Nikola Tesla e a paranoia do detetive em "The American Side"
Por Wilson Ferreira
Era uma vez o detetive, o herói da modernidade, com sua mente privilegiada e infalibilidade. Esse personagem surgiu na literatura no século XIX onde imperava a ciência e a crença da racionalidade do mundo. Com seu raciocínio dedutivo implacável ultrapassava o véu das aparências e revelava a verdade por trás dos enigmas, crimes e sombras. Sherlock Holmes de Conan Doyle foi o representante dessa era.
Hoje, as ilusões e a desconfiança continuam, mas a fé na dedução e na racionalidade se perderam. O detetive de Doyle foi substituído pela figura do detetive particular barato, desiludido e alcoólatra que a tradição do film noir criou. Sem método, esse detetive tenta resolver enigmas e mistérios com a intuição e experiência.
Mas esses mistérios tornaram-se ainda mais espessos. Na verdade, tornaram-se verdadeiras conspirações onde o detetive descobre que por trás de pequenos escroques, assassinos e chantagistas escondem-se sociedades secretas, corporações e confrarias sem rostos. Diante desses demiurgos o raciocínio dedutivo não mais funciona: a própria razão faz parte da ilusão. O que torna todos nós detetives, porque a existência inteira é uma conspiração de alguém que não nos ama.
O filme The American Side revisita esse verdadeiro arquétipo contemporâneo do detetive cruzando com uma das maiores teorias conspiratórias do século XX: o destino dos cadernos de anotações perdidos do subestimado inventor e físico sérvio Nikola Tesla.
Assim como o detetive noir, Tesla acreditava muito mais na intuição do que na ciência ortodoxa e pagou um preço caro por isso: foi destruído pelos seus financiadores norte-americanos Westinghouse e JP Morgan, quando estes se sentiram enganados ao descobrirem que Tesla usava o dinheiro para pesquisar a energia livre e sem fios através da atmosfera – um contrassenso aos interesses econômicos monopolistas.
Tesla morreu em 1943 solitário em um quarto de hotel em Nova York, financeiramente quebrado e na companhia de um bando de pássaros. Seu precioso caderno de anotações com apontamentos e diagramas teria sido confiscado pela inteligência militar americana. Subprodutos das suas descobertas, em torno de 700 patentes, estariam espalhados por todos os lados, do rádio e TV, passando pela Corrente Alternada que conduz energia elétrica a distâncias, até chegar a componentes de computadores. Tesla inventou o século XX – mais sobre ele clique aqui.
Mas a principal invenção estaria cercada de mistérios: o chamado “raio da morte”, imortalizado pela literatura pulp fiction scy fi ao longo de décadas. Tesla acreditava que se ambos os lados tivessem a arma seria criado um impasse estratégico e, por fim, a paz mundial. Porém, DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), CIA e o complexo militar norte-americano conspiram para tornar a arma unicamente propriedade do lado americano.
Essa é a ambiguidade do título do filme: refere-se ao lado americano das cataratas do Niágara onde um dos personagens se matou; mas também é o esforço de uma conspiração governamental para que a grande invenção de Tesla fique do lado dos EUA. E o detetive anti-herói de The American Side, sem querer, mergulha nessa trama sinistra onde só pode contar com sua intuição.
O Filme
Escrito pelo ator principal Greg Sthur e dirigido por Jenna Ricker, é uma aventura com diversas referências que vão do film noir ao suspense de Hitchcock, cheio de personagens obscuros e que fazem a delícia dos cinéfilos. A narrativa gira em torno do caderno de anotações perdidos de Tesla, procurado por luminares da ciência, FBI, CIA, DARPA e até por agentes da terra natal do inventor, a Sérvia.
O detetive particular Charlie Paczynski (Sthur) nunca sequer ouviu falar de Tesla e nem tem qualquer interesse em aprender. É um detetive barato que fuma um cigarro atrás do outro enquanto investiga casos de traição conjugal reunindo provas por meio de fotos.
