sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A INDÚSTRIA DE ARMAS NÃO SE IMPORTA COM QUEM SEJA O PRESIDENTE

.
“'A defesa sempre foi uma questão bipartidária', ele disse recentemente à CNBC, descartando a ideia de que Biden cortaria gastos militares"
................
Artigo produzido/publicado às vésperas da eleição do dia 3, na qual o povo norte-americano elegeu o colégio eleitoral que iria eleger Joe Biden o presidente dos EUA. Confirma o que é notoriamente sabido: o complexo militar-industrial de Tio Sam independe da vontade do mandatário, assim como a definição do orçamento de "ações de defesa". Mas a questão climática - a política ambiental - e as demais políticas públicas interessam sim, e muito, aos mortais comuns, e elas passam pela articulação presidencial. Como alguém teria observado: Eis que chega a vez do imperialismo solidário.

             (B-2 Steatl Bomber voa com caças F-35. Nova York, jul 2020)

Nesse verão, Dave Calhoun, CEO da Boeing – construtora do míssil balístico internacional – se declarou alegremente indiferente à eleição presidencial. “Eu acho que ambos os candidatos, ao menos na minha visão, parecem ser globalmente orientados e interessados na defesa do nosso país e eu acredito que vão apoiar as indústrias”, ele disse em uma ligação para a imprensa. Então não espere nenhum patrocínio oficial dele ou de seus colegas. “Eu não acho que vamos nos posicionar sobrem quem é melhor”, ele concluiu. Enquanto muitas indústrias se preocupam com os efeitos de potenciais resultados eleitorais nos seus lucros, empreiteiras do exército dos EUA como a Boeing – cujo helicóptero Apache é visto matando civis no famoso vídeo “Assassinato Colateral” do Wikileaks – estão direta e indiretamente financiando as campanhas do presidente Donald Trump e do ex-vice-presidente Joe Biden.


De acordo com o Centro de Política Responsiva (CRP), um grupo de pesquisa não partidário que rastreia efeitos do dinheiro e do lobby na política, um dos principais contribuintes da campanha de Biden é o Paloma Partners, um fundo de investimento multibilionário e a galinha dos ovos de ouro dos Democratas. O fundo já deu um pouco menos de $10 milhões de dólares a Biden, sendo 90% proveniente de S. Donald Sussman, fundador e investidor chefe do Paloma. E além do “Joe Biden para Presidente”, um braço da campanha, a maior fonte de financiamento do vice-presidente é o comitê de ação política (PAC) Priorities USA Action, que já doou $125 milhões – o Paloma é um dos grandes responsáveis pelo orçamento de guerra do PAC.

Os registros da Comissão de Títulos e Câmbio também indicam que o Paloma tem mais de 260.000 ações na Raytheon, grande fabricante de armas. A Raytheon é uma grande fornecedora de armas para a Arábia Saudita, que já lançou bombas da empresa de Massachussets em locais como um velório em Sanaa, no Iêmen, matando ao menos 140. O CEO da Raytheon, Gregory Hayes, concorda com Calhoun. “A defesa sempre foi uma questão bipartidária”, ele disse recentemente à CNBC, descartando a ideia de que Biden cortaria gastos militares.

Os financiadores da campanha de reeleição de Donald Trump possuem laços similares. Uma contribuinte importante é uma empresa de investimento privado do Arkansas chamada Stephens Inc., que possui quase 213.000 ações na Raytheon, 27.000 na Boeing e 18.000 na Lockheed Martin, fabricante de um sistema de mísseis com o qual a OTAN já matou 12 civis afegãos. A Stephens também tem 50.000 ações na Kratos Defense, cujos produtos incluem veículos de terra não tripulados e o drone Valquíria XQ-58 – o principal representante de aquisições da Força Aérea dos EUA vislumbra o Valquíria como parte de um programa de protótipo de inteligência artificial chamado Skyborg.

Na mesma veia, a Euclidean Capital concedeu $7 milhões a Biden. A Euclidean é o escritório familiar do bilionário Jim Simons – Jim e Marilyn Simons somam 90% ou mais das benesses políticas da organização. Jim Simons fundou o fundo de investimento Renaissance Technologies e, enquanto se aposentou da firma em 2010, continua com seu papel na Renaissance e a se beneficiar com seus fundos. De acordo com o CRP, “os membros individuais da Renaissance, ou funcionários ou donos, e os familiares imediatos desses indivíduos” doaram o suficiente para a campanha de Biden a ponto de colocar a empresa no top 10 dos contribuintes de Biden; tanto a Euclidean quanto a Renaissance estão no alto escalão de investidores do Priorities USA.

