domingo, 2 de janeiro de 2011

ALMA LAVADA, MAS NÃO ENXAGUADA


O Bem-Amado e o ativismo político-cultural

Por Maurício Caleiro

A adaptação de O Bem-Amado por Guel Arraes não decepciona apenas pelo roteiro frouxo, repetitivo, por atuações demasiado histriônicas e pela tentativa de inserir a narrativa em um contexto histórico inverossímil, mas, sobretudo, por distorcer gravemente a criação de Dias Gomes, ao negligenciar um traço distintivo da obra do dramaturgo baiano: a crítica político-ideológica consistente.

Marco Nanini, na pele do “coronel” Odorico Paraguaçu, e Tonico Pereira, personificando o populista de esquerda Vladimir, substituem o que poderia ser um duelo entre dois grandes atores por um torneio de quem grita mais alto. Às lúbricas saracotices das irmãs Cajazeiras com Odorico é dispensado um tom de chanchada, o qual, somado à superficialidade dos jogos eróticos pudicos, tende a cansar pela repetição. O casal central da trama, formado pelo jornalista Neco Pedreira (Caio Blat) e pela filha de Odorico, Violeta (Maria Flor), não bastasse a chatice de suas coqueterias calienta huevos, é fotografado com uma luz que acentua os tons brancos, dando a suas cenas idílicas a aparência de um comercial de margarina.

Um dos poucos personagens que se salva é o soturno e árido Zeca Diabo de José Wilker: sem chegar a ser, de forma alguma, melhor do que a versão brejeira do personagem quando na pele de Lima Duarte, ao menos é inovador. Já o Dirceu Borboleta de Matheus Nachtergaele é talvez o pior momento da carreira desse ator fenomenal – ainda mais para os que guardam memória da impagável personificação do secretário de Odorico por Emiliano Queiroz, com direito a gagueira e a ar apalermado.

A trilha sonora de Caetano Veloso & cia. é, para dizer o mínimo, preguiçosa – e a canção-tema, dissonante ao extremo, está no rol das mais pobres contribuições do baiano ao cinema. Para compeltar, em termos de tecnologia sonora o filme regride algumas décadas, a uma era pré-desenho de som: com frequência música e falas se contrapõem, indistinguíveis, não há nivelamento máximo ou preenchimento mínimo – de forma que, enquanto os berros de Nanini ardem nos tímpanos, os sussurros de José Wilker são eventualmente inaudíveis -; há ruídos e efeitos em níveis desiguais e às vezes inverossímeis: por vezes é como se estivéssemos ante um daqueles filmes do Jabor dos anos 70…

Salva-se uma direção de arte cuidadosa, com um quê de cinema malasiano nos tons de verde e vermelho e no uso de cortinas à guisa de molduras, resultando em belos interiores para uma Sucupira praiana e em colonial baiano. Mas mesmo nesses ambientes predomina uma certa pasteurização inerente às produções da Globo Filmes, dadas sua modorra narrativa característica, em allegro ma non troppo, e sua linguagem cinematográfica quadrada, mais previsível do que a de uma novela das oito.

Mas tais problemas não são o pior: ao igualar os dois políticos rivais encarnados por Nanini e Tonico Pereira, caracterizando ambos como manipuladores corruptos e velhacos, o filme substitui a crítica mordaz e matizada que o original de Dias Gomes fazia aos dois espectros político-ideológicos – aos quais o autor sobrepunha de maneira clara uma teleologia de valores republicanos, ausente no filme – por um discurso niilista, de descrença na política, de “políticos são todos iguais e não prestam” que é o que há de mais contraproducente para o avanço da democracia no Brasil.

Um comentário:

Netto, de Deus disse...

Torci o nariz, não, torci o corpo inteiro, pra não ir a esse Bem Amado, por conta do meu aguçado faro em relação a "remakers" - pouquíssimos dão a volta por cima do primeiro. Prefiro ter na cabeça a imagem daquelas namoradinha dos tempos de bronhas depois das tertúlias e dos "banhos" de rios, do que a imagem em 6D da prevesidade que o tempo fez com elas. A recípocra deve ser em triplo.. quáá... A Globo tá feito os sócios Corínthians e PIG: não acertam uma... Ô BELEZA!!!!!