domingo, 19 de abril de 2015

VOLTANDO À OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS


"A famosa operação Mãos Limpas, desencadeada em 1992 por Procuradores da Itália, é o modelo que fascina colegas pelo mundo afora. A Mãos Limpas prendeu 2.993 pessoas, investigou mais de 6.000, durou 4 anos; o eixo era a delação: um delatava 5, 5 delatavam 10 e o processo gerava uma multiplicação geométrica de réus, delatados pelos réus anteriores.

A operação investigou 872 empresários, 438 parlamentares e 4 Primeiro Ministros, liquidou com os QUATRO MAIORES partidos políticos do Pais - a Democracia Cristã, o Socialista, o Social Democrata e o Liberal -, deixando livres o partido fascista, Movimento Social Italiano e o Partido República. Provocou vários suicídios, inclusive do presidente da ENI, petroleira estatal que era o centro da economia italiana, Gabriele Caggliari e de um dos maiores empresários da Itália, Raul Gardini. Quase prendem o maior politico italiano do pós guerra , o lendário Giulio Andreotti, nove vezes Primeiro Ministro.

O eixo central da operação Mãos Limpas foi o "espetáculo de mídia",  de tal ordem que os "donos da força-tarefa" tentaram passar ao mundo a ideia que foram eles que acabaram com a Máfia, quando esse processo é muito anterior e foi executado por outros personagens, os juízes Paolo Borsalino e Giovanni Falcone, 10 anos antes da Mãos Limpas.

Os resultados políticos ao final da Operação foram DESASTROSOS. A destruição do sistema político criado no pós-guerra, a partir da aliança do movimento político de Alcide de Gasperi com o Vaticano, responsável pela extraordinária e rápida recuperação da economia produtiva italiana, que se tornou a 5ª economia do mundo, abriu um vácuo de poder que quase leva ao esfacelamento da República , com o Norte (Lega Lombarda) tentando se separar do Sul, o que não conseguiu por pouco. O vazio de poder causado pela liquidação dos partidos políticos tradicionais abriu espaço para aventureiros fora do sistema político, muito piores que os tradicionais políticos.

Foi a partir da pista livre de políticos de tradição que surgiu um predador da pior espécie, Silvio Berlusconi, ex-cantor de navio e milionário da TV, que ficou no poder de 1994 a 2011, um finório, depravado e mais corrupto do que os antigos políticos e que só venceu pela falta de adversários, todos eles presos, mortos ou exilados pela Mãos Limpas.

Nesse sentido a Mãos Limpas foi um monumental fracasso, o espetáculo de combate à corrupção não acabou com a corrupção, apenas criou uma corrupção nova, com outros personagens mais rapinantes do que os antigos.

Na economia, a Mãos Limpas levou a Itália à crise  permanente, que dura até hoje, o outrora pujante e criativo meio empresarial italiano entrou em decadência porque grandes empresários foram aniquilados - o caso Gardini, que cometeu suicídio, é o mais impressionante -, a economia ficou medíocre e sem dinamismo, traumatizada por centenas de empresários presos ou falidos, acabou a "Dolce Vita" dos brilhantes anos 60 e 70, da esfuziante prosperidade da Via Veneto.

A Itália sempre viveu na realidade de uma certa corrupção política; desde os tempos dos Médici em Florença, no Século XV, nunca foi um país de políticos austeros; bateção de carteira foi inventada em Nápoles, a propina é uma invenção italiana e faz parte de sua cultura, como em certo país tropical; para exorcizá-la criaram a purificação dos cemitérios.

O problema com as cruzadas moralistas é bem simples: santarrões burros e medíocres muitas vezes custam mais caro ao país do que malandros inteligente e criativos. Na construção das grandes economias há mais barões ladrões do que abades mendicantes. É bom prestar atenção nas lições da História para não trocar seis por menos três."





(De Motta Araújo, no Jornal GGN, post intitulado "O desastre político e econômico da Operação M
ãos Limpas" -  aqui).

Nenhum comentário: