A polêmica
Por Jânio de Freitas (Da Folha de São Paulo)
A confusão sobre o que de fato diz a perícia encomendada pela comissão do impeachment, no Senado, impediu a constatação de duas decorrências dessa investigação dos discutidos atos de Dilma Rousseff. Uma: a situação política anormal vai se prolongar muito além da votação, prevista para final de agosto, de aprovação ou recusa do impeachment. Outra: a perícia fortaleceu muito as possibilidades de Dilma se precisar recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
A aprovação do impeachment levará a confrontação para um processo judicial que, por certo, demandará tempo para a investigação e análise, pelos ministros, dos fatos desde o seu início. Defensor de Dilma, José Eduardo Cardozo já disse que recorrerá ao STF. A derrota do impeachment, além de possível recurso judicial dos vencidos, deverá levar a iniciativas políticas de Dilma para uma consulta popular, com eleição presidencial ou com plebiscito.
A perícia, como investigação e depois como exposição textual, não tem responsabilidade pela confusão que motivou. Os pró-impeachment forçaram uma interpretação, relativa a decretos de créditos suplementares, para compensarem a negação pericial das tais "pedaladas". Neste tema, o noticiário seguiu a perícia. Sobre os decretos, adotou a linha criada pelos pró-impeachment. E assim a perícia ficou vista como causa de polêmica.
O item dois da parte sobre os decretos discutidos os reduz à metade dos seis apontados pela acusação. Mais importante, fica claro que nenhum dos pareceres técnicos, sobre a medida governamental, adverte ou sequer menciona que os decretos poderiam afetar a tão falada meta fiscal, o resultado pretendido nas contas anuais do governo. Para a defesa, consolida-se assim o argumento de que não houve ação dolosa de Dilma e, portanto, não há o crime de responsabilidade. Os pareceres deram por aceitos os procedimentos adotados nos governos Fernando Henrique e Lula, e não reprovados pelo Tribunal de Contas da União.
O item 12 sobre as "pedaladas", referentes às subvenções do Plano Safra, afirma que não há prazo explícito para o seu pagamento. O que dá à defesa, portanto, o argumento de que não houve a alegada operação de crédito, nem atraso de pagamento. Além disso, a gestão do Plano Safra é feita, por lei, pelo Ministério da Fazenda, com outros ministérios. Como não houve ato presidencial, não houve crime de responsabilidade.
A primeira reação saída do Planalto, ao ser conhecido o teor da perícia, foi este: "Isso não interessa, porque o processo de impeachment é político". Mas se não for também jurídico, não há como lhe dar, nem por artimanhas e aparências, alguma base legal. Foi o que faltou a todas as derrubadas de presidentes pelos militares, caracterizadas como golpes, e nada mais.
Foi também por sua implicação jurídica, mesmo sendo técnica e não opinativa nas suas 223 páginas, que a perícia encomendada pela comissão do impeachment surpreendeu a maioria pró-impeachment da própria comissão. É um componente novo da confrontação, de importância considerável onde vale, para a maioria dos onze magistrados, apenas a face jurídica do confronto. A face política morre no Senado. Ou, se não, vai para as ruas.
OS ENTURMADOS
Ativistas da nova (i)moralidade, deputados do PSDB juntam-se, sob orientação de Aécio Neves, a Michel Temer para escolher um futuro presidente da Câmara aprovável por Eduardo Cunha. Ou seja, que ajude a salvá-lo.
RACHA
Nos próximos dias estará evidente que o controle do Congresso por Michel Temer não é o que se lê e ouve. No Senado prolifera a reação à farsa da "austeridade" financeira, acompanhada de aumentos bilionários dos gastos. Com a participação até de integrantes do DEM, articula-se no Senado a derrubada de projetos de aumento propostos ou apoiados por Temer. A semana promete. Inclusive, embora de outra maneira, para os deputados, que se deram uns dias de lazer restaurador. (Aqui).
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"A primeira reação saída do Planalto, ao ser conhecido o teor da perícia, foi este: "Isso não interessa, porque o processo de impeachment é político". Mas se não for também jurídico, não há como lhe dar, nem por artimanhas e aparências, alguma base legal. Foi o que faltou a todas as derrubadas de presidentes pelos militares, caracterizadas como golpes, e nada mais."
Ou seja, o Planalto simplesmente pretende que os mortais comuns imaginemos que o Brasil vive sob sistema parlamentarista, única possibilidade de o impeachment ser tratado como tema tão somente político. Aliás, o ministro Barroso, do STF, e outros, estão dando a entender que seguirão esse caminho. Se, eventualmente, a parte prejudicada recorrer à Suprema Corte, será interessante ver doutos, respeitabilíssimos jurisconsultos, nomeados GUARDIÕES da Constituição Federal (artigo 102), sustentarem, de viva voz, argumento tão furado. Acrescento: além de interessante, será constrangedor.
Suponho que para muitos não seria o caso de dizer-se que o Planalto e parceiros estão desesperados com essa história, mas, como na velha anedota britânica, parecem desde logo inquietos...
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