segunda-feira, 20 de junho de 2016

O QUE JUCA KFOURI DISSE A ALEX SOLNIK


"Você acha que a Olimpíada pode melar por causa do golpe em curso?

A Olimpíada vai trazer para cá atletas do mundo inteiro, com essa situação bizarra de um presidente legítimo afastado, um presidente ilegítimo em exercício... Ele estará na cerimônia de abertura e ela também.

Vão os dois, é?
Ela anunciou que quer estar. E ele diz que quer discursar. Ele certamente será vaiado. Quanto a ela, temos alguma dúvida. Em princípio, será vaiada também. Porque, em regra, o tipo de público que frequenta esse tipo de acontecimento, dado o preço dos ingressos, é hostil a ela. Mas se ela continuar a se recuperar na opinião pública pode ser uma coisa histórica.
Vai ser onde a abertura?
Maracanã.
Maracanã é lugar de vaia!
Segundo Nelson Rodrigues, Maracanã vaia até minuto de silêncio. Você se lembra que houve aquele episódio nos Jogos Pan-americanos da vaia ao Lula. Depois ficou claro que aquilo tinha sido uma claque que o Cesar Maia tinha montado para vaiá-lo.
A Dilma quer ir, é?
Saiu na primeira página do UOL. “Me dediquei muito, fui eu que fiz, tenho responsabilidade” e tal. E eu sei que o pessoal do comitê organizador está na maior saia justa porque, pusilânimes como são em regra, dizem que não têm nada a se queixar, tanto dela, quanto do Temer, e dizem que “os governos têm sido todos muito corretos em relação à organização dos jogos”.
Qual é a imagem do Brasil que os atletas vão levar ao mundo na volta dos Jogos?
Eu acho que não são nem os atletas. Porque os atletas, em regra, ficam reclusos na Cidade Olímpica e mais preocupados em competir. Mas você vai ter dez mil jornalistas aqui. E, certamente, pela proximidade com a data da votação (do impeachment) haverá manifestações... contra... a favor... Então, vai ser um clima que não é o clima que normalmente cerca a Olimpíada.
Isso pode ser bom ou ruim para o Brasil?
Eu acho que para a imagem do Brasil não será bom. Para a questão em si, da decisão do Senado, eu acho que não tem grande peso. Agora, está claro que a imprensa internacional, em sua maioria, considera que o Brasil está sendo vítima de um golpe. Isso parece muito claro ao ler os principais jornais do mundo. Que não se considera estar havendo respeito à Constituição. Outro dia eu ouvi de um jornalista estrangeiro que um banqueiro espanhol lhe disse que “essa coisa de contrato é evidentemente muito importante, que os contratos sejam respeitados; mas, o investidor, o primeiro contrato que o investidor olha é a Constituição, esse é o maior dos contratos. E tudo o que o investidor não quer, na palavra dele, é 'incertinumbre' (incerteza). E há uma grande 'incertinumbre' hoje no Brasil porque o maior contrato, a nosso ver, não está sendo respeitado”.
Você foi ao almoço da Dilma na semana passada?
Fui.
E como é que ela está?
Até bonita ela está!
Também estou achando a Dilma mais bonita.
Sim, ela está muito mais relaxada! Eu me convenço cada vez mais que a pior praga que pode haver na vida de um político decente é o tal do marqueteiro. O marqueteiro não deixa as pessoas serem aquilo que elas são. Ela estava ótima no almoço. Se ela falasse para o país do jeito que ela fala em “petit comitê” o país teria uma outra imagem dela. Estava bem  humorada, engraçada... Achei ela muito bem. E está realmente esperançosa. Falou textualmente que mesmo que seja para perder “vamos ouvir a opinião do povo brasileiro”. E “eu retomando o governo eu não repetirei o presidencialismo de coalizão: vou governar com os meus”.
E ela falou em plebiscito?
