segunda-feira, 22 de novembro de 2010
OS MEDOS DE CADA UM
Por Artur Xexéo
Se alguém me perguntar o nome do papa, vou ter que parar um pouco para pensar. Mas houve um tempo em que papas faziam parte do meu cotidiano. Aluno de um colégio de padres, via o papa João XXIII como um dos mais importantes integrantes da minha vida. E rezava todos os dias pela sua saúde. João XXIII morreu depois de uma certa agonia. Era 1963. E, entre a primeira e a segunda aula, a gente sempre rezava um terço pela melhora do papa. Em vão. Foi a partir daí que comecei a ter medo do papa. Eu era um católico tão aplicado, tão crente, tão cumpridor das obrigações de minha fé que, se houvesse alguém no mundo para quem o papa apareceria depois de morto, só podia ser eu. E isso me dava medo. Comecei a não querer dormir de luz apagada, de pés descobertos. Adquiri mil e umas manias na hora de dormir para afastar a alma do papa de perto de mim.
Superei o medo de papa. Mas hoje, quando me lembro da minha infância, qualquer recordação vem cercada daquele sentimento que misturava reverência e pavor. Desde então, não me apeguei a mais papa algum. Meu último papa foi mesmo o João XXIII.
Mais medo que de papa, só o de areia movediça. Crianças de hoje não sabem o que é isso. Mas as crianças do meu tempo, aquelas que ainda assistiram a filmes em série no cinema, sabem bem do que estou falando. Areia movediça era um perigo que todo mocinho de fita em série tinha que superar e que todo bandido sucumbia diante dele. Poderosíssima a tal areia.
Meu medo era tamanho que passei a aprender truques para quando o destino me fizesse cair naquele lamaçal traiçoeiro. O importante é não se debater, caso contrário, a areia te traga. É claro que, se houver um cipó por perto, dá sempre para se agarrar nele e chegar à margem protetora. Mas, como eu não era bobo, sabia que nunca me embrenharia por uma selva e, portanto, não encontraria meu cipó salvador. Certamente, a areia movediça que me esperava seria urbana. O jeito era nadar. Sim, nadar, como se estivesse numa piscina, para tentar atingir a margem. Como nadar sem se debater? Aí é que está o pulo do gato, o qual, infelizmente, nunca aprendi. Diferentemente do medo de papa, que não tenho mais, o medo de areia movediça me acompanha. E ainda não sei como nadar sem me debater.
Eu tinha medo de prova oral. Por que, sempre que sorteava o ponto, caía capitanias hereditárias? E por que eu teimava em não estudar tal assunto? Até hoje não sei nada de capitanias hereditárias. Trauma escolar. Mas a prova oral foi eliminada da prática escolar e, com isso, meu medo também foi extinto.
Eu tinha medo da Terceira Guerra Mundial. E, pior, tinha medo de ser convocado para ela. Torcia para que a guerra começasse antes de eu completar 18 anos. E para que terminasse antes disso também. Só perdi o medo da Terceira Guerra Mundial quando comecei a ter medo de completar 18 anos. Mas isso faz tempo. Já passei da época de ser convocado.
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4 comentários:
Dodô
Sempre admirei o texto ágil, demolidor e humurado do Xexéo. Mas de uns tempos para cá noto que ele faz parte destes articulisas que estão querendo demolir as coisas boas que estão rolando atualmente no país.Sem entender nada do Enem, neste episódio de agora, ele atacou o Enem com unhas e dentes. Claro que ele estava falando o que seus donos queriam.
abraço
joão antonio
Concordo com o Joao Antonio. Esse Xexeo aí serve às encomendas.
Confesso que não li o(s) texto(s)
do Xexéo espinafrando o ENEM, mas esse negócio de atender às encomendas é mesmo uma m...
dodô
A despeito disto, o texto do Xéxeu continua impagavel, realmente excelente, dos melhores do país.
Ele falou contra o Enem na CBN, e acho que ainda dá pra ouvir, deve um link, vou achar. Querer que o Enem não terros problemas é querer demais. Será que ele como jornalista não comete erros?
grande abraço
joão antonio
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