sábado, 18 de abril de 2015
DA SÉRIE OS SUPREMOCRÁTICOS
Sem cerimônia
Por Oscar Vilhena Vieira, na Folha
O Ministro Gilmar Mendes, em palestra no Instituto Legislativo Brasileiro nesta semana, disse que o Supremo não é o fórum adequado para discutir o modelo de financiamento das campanhas eleitorais: "Isso não é competência do Supremo, é do Congresso".
Até aqui tudo bem. É uma opinião sensata. Ao decidir sobre diversos pontos da reforma política nos últimos anos, o Supremo mais atrapalhou do que ajudou.
Em particular, sua decisão de impedir a criação de uma cláusula de desempenho, voltada a restringir o acesso das legendas pouco representativas aos recursos do Fundo Partidário e ao horário gratuito em rádio e televisão, contribuiu, em muito, para a manutenção de um sistema partidário com alto grau de fragmentação e promiscuidade.
A deferência ao Legislativo teria sido mais prudente, pois aqui não se trata de proteção de direitos em sentido estrito, mas da reconfiguração de um sistema eleitoral que há muito tem dado demonstração de mau funcionamento.
No caso do modelo de financiamento de campanha submetido ao Supremo, no entanto, já havia um processo em julgamento. O ministro Gilmar Mendes pediu vistas quando o placar já se encontrava em 6 a 1 a favor do modelo de financiamento exclusivamente público das campanhas. Ao ministro caberia aduzir seu voto. Se necessitasse de mais informação ou mais tempo de reflexão, tinha a faculdade de pedir vistas. O que fez.
O problema é que passado um ano ainda não devolveu o processo ao Supremo e apresentou seu voto.
Questionado sobre a demora, explicou que o pedido de vista seria um ato de coragem, comparando à concessão de um habeas corpus contrário ao clamor público.
O que fica implícito na fala do ministro é que o pedido de vistas não está sendo empregado para atender aos objetivos legais para os quais foi concebido, senão para empacar o processo. Logo, não é um ato de coragem.
Como demonstraram meus colegas Ivar Hartmann e Diego Werneck, em preciso artigo nesta Folha na última quarta (15), a prática de pedir vistas para manipular a agenda do Supremo tem se tornado algo mais comum do que se imagina. Permitindo, assim, que apenas um ministro tenha capacidade de sentar em cima de um processo, estabelecendo um veto de fato sobre o seu desfecho.
Se somarmos a isso um outro problema antigo no Supremo, que deriva do fato de que cerca de 90% de suas decisões são tomadas monocraticamente, somos obrigados a concluir que a natureza de tribunal, onde as decisões deveriam ser tomadas de forma colegiada, vem se desfazendo.
Há hoje um esforço interno por parte de alguns ministros do Supremo de reordenar a pauta do Tribunal, de forma a torná-la menos discricionária e monocrática. Paralelamente a esse esforço, o próprio Supremo precisa chegar à conclusão de que é necessário transferir a outras esferas do Judiciário múltiplas atribuições que lhe foram indevidamente conferidas pela Constituição de 1988. Isso tem levado nossa Suprema Corte a exercer um papel supremocrático e a seus magistrados a eventualmente se sentirem super-juízes.
A autoridade dos tribunais, que não deriva do voto, exige certa cerimônia, composta de colegialidade, rigor, imparcialidade e transparência. (Fonte: aqui).
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O ministro alega que a retenção do processo decorre do fato de que, no entender dele, o assunto em apreciação deveria ser tratado pelo Congresso. Uma vez que SETE ministros já haviam votado, o que permite concluir que julgaram o STF a instância competente, é lícito indagar: é razoável que uma opinião contrária se sobreponha a sete outras? O STF pode até "exercer um papel supremocrático", mas a prática demonstra, com folga, que um ministro, querendo, domina supremocraticamente o STF.
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