Falou que é preciso ouvir a opinião do povo brasileiro. O plebiscito é absolutamente inexorável, na minha opinião. Porque, do mesmo jeito que eu percebo que o nosso Michel Temer não consegue governar ela desde que ganhou a eleição não consegue governar. E ela diz isso com todas as letras: “a oposição, ao apostar no quanto pior, melhor impediu que eu governasse”. E não há razão alguma para pensar que não será assim caso o Senado não a impeça. Mas ela deu um exemplo no almoço: o Obama faz anos não tem maioria no Congresso americano e nem por isso ele deixou de governar.
Talvez porque os americanos respeitem a Constituição...
Isso, isso.
Mas eu acho que a grande variável disso tudo vai ser o Cunha. Porque se ele for cassado...
Ela disse isso também: que com o Cunha é impossível. Ela disse isso no almoço com todas as letras. Mas eu acho que o Cunha, antes de ser cassado, você está sendo otimista... o Cunha vai ser preso nas próximas horas... na semana que vem... não dá mais! A mulher dele virou ré...
Sendo cassado ou sendo preso é evidente que ele vai querer se livrar dessa pena...
Vai chutar o balde! Lembre-se que ele disse, na primeira ameaça que tinha a ficha de muita gente... “antes de mim, 151”!
Até a votação do impeachment ele estará em cana... então eu acho que essa variável do Cunha muda tudo! Para poder ficar em liberdade e com parte da grana ele vai ter que falar muito. Ele vai atingir Câmara, Senado e governo provisório.
A cúpula do PMDB já está se articulando para derrubar o PCC para tomar conta da penitenciária...   
Por que você acha que tem essa cultura da corrupção no Brasil?
Porque tem a cultura da Casa Grande. Nós ainda não nos libertamos... quer dizer, a senzala brasileira ainda não se libertou da Casa Grande. E a Casa Grande é cínica! A Casa Grande é racista e ao mesmo estuprava as escravas!
Você acha que essa herança ainda permanece?
Mas muito claramente... muito claramente...
E como fazer para romper essa herança? Você tem ideia?
Se eu soubesse, né? Já houve um momento em que eu pensei que era na luta armada.
Você entrou na luta armada ou só pensou?
Eu fui da ALN, ué.
Você foi da ALN??? Eu não sabia...
Eu fui.
Participou de ações e tal?
Felizmente não cheguei a pegar em armas, mas eu dirigia para o “Velho Toledo”.
Ah, é? Você foi chofer do Joaquim Câmara Ferreira?
Fui, durante um bom tempo, quase um ano. Fazia a área de documentação. Carlos Knapp, você sabe quem é?
O nome não me é estranho, mas não sei o que fazia.
Ele era o Washington Olivetto de 1968, 69. Tinha uma belíssima agência de propaganda na esquina da avenida Cidade Jardim com a Brasil. Andava de Mercedes-Benz. Era motorista do Carlos Marighella. Caiu. Foi dedado. Tiramos do Brasil. Entre outros. Sérgio Capozzi, que trabalhava na Editora Abril... e quantos! Carmem Craidy! Uma porção de gente! Essa é uma história que não tem nada a ver com a nossa entrevista, mas, enfim...
Claro que tem a ver. Eu não sabia desse teu passado.
Você conhece alguém que tenha se alistado como voluntário para fazer exército?
Eu fugi do exército!
Pois é, eu me alistei como voluntário. Eu fui liberado por excesso de contingente, tinha acabado de entrar na faculdade, na Ciências Sociais, aqui da USP, e ao contar pro “Toledo” que eu havia sido liberado ele diz: “mas tá maluco, tem que ir pra Infantaria do CPOR! Pra aprender a ser guerrilheiro! Nada de liberado, Juca”! Não era Juca, era Bira. Meu nome de guerra.
Bira?
Em homenagem ao jogador de basquete do Corinthians: Ubiratan.
Grande Ubiratan!
