A mídia e a Justiça contaminada
Por Luciano Martins Costa
Na quarta-feira (18/9), dia marcado para o desempate no julgamento da
admissibilidade de recurso na Ação Penal 470, os jornais fazem um esforço
derradeiro para impor sua tese: se o decano do Supremo Tribunal Federal,
ministro Celso de Mello, votar a favor dos embargos, o Brasil terá caminhado
para trás.
Essa á a mensagem que os diários oferecem a seus leitores, sem qualquer sutileza.
O esforço da imprensa para constranger o autor do voto decisivo não tem limites: o Globo chega a publicar, em sua página de opinião, um artigo do ministro Marco Aurélio Mello que, além de ser uma reiteração inapropriada de voto, insinua que, se rejeitar a hipótese do recurso, Celso de Mello estará prenunciando “novos tempos” na Justiça brasileira. Fica implícito, então, que o posicionamento contrário, ou seja, em favor da aceitação dos embargos, representaria a condenação do Judiciário a permanecer no limbo da História.
Afora o evidente mau gosto e demonstração de duvidosa ética que significa utilizar um meio de comunicação de massa para expor à execração pública outro ministro – o mais experiente da Corte –, Marco Aurélio Mello atropela os mais rudimentares princípios de isonomia entre os julgadores, ao se valer da imprensa para tentar impor sua opinião particular.
Mas isso é apenas parte da campanha que tenta transformar o Supremo Tribunal Federal em sucursal das redações de jornais. Em seu artigo no Globo, o ministro Marco Aurélio Mello levanta a hipótese de que, admitidos os embargos, a nova composição do tribunal possa produzir uma reviravolta no julgamento. Caso os novos integrantes do Supremo venham a se somar aos quatro ministros que foram vencidos nas sessões anteriores, “a condenação poderá ser transformada em absolvição, dando-se o dito pelo não dito, para a perplexidade geral”, diz o texto.
O que será que o ministro articulista quereria dizer com “perplexidade geral”? Pode-se entender que ele considera que a sociedade brasileira, de modo geral, estaria ansiosa pela condenação exemplar dos acusados, em pacote, como um ato de desagravo da Justiça por todos os julgamentos anteriores que produziram apenas impunidade, inclusive as liminares que concederam a liberdade a criminosos confessos.
O Direito e a política
Ora, pode-se afirmar, com base no senso comum, que a sociedade brasileira anseia por sinais de que o Judiciário é capaz de fazer Justiça, mas não há registro de uma opinião pública esmagadoramente coincidente, no caso da Ação Penal 470. Além disso, deve-se levar em conta que, desde 2005, ainda antes dos indiciamentos, a imprensa, quase unânime, vem fazendo a campanha pela condenação dos acusados, o que certamente teria influenciado a predominância de tal opinião.
Acontece que não é assim: o que o noticiário mais tem produzido sobre o assunto é desinformação.
Na edição de quarta-feira (18), a Folha de S. Paulo traz o resultado de uma pesquisa tão apressada quanto confusa, com 719 moradores de São Paulo, para afirmar que 55% dos paulistanos são contra um novo julgamento, mas 79% querem a prisão imediata dos condenados. O resultado da consulta é tão pateticamente impreciso que o próprio jornal se vê na obrigação de publicar, ao lado dos números, um texto do diretor-geral do Instituto Datafolha, no qual ele afirma que metade dos entrevistados não tinha conhecimento suficiente sobre o assunto que era objeto da pesquisa.
Ainda assim, o resultado virou manchete do jornal.
O texto que tenta validar o levantamento observa que há uma nítida divisão de opiniões de acordo com as idades, níveis de escolaridade e de renda, com os mais ricos e educados se colocando contra os recursos. “É claro que não se pode projetar sobre toda a população a posição de um subconjunto de peso quantitativo tão residual”, admite o diretor do Datafolha.
Em outras palavras, pode-se afirmar que a conclusão da pesquisa é definida por prováveis leitores do jornal, ou seja, a pesquisa completa um círculo que começa na própria Redação, embora a Folha tenha afirmado por meio de editorial, no dia 11/09, que é contra a pena de prisão dos acusados no chamado caso “mensalão” (ver aqui).
Tal posicionamento parece contrariar a tendência do noticiário e da maioria dos artigos hospedados pela Folha e os outros jornais, mas isso é apenas um aspecto da esquizofrenia que ataca a mídia: o resultado mais concreto da pesquisa Datafolha diz que a maior parte dos paulistanos considera ruim ou péssimo o desempenho do STF no episódio.
Portanto, o que faz mal ao Judiciário não é esta ou aquela decisão dos ministros: é a mistura entre Direito e política, promovida pela imprensa, que contamina a instituição da Justiça. (Fonte: aqui).
................
Sobre a atitude (e o artigo em O Globo) do ministro Marco Aurélio, leia aqui.
Essa á a mensagem que os diários oferecem a seus leitores, sem qualquer sutileza.
O esforço da imprensa para constranger o autor do voto decisivo não tem limites: o Globo chega a publicar, em sua página de opinião, um artigo do ministro Marco Aurélio Mello que, além de ser uma reiteração inapropriada de voto, insinua que, se rejeitar a hipótese do recurso, Celso de Mello estará prenunciando “novos tempos” na Justiça brasileira. Fica implícito, então, que o posicionamento contrário, ou seja, em favor da aceitação dos embargos, representaria a condenação do Judiciário a permanecer no limbo da História.
Afora o evidente mau gosto e demonstração de duvidosa ética que significa utilizar um meio de comunicação de massa para expor à execração pública outro ministro – o mais experiente da Corte –, Marco Aurélio Mello atropela os mais rudimentares princípios de isonomia entre os julgadores, ao se valer da imprensa para tentar impor sua opinião particular.
Mas isso é apenas parte da campanha que tenta transformar o Supremo Tribunal Federal em sucursal das redações de jornais. Em seu artigo no Globo, o ministro Marco Aurélio Mello levanta a hipótese de que, admitidos os embargos, a nova composição do tribunal possa produzir uma reviravolta no julgamento. Caso os novos integrantes do Supremo venham a se somar aos quatro ministros que foram vencidos nas sessões anteriores, “a condenação poderá ser transformada em absolvição, dando-se o dito pelo não dito, para a perplexidade geral”, diz o texto.
O que será que o ministro articulista quereria dizer com “perplexidade geral”? Pode-se entender que ele considera que a sociedade brasileira, de modo geral, estaria ansiosa pela condenação exemplar dos acusados, em pacote, como um ato de desagravo da Justiça por todos os julgamentos anteriores que produziram apenas impunidade, inclusive as liminares que concederam a liberdade a criminosos confessos.
O Direito e a política
Ora, pode-se afirmar, com base no senso comum, que a sociedade brasileira anseia por sinais de que o Judiciário é capaz de fazer Justiça, mas não há registro de uma opinião pública esmagadoramente coincidente, no caso da Ação Penal 470. Além disso, deve-se levar em conta que, desde 2005, ainda antes dos indiciamentos, a imprensa, quase unânime, vem fazendo a campanha pela condenação dos acusados, o que certamente teria influenciado a predominância de tal opinião.
Acontece que não é assim: o que o noticiário mais tem produzido sobre o assunto é desinformação.
Na edição de quarta-feira (18), a Folha de S. Paulo traz o resultado de uma pesquisa tão apressada quanto confusa, com 719 moradores de São Paulo, para afirmar que 55% dos paulistanos são contra um novo julgamento, mas 79% querem a prisão imediata dos condenados. O resultado da consulta é tão pateticamente impreciso que o próprio jornal se vê na obrigação de publicar, ao lado dos números, um texto do diretor-geral do Instituto Datafolha, no qual ele afirma que metade dos entrevistados não tinha conhecimento suficiente sobre o assunto que era objeto da pesquisa.
Ainda assim, o resultado virou manchete do jornal.
O texto que tenta validar o levantamento observa que há uma nítida divisão de opiniões de acordo com as idades, níveis de escolaridade e de renda, com os mais ricos e educados se colocando contra os recursos. “É claro que não se pode projetar sobre toda a população a posição de um subconjunto de peso quantitativo tão residual”, admite o diretor do Datafolha.
Em outras palavras, pode-se afirmar que a conclusão da pesquisa é definida por prováveis leitores do jornal, ou seja, a pesquisa completa um círculo que começa na própria Redação, embora a Folha tenha afirmado por meio de editorial, no dia 11/09, que é contra a pena de prisão dos acusados no chamado caso “mensalão” (ver aqui).
Tal posicionamento parece contrariar a tendência do noticiário e da maioria dos artigos hospedados pela Folha e os outros jornais, mas isso é apenas um aspecto da esquizofrenia que ataca a mídia: o resultado mais concreto da pesquisa Datafolha diz que a maior parte dos paulistanos considera ruim ou péssimo o desempenho do STF no episódio.
Portanto, o que faz mal ao Judiciário não é esta ou aquela decisão dos ministros: é a mistura entre Direito e política, promovida pela imprensa, que contamina a instituição da Justiça. (Fonte: aqui).
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Sobre a atitude (e o artigo em O Globo) do ministro Marco Aurélio, leia aqui.
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