Mas em um dos casos a coisa foi mais longe do que imaginava. Ao tirar as fotos de um dos investigados, Tom Soberin, em um encontro amoroso em um carro sob o neón de uma roda gigante de um parque de diversões, tudo acaba terminando abruptamente com um tiro matando a companheira. O que Charlie não sabia é que Soberin não era apenas um velho mulherengo. Era um engenheiro mecânico que trabalhava para a empresa Chase and Whitmore em um projeto secreto.
Ao investigar o assassinato da amante de Soberin, Charlie cai em uma teia de espionagem internacional. Todos estão à procura de uma página perdida do caderno de Tesla, com projetos e diagramas de uma invenção capaz de mudar a geopolítica mundial – o “raio da morte”.
Durante todo o resto do filme acompanhamos uma trama complexa, e algumas vezes confusa: um professor que supostamente se matou nas cataratas do Niágara se jogando dentro de um barril (no “lado americano” das cataratas); uma engenheira sexy e brilhante chamada Nikki, uma agente do FBI que pode não ser quem diz ser; um rico vilão psicótico interpretado por Matthew Broderick que parece querer dominar o mundo com as invenções de Tesla e sua irmã Emily que faz o jogo da donzela em perigo, mas com alguma espécie de plano de revelar o projeto da energia livre e ilimitada do inventor Tesla. E uma galeria de outros personagens suspeitos que apenas servem de pistas falsas tanto para o detetive quanto para o espectador.
Charlie é paranoico, somente se comunica através de telefones públicos e tem uma atração pelo lado underground ou “perdedor” da sociedade. Quando no filme o comparam a Philip Marlowe, famoso personagem dos filmes noir interpretado por Humphrey Bogart, Charlie é seco – “prefiro Mike Hammer”, menos conhecido detetive de histórias em quadrinhos dos anos 1950.
O Detetive pós-moderno
Ao contrário do detetive clássico que fundou a modernidade, o detetive pós-moderno vive no submundo. Seus informantes são dançarinas e cantoras de boates, investigadores da polícia que vivem na fronteira com a ilegalidade. As cenas pontuais do filme são perseguições em estruturas industriais abandonadas ou à beira de abismos que despencam nas cataratas do Niágara.
É a vida por um fio em um mundo em ruínas. Em ruínas porque as aparências e as ilusões são destruídas pelo detetive, mas não através de um método dedutivo. Mas sempre por meio de coincidências, golpes. O detetive conta com o aleatório, o acaso.
O detetive pós-moderno, mais paranoico e menos racional, funda-se nas experiências marcantes do pós-guerra: as experiências das bombas atômicas em Nevada, o incidente da queda de um suposto disco voador em Roswell, EUA, no auge dos avistamentos de OVNIS, na cultura pop nos anos 1950. Aliens? Área 51? Experiências secretas do Governo? O Governo é dominado por aliens ou sociedades secretas? Ou é tudo a mesma coisa?
Do pós-moderno ao gnóstico
As linhas de diálogo de The American Side chegam a citar o famigerado Bohemian Grove, clube exclusivo da elite mundial localizado na Califórnia onde, entre outras coisas, teria sido decidido o ataque nuclear ao Japão no final da Segunda Guerra Mundial. Tudo em meio a estranhos rituais de culto aos pés de uma gigantesca estátua de pedra na forma de coruja que remontaria à adoração a uma entidade luciferiana babilônica chamada Moloch – sobre isso clique aqui.
Embora muito carregado e caricato, o detetive Charlie aproxima-se do personagem gnóstico do Detetive, aquele cuja desconfiança radical diante da consistência (ou racionalidade) da realidade conduz ao estado alterado de consciência da paranoia: nessa verdadeira falha da razão, o personagem se abre para a descoberta de conexões impossíveis de serem descobertas por um método lógico.
Quando descobrimos os verdadeiros demiurgos por trás da aparente banalidade e realismo do dia-a-dia (os gigantescos interesses de corporações, governos e confrarias) tememos ter o mesmo destino do físico e inventor Nikola Tesla. E nesse instante tomamos consciência de que as “coincidências” e “acasos” fazem a realidade superar a ficção. (Fonte: Cinegnose - AQUI).
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