Eu fui pro CPOR e me alistei como voluntário. Aí, imagine você: começo a fazer faculdade... menti no CPOR dizendo que entrei na Economia da USP e não na Ciências Sociais... se dissesse que era na Ciências Sociais não seria visto com simpatia... Me chamam no ano seguinte pra começar a servir. Faço o teste... foi a única vez na minha vida que eu subi num... não era pau-de-sebo, era numa corda... tão a fim que eu estava de passar naquela merda... cortei cabelo... tirei medida de farda... ia começar a servir em março de 70, quando surgiu uma vaga no Dedoc da Editora Abril para atender a revista Placar... e aí eu passei também na Editora Abril... e falei: só tem um problema, eu vou fazer o exército. Eles disseram: não, não pode. Aí eu entrei em todo um processo pra conseguir me liberar do exército. E também fui falar com o “Velho”. Eu sempre digo isso: eu devo minha vida a ele.
Mas como é que você conheceu o “Velho”?
É o seguinte... é uma história longa... eu tinha... eu tenho... uma prima, Maria Moraes, de cuja filha sou padrinho de batismo... Marta... que talvez você conheça, pois foi uma das autoras de um belíssimo documentário chamado '15 filhos' (nota deste blog: documentário disponível no Youtube)... sobre os filhos de exilados, presos ou mortos pela ditadura... que ela fez com uma colega cuja mãe também foi presa e tal... bom, Maria Moraes casou-se com Norberto Nehring... Norberto Nehring era um ídolo da minha juventude... foi pra ALN... foi morto em 70... aqui no DOI-Codi... ele tinha voltado de Cuba... e um dia eles levaram a um almoço de família alguém que apresentaram como tio do Norberto, estava lá um cidadão, que era o tio do Norberto. Tempos depois, me pediram para levar alguma coisa... levar comida para alguém que estava num determinado lugar. Eu fui levar, sem saber exatamente do que se tratava e esse cidadão era muito parecido com o cidadão que a Maria e o Norberto tinham levado no almoço familiar. Eu falei, “mas eu lhe conheço”. Ele disse... bom, aí eu comecei a conhecer o “Velho”, sem saber da importância dele... comecei a dirigir para ele, a levá-lo em “pontos” e tal... o Norberto foi preso, foi solto, fugiu do Brasil, foi fazer treinamento em Cuba, voltou já dedado de Cuba, em seguida foi preso e morto e... bom, minha relação com o “Velho” já era muito estreita... o Marighella tinha morrido em 69, o “Toledo” tinha virado o número 1 da ALN e quando eu vou conversar com ele, dizer pra ele que tinha um emprego em vista na Editora Abril ele me diz uma frase, que foi a frase que me salvou e que até hoje eu procuro e não acho, tô convencido que não foi escrita pelo Marx, ele me disse “na ‘Ideologia Alemã’, o jovem Marx escreveu: ‘não queira resolver os problemas do mundo antes de resolver os teus’... vai resolver teus problemas”... me liberou... e eu fui tentar me liberar do CPOR... Aí, tem uma outra história... o meu avô paterno conhecia um gerente da Antarctica, o seu Bittar, que era o avô do João Bittar, o fotógrafo que você conheceu...
Grande fotógrafo, grande amigo, um dos caras de melhor caráter que conheci.
O seu Bittar era o gerente da Antarctica em São Paulo... Seu Bittar fornecia cerveja e refrigerantes gratuitamente para o general chefe do II Exército ali naquela... lembra daquele casarão?...
Na Conselheiro Crispiniano?
Isso. E aí o seu Bittar pediu pro general que intercedesse para me liberar do exército... eu fui liberado do exército e comecei a trabalhar na Abril... Em seguida o “Velho” foi preso e morto... eu me afastei, não tinha mais contato na ALN, mas eu tive essa passagem na ALN... e acreditava piamente que a luta armada libertaria o Brasil, o que era uma cagada! Foi um erro, um equívoco, mas típico da indignação. Mas já acreditei. Hoje não acho que isso resolva. Mas que a nossa elite é perversa como poucas elites eu não tenho a menor dúvida!
Eu acho que uma das experiências mais trágicas desse pensamento foi Caparaó.
Sim...
Dezessete pessoas que se reuniram... para lutar contra a ditadura militar... sem saber aonde aquilo ia dar... não consigo entender até hoje.
