domingo, 13 de julho de 2025

IDEOLOGIA, BIG TECHS, CHINA: BASTIDORES DA INVESTIDA DOS EUA AO BRASIL (PRIMÓRDIOS)

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"No começo de fevereiro, surgiu entre os bolsonaristas a esperança de que a viagem ao país de Pedro Vaca, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, pudesse servir para esse objetivo." (Ao que este Blog observa: deram com os burros n'água).


Por Jamil Chade (Na Folha)

Semanas antes da eleição presidencial nos Estados Unidos, em novembro de 2024, o Itamaraty decidiu mandar uma comitiva para a capital americana, Washington. O objetivo era entrar em contato com republicanos e democratas para tentar entender as prioridades políticas de cada grupo, e, assim, levantar as ameaças e oportunidades para o Brasil.

A equipe voltou com uma conclusão: se chegasse ao poder, a ala que apoiava Donald Trump no Partido Republicano faria uma forte pressão contra governos progressistas na América Latina, colocaria os interesses das "big techs" como prioridade e não toleraria a influência estratégica da China na região. Os recados estavam dados. Um documento foi produzido e enviado ao chanceler Mauro Vieira, no que seria um alerta preciso do que aconteceria nos meses seguintes.

Nesta semana, a decisão de Trump de aplicar justamente ao Brasil as taxas mais elevadas desta fase do seu tarifaço deixou claro, para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o mundo, que a Casa Branca está instrumentalizando o comércio internacional com fins geopolíticos e ideológicos.

Porém, a despeito dos sinais premonitórios detectados pela comitiva no ano passado, o anúncio da medida foi a culminação de meses de negociações, pressões, manipulações, desencontros e suspeitas. Nos últimos dias, o UOL conversou com diplomatas brasileiros, negociadores e membros da equipe envolvida na negociação com os EUA e ouviu também assessores e diplomatas do governo Trump para contar a história de como estourou a pior crise em décadas entre os dois países mais populosos do Ocidente.

Alertas Iniciais

Trump não esperou nem ser eleito para declarar quais seriam as suas estratégias para lidar com os países emergentes em geral e o Brasil. Em 16 de outubro de 2024, ainda candidato, alertou que imporia uma tarifa de 100% a qualquer país do Brics (grupo de 11 países fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que optasse por usar menos o dólar americano em suas transações comerciais. O comentário foi imediatamente Já eleito, em 30 de novembro o republicano ampliaria a pressão, insistindo que não permitiria que o Brics caminhasse na direção da desdolarização sem ser punido.

Manter a primazia do dólar no cenário internacional sempre foi uma questão de poder para os EUA, não de comércio. A fim de tentar barrar o aumento da influência global da China, que fala e age mais e mais para diminuir a preponderância da moeda americana, defender sua divisa virou prioridade da política externa da Casa Branca. 

Relações Congeladas  

Quando Trump foi declarado vencedor na eleição, a dúvida que persistia entre Washington e Brasília era se haveria uma ligação telefônica entre o republicano e Lula. O presidente brasileiro havia feito declarações simpáticas à candidata democrata Kamala Harris, mas a esperança era de que o "pragmatismo" prevalecesse.

De fato, houve uma tentativa de telefonema entre Lula e Trump. No entanto, a data oferecida pelos americanos coincidia com a cúpula do G20 (grupo das 19 maiores economias mundiais mais União Europeia e União Africana), realizada entre 18 e 19 de novembro de 2024 no Rio de Janeiro. O Brasil então optou por dar preferência aos chefes de Estado que estavam no país.

Ainda em dezembro, a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, trocou algumas palavras com o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Mike Waltz, apontando o interesse do Itamaraty de abrir canais de diálogo. O chanceler, Mauro Vieira, chegou a enviar uma carta ao secretário de Estado, Marco Rubio. O gesto foi ignorado.

Assim que assumiu o poder, em 20 de janeiro, Trump sinalizou que o Brasil não seria tratado como aliado. Haveria uma hierarquia. O novo presidente americano nomeou embaixadores para dezenas de países, porém escolheu deixar a representação dos EUA em Brasília vazia. O atual chefe da delegação é apenas um encarregado de negócios, um sinal diplomático de que não haveria uma aproximação.

Em 21 de janeiro, Trump escancarou seu pensamento: "Nós não precisamos deles [brasileiros]. Eles precisam de nós. Todos precisam de nós". O foco do republicano, ao falar com jornalistas naquele dia, foi o plano do Brics de usar moedas locais para o comércio. "Não há como fazer isso, vão desistir", disse.

