui em Teresina, inclusive - haja vista editoriais de um jornal local, o Meio Norte). No caso espanhol, os investidores deitaram e rolaram na especulação, enquanto os bancos concederam créditos que beiram 180% do PIB. Já o Brasil, adotou cautelas mais rigorosas do que as preconizadas pelos Acordos de Basileia I e II, desestimulando a especulação, ao passo que os créditos concedidos pelos bancos giram em torno de 48% do PIB. 
Definitivamente, só bocó se dispõe a embarcar na canoa furada do neoliberalismo, pregando a todo custo a austeridade (no fundo, no fundo, o estado mínimo).

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