Era indignação. Esse Norberto era professor de História na USP, um cara bonito pra burro, parecia aquele ator, o David Hemmings... ele deixa uma carta pra Ia (Maria) e pra Marta... que abre mais ou menos assim: “a vida é uma senda estreita, quem está fora pisa pra morrer... foi a sensibilidade e a indignação que nos trouxeram até aqui”... É isso mesmo. Era muito menos do que uma questão ideológica... a postura política era uma postura de indignação, para muita gente... Como é que você interrompe um processo democrático “manu militari” e fica por isso mesmo? Não, não vamos deixar por isso mesmo! E aí... ô, Alex, eu nunca me esqueço do dia em que eu fui cobrir um “ponto” na Avenida Paulista e olhei pra Avenida Paulista e falei: “cacilda”! Aqueles prédios todos já, grandes... e bancos... não sei o que... estamos falando dos começos de 70... eu olhei para aquela merda e pensei: “isso aqui nunca vai ser uma colônia... nós não estamos em Cuba... isso aqui não é uma fazenda, que você vai lá, um grupo de heróis toma o poder, toma o palácio... o capitalismo tá muito arraigado no Brasil para achar que vai resolver com revólver”... Mas não tinha mais também como recuar... o que eu ia fazer? Não ia cobrir o “ponto”? E o cara com quem eu tinha que me encontrar eu deixaria na mão? É mais ou menos isso: começou sem se saber aonde ia dar. Enfim, foi um erro, mas quero deixar claro, isso aí é uma questão que eu tenho muita determinação de deixar claro: terroristas foram eles que deram o golpe! Quem reagiu não era terrorista. Quem reagiu era equivocado... era idealista... era sonhador... o que você quiser, mas terrorista não! Terrorista foi quem interrompeu a democracia no Brasil.
Essas pessoas não tinham características criminosas... eram pessoas dóceis...
Exatamente...
Pessoas cultas, carinhosas...
Foi por generosidade... e não por anseios de poder ou coisa que o valha.
Andavam armados até, mas não eram violentos... você andava armado?
Não. Tinham o romantismo da guerrilha de Cuba... dos barbudos... do charuto...
O mais triste de 64 é que quem começou o golpe foram os civis... quem dá os golpes no Brasil é sempre o Congresso...
É isso. Quem era Magalhães Pinto? Era o grande... era o Bradesco da época, não era?
Dono do Banco Nacional... que financiou o Cinema Novo...
É essa coisa permanente da nossa elite e seus limites... e esse eu acho que foi um dos grandes equívocos do Lula... O Lula achou que mantendo essa gente feliz, ganhando dinheiro como nunca, encontraria a paz com eles. E era óbvio que, na primeira chance que tivessem, na primeira crise que surgisse eles dariam um piparote no Lula e seus aliados. É óbvio que a Casa Grande se conformou em conviver com a Senzala enquanto a Senzala lhe garantia lucratividade e estava feliz porque estava ascendendo. Na hora em que a rentabilidade começou a cair, aí você tem toda essa reação que você está vendo. Essa reação, inclusive, no combate à corrupção, que eu apoio, mas com uma seletividade que dá vergonha. Se olhar a seletividade das investigações... a seletividade dos vazamentos... como as coisas parecem todinhas planejadas... “olha, primeiro a gente pede a mulher... depois a gente começa a soltar, aos poucos, coisas que incriminem outros para não dizerem que nós somos parciais”... mas a mulher já tá fora! Coisas óbvias, coisas óbvias! A proteção ao Aécio... que é um negócio que dá ânsia de vômito... a burrice que leva à discussão desinformada em torno da Lei Rouanet, quem se beneficiou dela manda parar! Em vez de reforçar: a Lei Rouanet não é o que as pessoas ignorantes imaginam que ela seja; que, tudo bem, tem isenção para financiar cultura no Brasil, isso é bom ou é ruim, mas aí, quando fica claro que não é o Chico Buarque o beneficiário, aí para! Para porque perdemos o argumento. É ridículo!
O que você acha do papel do Temer? Esteve nas Diretas Já e agora...
É um oportunista como sempre foi... um sobrevivente... que hoje fez uma homenagem ao Jarbas Passarinho... é isso que ele é...
Homenageou o Passarinho?
Opa! “Grande brasileiro”... Chamou de “grande brasileiro”...