A Renaissance possui 1.2 milhão de ações na Raytheon que valem quase $75 milhões, e possui mais de 130.000 ações na Lockheed Martin estimadas em quase $50 milhões. Entre os clientes mais lucrativos da Lockheed estão Israel e a Arábia Saudita, dois representantes dos EUA e contribuintes centrais do banho de sangue no Oriente Médio. Israel utilizou a aeronave F-35 Lightning II da Lockheed para bombardear Gaza bem como alvos iranianos e do hezbollah na Síria. Em 2018, um ataque aéreo da coalizão saudita-estadunidense atingiu uma escola iemenita com uma bomba de 500 quilos feita pela Lockheed e matou dezenas de crianças.

Outros que estão faturando alto com mortes são a empresa de capital privado de $500 bilhões, Blackstone Group, apoiadora importante de Trump. A empresa tem 100.000 ações na Kratos. O chefe executivo da Blackstone, Stephen Schwarzman, gastou $27 milhões financiando candidatos republicanos nesse ciclo eleitoral, incluindo o presidente, e é um conselheiro não oficial de Trump. Em agosto, a Blackstone contratou o lobista David Urban, membro do comitê consultivo de reeleição de Trump e arquiteto crucial da exitosa campanha de 2016 do presidente, como uma tentativa de tentar trabalhar com o Departamento de Defesa e o Departamento de Estado em “questões relacionadas ao preparo e treinamento militares”.

O duto segue ambos os caminhos – a administração Trump já carrega a evidência de seus laços com a indústria de armas, com participação do secretário de Defesa, Mark Esper, ex-lobista da Raytheon, e o secretário do Exército Ryan McCarthy, que já foi vice-presidente da Lockheed. Mais atrás, William Lynn era o lobista principal da Raytheon antes de a administração Obama torná-lo secretário-adjunto de Defesa. Tom Kelly, secretário assistente do Bureau de Relações Políticas-Militares do Departamento de Estado disse sobre as exportações de armas na administração Obama-Biden: “Estamos advogando em nome das nossas empresas e fazendo de tudo para que possamos garantir que essas vendas aconteçam”. Em 2017, Kelly se tornou vice-presidente de política e advocacia da Raytheon.

É difícil imaginar que os investidores mais ricos do mundo desembolsam milhões de dólares em condições políticas sem a olhadinha ocasional em seus portfólios. A lógica institucional no trabalho aqui é tal que, não importa o resultado da votação, o ocupante da Casa Branca pelos próximos quatro anos estará lá, consideravelmente, graças a pessoas com participações nos lucros da Boeing, Raytheon e Lockheed.

Empresas da indústria de guerra doam diretamente a candidatos de um jeito bipartidário. Empresas aeroespaciais no ramo de guerra focam suas doações políticas a membros dos subcomitês de Apropriação da Câmara e do Senado, que distribuem dinheiro federal, e a membros dos comitês de Serviços Armados, que ajudam a moldar a política militar e, com isso, podem criar a demanda para o que essa indústria vende. Do dinheiro que esse setor doou para os candidatos à presidência de 2020, pouco mais foi para Trump.

Ainda assim, o oposto é verdade sobre os eletrônicos de “defesa”, o ramo preocupado com os componentes eletrônicos e sistemas feitos para garantir supremacia tecnológica na guerra. Empresas trabalhando nessa área doaram mais para Biden do que para Trump, embora esse setor tendo direcionado seu dinheiro no passado para o partido que estivesse no poder. Números do CRP que levam em consideração PACs e indivíduos que deram $200 ou mais aos candidatos mostram que a indústria de armas como um todo deu $1.6 milhão para Trump e $2.4 milhões para Biden.

Enquanto Trump fez um escândalo negando qualquer envolvimento em quid pro quos com corporações estadunidenses como a Exxon, é seguro dizer que grandes indústrias veem o governo como uma fonte de oportunidades. Traficantes de armas e seus patrocinadores não são exceção; eles existem para fazer dinheiro. Eles despejam dinheiro no sistema político por puro compromisso ideológico – eles esperam um retorno ou investimento. Quem quer que seja inaugurado em janeiro, as empresas cujos lucros dependem do exército dos EUA certamente vão alugar seus ouvidos.  -  (Carta Maior - Aqui).

*Publicado originalmente em 'The Nation' | Tradução de Isabela Palhares 

Nenhum comentário: