quinta-feira, 14 de junho de 2012

AINDA O LESSA


Ivan Lessa inventou a escrita coloquial repleta de referências

Por Paulo Roberto Pires

Como todo mundo do "Pasquim", Ivan Lessa viveu assombrado pelo próprio folclore. O dos anos loucos de um desaparecido mundo Ipanemocêntrico e o do autoexilado irascível, Grilo Falante fantasiado de rato Sig que, a cada banana dada para o Bananão (substantivo que usava para se referir ao Brasil), quebraria nosso rebolado.

Inventou, com toda aquela turma, um ovo de Colombo que muita gente boa até hoje sua para botar em pé: o de escrever como se falasse e de citar como se apenas lembrasse, disfarçando em boteco safado uma verdadeira Capela Sistina de referências e de estilo.

Suas frases não reluzem como as de Millôr Fernandes ou têm a elegância apolínea das de Sérgio Augusto. Leitor, ali, suava para rir e chorar, bom que ele era de acabar com a alegria que tinha acabado de dar.

"Quando você me diz 'lá em casa', o que eu vejo é um bicho feito de ângulos, retas, paralelas: animal em plano e perspectiva", começa "A Casa de Noite", crônica, de doer, de 1973. "Quando você dorme, a casa faz. Quando você sai, a casa fica. Na realidade, não se conhecem. São interesseira acomodação."

Até sexta-feira passada, manteve, com regularidade impressionante, o fogo cerrado contra o fácil e o direto, além do gosto por digressão e nonsense.

Viu brasileiros voltarem ao lar "esperançosos como parágrafos de Stefan Zweig" e batizou uma coluna de "Vamos Tirando esse Vestidinho e Diga 33".

Na última crônica, ao explicar por que Millôr não era simplesmente "frasista", deixou um autorretrato cristalino: "Trabalhava com a enxada dura da língua".

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Ivan Lessa integrou a linha de frente da 'desburocratização da linguagem', um dos méritos do O Pasquim (vale reforçar: o semanário era O Pasquim, e não simplesmente Pasquim). O, digamos, processo de desburocratização da linguagem teve início logo a partir do número um: o cartunista Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o célebre Jaguar, era o encarregado de transcrever a entrevista que a turma fizera com o colunista social Ibrahim Sued. Mas o tempo foi passando, e nada de a providência ser adotada. Na hora fatal, Jaguar transcreveu tim-tim por tim-tim o que constava das fitas, sem fazer qualquer retoque, e o papo ficou isso mesmo, um papo bem informal, do jeito que havia ocorrido. O número 1 do O Pasquim, com foto de Ibrahim Sued na capa, foi para as bancas em junho de 1969 (seis meses após a edição do AI-5; era, enfim, um tempo em que, como poderia ter dito Aldir Blanc, "caía a noite sobre o viaduto").

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