O que é que é isso?!
É isso! Ele foi secretário aqui do Quércia! Ou do Fleury?
Não, do Montoro. Secretário de Segurança do Montoro no tempo das Diretas Já. Garantiu a segurança das Diretas.
Mas também tratava com bandidos...
Quando ele fez aquele discurso infeliz de que ele sabia tratar com bandidos... nem na ditadura eu ouvi um presidente dizer uma coisa dessas!
Não tem nenhum preparo! E veja: essa semana deve cair mais um ministro... enfim... ele não sabia disso tudo? É um desastrado! Ele conseguiu... eu vou lhe dizer uma coisa... eu acho que aqueles que apoiam Dilma devem agradecer a ele porque ele conseguiu, rapidamente, transformar a Dilma em vítima. Rapidamente. Essas bobagens... cortar comida... proibir avião... você se lembra? Eu sempre dou esse exemplo... Você se lembra daquele coronel que veio disciplinar o trânsito em São Paulo?
Claro, coronel Fontenelle... que não tem nada a ver com Astrid Fontenelle...
E que acabou morrendo de enfarte num programa de televisão... o Fontenelle apanhou tanto do Estadão que a partir de um momento, ele, que era uma pessoa odiada... guinchava automóveis... começou a reverter a imagem na opinião pública de tanto que ele apanhava do Estadão, porque as pessoas começaram a achar que era um exagero. Que não era possível que ele fosse tão ruim. Embora fosse. De alguma maneira essa gente conseguiu rapidamente – eu tô louco pra ver uma pesquisa de opinião pública pra saber a quantas anda a popularidade da Dilma, por exemplo...
O Ibope deu 33% de popularidade pra ela...
Eu li isso na “Carta Capital”, não vi o Ibope desmentir, mas não vi ninguém mais falar disso... me pareceu que era uma pesquisa que alguém encomendou... não é uma coisa, assim, como a gente estava acostumado a ver... da CNT patrocinar a pesquisa... ou o “Datafolha”... eu tenho curiosidade de ver porque a minha sensação, na rua, é de que mudou... pesquisa pessoal não vale... mas eu tenho essa sensação... essa gente é muito desastrada... essa gente que está aí não perdura...
É uma coisa inacreditável...
Inacreditável!
... que Temer tenha dado tanto bandeira... formou um ministério de quem votou pelo impeachment... foi uma recompensa...
Exato... sem nenhuma preocupação... o episódio do ministério da Cultura... é de uma bizarrice! Essa gente está armando esse golpe faz mais de um ano! E parece que foi pega de surpresa! Porque quando vai tentar pôr alguma coisa no lugar não tem o que pôr no lugar!
A direita já vinha preparando esse golpe há um tempo...
Opa!
Aquele Instituto Millenium martela faz tempo na cabeça dos brasileiros que é bom ser de direita... por meio dos colunistas... aliás, o papel da imprensa tem sido vergonhoso, não acha?
Eu acho que faz parte dessa coisa seletiva. Eu te confesso que eu olho para alguns companheiros e fico com aquele constrangimento da vergonha alheia. Não é possível que não esteja se dando conta do papel que está fazendo! Absoluta despreocupação com a biografia, no mínimo. E não se trata de divergência... porque eu sou um ardoroso defensor de uma direita clara no Brasil... que não se disfarce... que vá à rua... que vote... e, se ganhar, estabeleça seu programa... não tenho nenhum problema com isso... o que me incomoda muito é o disfarce! É o ser sem se assumir! É fazer o papel como se não estivesse fazendo o papel! Como se não percebesse o papel que está fazendo! É uma tristeza...
No tempo da ditadura as redações eram todas de esquerda; agora, na democracia, foram invadidas pela direita...
Mas, ô Alex... eu gosto sempre de contar essa história de alguém absolutamente insuspeito chamado Armando Nogueira... que nunca foi de esquerda... sempre foi um liberal... e que nunca negou que o papel dele durante vinte e cinco anos, como diretor do “Jornal Nacional”, portanto o mais poderoso jornalista do país, era defender os interesses da Casa. Um dia, o Alberto Dines lhe perguntou por que ele mantinha o Cid Moreira e o Sergio Chapelin como ledores de “teleprompter” em vez de dois jornalistas. E ele respondeu: “eu não faço isso porque, se eu puser você, sabendo que você é um profissional corretíssimo, que você vai se restringir a ler o ‘teleprompter’... mas, haverá uma matéria que, quando você acabar de ler, o seu olhar para a câmera dirá tanto que em cinco minutos empastelam o prédio da TV Globo. E o meu papel aqui é impedir que empastelem o prédio da TV Globo”. Esse cara, que tinha essa clareza sobre o seu papel e não disfarçava, contava que, um dia, estava na sua sala, ao fim do Jornal Nacional, entrou um amigo dele e disse: “Nossa, Armando! O dr. Roberto hoje enfiou a mão no seu jornal”! Ele falou: “Rapaz, que coisa curiosa! Faz uns dois dias que eu não falo com o dr. Roberto. Ele tá comprando cavalos pro haras dele e tá meio desaparecido. Não deu nenhum palpite no jornal”. Aí, o cara perguntou: “Ué, então por que o jornal estava do jeito que estava”? O Armando falou: “Você conhece os que são mais realistas que o rei? Tem uma porção de intérpretes da cabeça do dr. Roberto... 'o dr. Roberto, como ele gostaria que eu desse essa notícia’! E interpretam o dr. Roberto. Apesar de o dr. Roberto não ter se manifestado a respeito daquilo”. Eu acho que nós vivemos claramente esse momento. “O que será que eu posso fazer aqui para agradar o meu patrão”? Independentemente disso ser verdade ou não ser verdade.
É deprimente! Eu deixei de assinar a “Folha” por causa disso!     
Veja que lá tem o Gregório Duvivier... o Antônio Prata... o Jânio de Freitas... tem eu... o Tostão...
Eu sei, mas aquela capa me irritava tanto que eu não conseguia abrir o jornal... a “Globo News” eu também não conseguia assistir... agora estou assistindo um pouquinho...
Na televisão, te confesso, há muito tempo eu só vejo esporte... só...
Eu vejo a TV do Japão... é mais agradável que os comentários da Eliane Cantanhede, por exemplo... você acha que isso não dura?
Eu às vezes tenho muito medo de estar fazendo o jogo da Poliana comigo mesmo... mas eu acho que não dura. Eu acho que não dura e vou te dizer mais: eu cada vez mais estou achando que é capaz de o Senado surpreender, embora eu ache que, se a Dilma voltar, o que ela tem de fazer, até para mostrar quão grande ela é capaz de ser, é imediatamente convocar eleição. Eu acho que ela não deve tentar governar, porque ela não governa. Eu acho que a mesma dificuldade que o senhor Temer está encontrando para governar, por outras razões ela vai encontrar também. É preciso ter clareza sobre isso: eu sou hoje, por mais “old fashion” que isso possa parecer, francamente favorável à volta das Diretas Já! Eu quero votar para presidente.
Eu estava pensando nisso hoje...
Acho que o PT deve ao Brasil uma baita autocrítica... acho dificílimo que o PT volte de alguma maneira a representar a esquerda brasileira... acho que a esquerda brasileira precisa ser refundada... ter clareza dos erros que foram cometidos... mas acho que o governo Temer não decola. 
Eles conseguiram instaurar o caos... deveriam chegar devagarzinho... como quem tem um acordo de ficar até seis meses... eles chegaram quebrando todas as paredes! Você ficou surpreso com isso?
Eu achei que eles fossem chegar mais bem preparados. Mas nem a garganta do cara funcionava! Ele começa a tossir, a falhar a voz e teve que pedir uma pastilha! As bizarrices! Nem as coisas sérias. O símbolo que ele escolhe é da bandeira do Brasil do tempo da ditadura! O Michelzinho que escolheu... Você viu uma charge? Uma senhora humilde, pano de pó na cabeça, botando o filho contra a parede, molequinho de sete anos, de castigo dizendo: “Você só faz bagunça! Você não presta pra nada! O Michelzinho tem a tua idade e já ajuda o pai a lavar dinheiro”! É isso! Fizeram tudo errado!
