sexta-feira, 17 de abril de 2015
SOBRE O MORIBUNDO JORNALISMO TRADICIONAL
Demissão em massa de jornalistas, silêncio dos governos e Comunicação em frangalhos
Por Fábio Lau
O jornalismo já esteve na UTI. Hoje, recebe a extrema unção. Há quem diga por aí que a atividade está se renovando, reinventando. É possível. Mas o que se inventa e reinventa, na prática, está muito distante do jornalismo castiço ao qual os jornalistas de hoje, aqueles que têm mais de 35 anos, entendem como atividade profissional capaz de sustentar uma família.
Projetos na internet, como blogs, sites e outras ferramentas agrupadas em rádio e vídeo, eventualmente conseguem sobreviver com seus próprios recursos. Patrocínios, publicidade do Google, assinaturas e outros serviços. Mas não são muitos. Aliás, bem poucos.
O mercado tradicional do jornalismo encolhe e já vê o padre diante de si a ministrar o ritual voltado aos que estão à beira do desencarne. Globo, Estadão, Folha e Editora Abril, carros-chefes deste negócio chamado Comunicação há décadas, demitiram quase mil profissionais só este ano. E não se sabe se a redução da folha salarial foi o suficiente. Se de fato as dispensas atenderam a uma necessidade de reorganização orçamentária... jamais saberemos. Mas, na prática, os jornalistas foram dispensados. E o mercado à sua volta é assustador.
Se há um meio possível de se criar modelo de Comunicação capaz de absorver a mão de obra altamente qualificada jogada às ruas, este modelo tem que passar necessariamente pelos poderes legislativo e executivo - em todos os âmbitos (federal, estaduais e municipais). A publicidade governamental voltada para a velha mídia, nos últimos dez anos, bateu R$ 5 bilhões, segundo estudos recentes. Só a Rede Globo recebe em média R$ 500 milhões/ano. São cinco grandes grupos, e mais uma dezena de empresas, a abiscoitar o bolo. E a enxugar a máquina.
Não é errado imaginar que a folha salarial das empresas, somadas, com todos os custos e onerações trabalhistas, não representem 2% deste volume (R$ 100 milhões). Então, pelo que podemos compreender, as empresas que recebem verba oficial para publicidade, aumentando assim seus recursos, usam a verba para ampliar seu negócio, enriquecer os patrões e diretores com premiações e, num último momento, demitir e indenizar. A tônica é não deixar ocorrer a redução do lucro - o que, nesta contabilidade, representaria "prejuízo".
Qualquer atividade profissional produtiva, quando ameaçada na sua sobrevivência, causa clamor público e reação social - motivada, claro, pelos veículos de Comunicação. Professores, arquitetos, produtores e até cobradores de ônibus. No caso dos jornalistas, afora a divulgação por redes sociais ou sites independentes, as demissões são mantidas em segredo. É o lado vergonhoso que os empresários não querem ver divulgado por receio de que o enxugamento revele incompetência ou sovinice.
Entretanto, para espanto de quem assiste de perto o fim de uma atividade profissional como a do Jornalista, não há mobilização nem mesmo da própria categoria para tentar reagir e sobreviver. Ao contrário: os que nela permanecem seguem para o abatedouro de forma reverente, educada e silenciosa, de modo que se cumpra o destino... Sem escândalo.
Recentemente, o Sindicato do Rio, ao convocar os profissionais para uma reação e ação de preservação do emprego, foi solenemente ignorado. E muitos que deixaram de atender à convocação se viram lá para cumprir o rito da demissão. Preferiram o sindicato no percurso do apocalipse pessoal.
Quando jornalistas morrem, e têm morrido a uma velocidade surpreendente nos últimos anos, há uma legítima comoção a tomar redes sociais e cerimônias de sepultamento. Mas, na prática e subjetivamente, a morte do jornalista se dá muito antes da parada cardíaca ou morte cerebral. Ao ser banido da sua atividade, e em geral isso ocorre quando ainda vive seu pleno vigor físico e intelectual, o jornalista experimenta o princípio de morte.
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Seus textos, antes elogiados, já não são curtidos, lidos ou compartilhados. Seu celular se torna objeto obsoleto e os amigos se afastam porque, afinal, o desgarrado não sabe das últimas das redações. O quadro, trágico e nostálgico, é dito e repetido por "coleguinhas" que convivem com este missiva. E, o que é mais cruel, não tarda e meus confidentes recebem a companhia dos que há pouco lhe abandonaram. É a roldana do "moinho de gastar gente", de Darcy Ribeiro.
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O sacode a poeira depende de quem está fora, de quem já superou a ausência do mercado, mas principalmente de quem ainda está dentro dele. Ao prestigiar iniciativas independentes, o jornalista estará dando um recado aos futuros algozes e também patrões de que há vida após a morte imaginada. A estes patrões e chefes que os veem como potencialmente dispensáveis.
Mas enquanto ele duvidar da capacidade de sobrevivência e inventividade da própria categoria, não conseguir se imaginar fora do mercado tradicional, boicotar e se mostrar indiferente às novas iniciativas, o jornalista estará se postando ao lado dos lobos. Dos lobos do homem. (Fonte: aqui).
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Por onde anda o jornalismo investigativo? O que foi feito da isenção? Cadê a originalidade? Como, diante disso, o jornalismo tradicional conseguiria prosperar, manter-se necessário, eficaz, competitivo, atraente ao leitor? E tudo isso, como se tudo isso não bastasse, num mundo em que a cada dia se alastra um 'Leviatã' chamado internet... (A imprensa tradicional passou décadas e décadas servindo o 'pão quentinho' das notícias - ou o que se concebia como 'pão quentinho' -; até o dia em que pintou um novo fornecedor, mais ágil, mais cômodo, mais diversificado, enfim, a implacável internet!).
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