Temer traiu não só a Dilma... traiu as pessoas que foram às ruas... ele não fez o que as pessoas pediram...
As pessoas não queriam o Jucá. Não queriam. Imagina o meu susto agora, toda vez que eu abro o jornal e vejo o nome... a primeira sensação é que estão falando de mim! Desagradável esse troço, rapaz!
É só uma questão de acento...
Há uma diferença... a distância entre nós é muito maior que um acento...
Quando sai manchete do Lobão eu nunca sei se é o cantor ou o ex-ministro...
Você sabe que esse Jucá... tudo se junta, velho! Esse Jucá presta um desserviço há anos ao futebol brasileiro! Ele é um dos comandantes da chamada bancada da bola. Ele é o relator da CPI do Futebol que o Romário preside. Ele para assumir o ministério antecipou o relatório dele. Fez um catatau de 300 e tantas páginas, e não pediu punição de ninguém. Faz um relatório propositivo. Uma vergonha! Você vê como tudo isso tem a ver com o 7 a 1... com o Marin estar preso em Nova York... com o Ricardo Teixeira não poder viajar... com o Marco Polo não poder viajar... é tudo a mesma curriola... Nesse particular, aí sim, eu sou absolutamente desabrido pra dizer que o que o governo Dilma, do ponto de vista da legislação, fez o esporte brasileiro progredir é uma grandeza! Muito mais do que no período do Lula, diga-se de passagem... transeiro... aquela coisa do Lula... ele acabou de braço dado com essa gente... ela não, em nenhum momento ela transigiu com essa gente...em nenhum momento ela foi condescendente com essa gente...
Por isso que ela caiu, né, Juca?
É isso.
Porque quando você tá num grupo de maconheiros e você não fuma maconha... os caras te pressionam pra fumar também... tenho impressão que o motivo principal da queda dela foi esse...
Basta ver aqueles discursos todos... quase ninguém se referia ao crime que ela teria cometido... porque ela não cometeu crime... e aí fica essa conversa de dizer “mas como pode haver um golpe”?... o Fernando Henrique disse isso no programa do Jô... não, num programa da RedeTV!, “como pode falar em golpe se taí o STF...tudo dentro de ritos... a presidente foi afastada... tudo claro... transparente... lembremos de 64... como é que foi um golpe?” Nesse particular, eu acho que o golpe, este de 2016, é pior que o de 64... porque é muito mais sofisticado... é muito mais indolor. Ele foi contaminando todos os tecidos sociais brasileiros aos poucos, de maneira tal que passasse quase imperceptível. Esse argumento “taí o STF... o ministro Lewandowski, indicado pelo governo Lula... o que mais vocês querem”? Como se isso tudo não representasse uma mesma coisa... que é a Casa Grande... que na hora do “vamo ver” se revolta contra a Senzala... e aí nego diz “mas vocês estão inventando o ‘nós contra eles’”! Como se foi o governo Dilma que inventou a luta de classes! Querem revogar a luta de classes por decreto! Não existe mais isso. Existe o ganha-ganha. É uma brincadeira, Alex! É uma brincadeira com a inteligência das pessoas! Daí eu dizer pra você: eu prefiro a clareza do Roberto Campos dizendo as coisas que dizia, sem disfarce, a esses disfarces! Porque aí fica difícil você discutir. É porque é desonesto intelectualmente você não assumir exatamente aquilo que você quer, aquilo que você é.
A direita de 64 era uma direita culta. Não era Eduardo Cunha.
Eu vou te dizer uma coisa, ô Alex! Você pode estranhar... mil vezes o Eurico Miranda ao Andres Sanchez! Nesse sentido: o Eurico Miranda diz aquilo que ele é o tempo todo. O Eurico Miranda é capaz de dizer pra você: “ô, meu, esse negócio de ética já era”! O Andres Sanchez  disfarça. E quer as mesmas coisas que o Eurico Miranda.
O que ele faz na Câmara dos Deputados?
Não faz nada... se mete lá com projetos como “O dia do Corinthians”... é uma bobagem... esses caras serviram muito para desmoralizar a imagem do PT. Que é o baixo clero, absolutamente ignorante e que taí pra se arrumar.
E o Lula entrou nessa, virou amigo do Andres.
Essa é a coisa do Lula... o Lula transeiro... o Lula articulador... Lulinha paz e amor...
Quando o Duda entrou na história do Lula foi um divisor de águas...
Eu digo sempre e sei que essa não é a postura de um político, eu não sou político, não quero ser, jamais serei... mas eu durmo muito mais tranquilo com a frase do Darcy Ribeiro: “eu me orgulho das minhas derrotas, teria vergonha dessas vitorias que essa gente tá tendo”. Se eu tivesse essas vitórias não seria capaz de olhar para mim mesmo.
Eu não sei como é que o Serra...
A despreocupação com a biografia! É você pensar o seguinte: seu José Serra, que foi exilado em Santiago...que foi exilado na Europa... um dia ele chega em Paris, tem uma manifestação e ele chama a polícia francesa para acabar com a manifestação! Será que ele não para pra pensar simbolicamente no que ele está fazendo? “Meu Deus do Céu! O que é que aconteceu nesses últimos cinquenta anos que eu mudei tanto! O que que houve”? O Aloysio Nunes Ferreira! O que mudou? Do cara que era da ALN, do cara que era do Partidão e que de repente diz que quer ver a Dilma sangrar! “Quero ver essa mulher sangrar”! Vai ser líder de governo do Temer! Bom, mas ele já foi vice-governador do Quércia... ou do Fleury, já não sei mais... nenhuma preocupação com a biografia!
Ele é o maior pitbull do Senado! Mais pitbull que o Ronaldo Caiado!
Sabe o que me parece? Aí sim, aquela coisa da luta fratricida... perde inteiramente os seus limites... o PSDB e o PT eram mais ou menos duas faces da mesma moeda... enquanto o PSDB estava no poder havia no PT quem quisesse o impeachment do Fernando Henrique... aí, o PT ganhou... ganhou, foi mais competente que o PSDB... o Brasil passou a ter um outro papel no mundo... Lula passou a ganhar títulos de ‘honoris causa’ nas universidades do mundo afora... e foi despertando ciúmes... por que eles e não eu? Por que eles e não eu? E aí vira a história de Abel e Caim! Vira isso! Eu fico pensando: será que o Serra não é capaz de olhar para si mesmo e dizer: “meu Deus do Céu, o meu obituário não vai ser aquele que eu imaginava que seria”! Não é que é proibido mudar de opinião! Não é que é proibido mudar de posição! Não é que é proibido evoluir! Tudo bem! Mas tem limite! Chamar polícia para impedir manifestação em Paris?! Que era simbolicamente a capital dos exilados brasileiros?! Meu! Eu fico transtornado! Se acontecesse comigo! Se eu estivesse fazendo esse papel na imprensa! “Mas o que que é? O que que aconteceu com o Juca?! Tão pagando pro Juca? Que conversa é essa”???
E grana é o que não falta pra ele...
No mínimo, a filha dele sustenta...
Não é grana, é poder... mas presidente ele nunca vai ser, pode tirar o cavalinho da chuva.
Essa crise toda trouxe alguns benefícios: o Aécio tá fuzilado... não pode nem ir à Avenida Paulista... não é que não pode ir em São Bernardo do Campo... não pode ir ao reduto que seria dele... ao Leblon! Ao Arpoador! Não pode! “Você não! Você não nos engana”!
O Romário, que você deve conhecer... você acha que vai mudar o voto dele?
Eu me limitaria, sobre esse senador da República, a lhe dizer o seguinte: poucas pessoas eu conheço com o senso de oportunidade que tem o Romário... ele sempre fez o gol certo, na hora certa, a favor do Brasil... não o vejo marcando gol contra.
Mas será que o partido dele vai deixar?
Mas você imagina que esse partido tem a coragem de expulsar alguém como ele?"



(De Juca Kfouri, jornalista, maior colunista esportivo do Brasil, entrevista concedida a Alex Solnik, do portal Brasil 247 - aqui).

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