O Primeiro Embate  

Não demorou para que o primeiro atrito aparecesse. E não teve a ver com a extrema-direita nem com o comércio. A desavença envolveu os brasileiros deportados por Trump no final de janeiro de 2025…

Dias antes, segundo as fontes brasileiras ouvidas pelo UOL, o Palácio do Planalto havia entendido que o americano não mediria esforços para chantagear um país. Quando o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou que não iria receber os aviões de deportados como os EUA queriam mandar, com os cidadãos acorrentados, a Casa Branca adotou duras sanções contra o governo de Bogotá e tarifas comerciais. A região toda estava avisada. A opção do Brasil foi convocar o diplomata americano em Brasília e sugerir a criação de um grupo de trabalho para resolver a celeuma de forma conjunta. A tática, na avaliação do governo brasileiro, funcionou e evitou que o tema transbordasse.

"Reciprocidade"  

Em Brasília, no entanto, a preocupação era tentar entender o que os americanos queriam no campo comercial. Por semanas, Trump afirmou que adotaria tarifas recíprocas contra todas as economias do mundo. Mas, no caso brasileiro, o que existia era um saldo favorável aos americanos em mais de US$ 1 bilhão.

A Casa Branca estipulou que o seu novo regime tarifário entraria em vigor em 2 de abril, abrindo caminho para que dezenas de governos solicitassem reuniões para iniciar uma negociação. A ameaça contra o Brasil ficou clara quando, em 13 de fevereiro, o governo Trump divulgou o que seria uma indicação da lógica de suas tarifas, citando especificamente as barreiras ao etanol americano.

A partir de fevereiro, o governo Lula e entidades empresariais passaram a enviar documentos e argumentos para tentar convencer a Casa Branca de que não existia motivo econômico ou comercial para as barreiras. No espaço de um mês, três reuniões foram feitas entre os dois governos, inclusive com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O Brasil ainda afirmou aos americanos que, no lugar de retaliações ou decisões de recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), privilegiaria a negociação. Queria mostrar boa-vontade. Sugeriu, inclusive, abrir o mercado de etanol nacional, com a condição de que houvesse uma redução de tarifas ao açúcar brasileiro.

Entretanto, o que ficava cada vez mais claro aos diplomatas brasileiros era de que não parecia haver nenhum argumento econômico que criasse algum tipo de interesse por parte dos americanos. Já pairava no ar naquele momento a suspeita de que o problema não era comercial.

O bolsonarismo entra no jogo 

À medida que as semanas se passavam, a relação entre EUA e Brasil ganhava uma nova dinâmica conforme o bolsonarismo ampliava sua gestão sobre aliados de Trump e organismos internacionais para tentar mostrar que existiria censura e ditadura no Brasil.

Desde a posse do novo presidente americano, em 20 de janeiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, passou a visitar de forma frequente os EUA. Em 40 dias, ele já havia viajado quatro vezes ao país. Sua missão: convencer a ala mais radical da extrema-direita americana a pressionar a Casa Branca por uma ação contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e outros n nomes tidos como algozes do seu grupo no Brasil. Para isso, ele tinha como aliado Steve Bannon, ícone do novo populismo de direita e ex-chefe de estratégia de Trump. A ala ideológica precisava fazer parte da operação.

No começo de fevereiro, surgiu entre os bolsonaristas a esperança de que a viagem ao país de Pedro Vaca, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, pudesse servir para esse objetivo. A ideia era usar o relatório que seria produzido a partir dessa visita para pressionar a base de Trump a agir contra o Brasil. Eduardo Bolsonaro começou então a visitar os gabinetes dos parlamentares de direita na capital dos EUA para pedir apoio nomes tidos como algozes do seu grupo no Brasil. Para isso, ele tinha como aliado Steve Bannon, ícone do novo populismo de direita e ex-chefe de estratégia de Trump. A ala ideológica precisava fazer parte da operação.

No começo de fevereiro, surgiu entre os bolsonaristas a esperança de que a viagem ao país de Pedro Vaca, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para Liberdade de Expressão, pudesse servir para esse objetivo. A ideia era usar o relatório que seria produzido a partir dessa visita para pressionar a base de Trump a agir contra o Brasil. Eduardo Bolsonaro começou então a visitar os gabinetes dos parlamentares de direita na capital dos EUA para pedir apoio.

Na preparação para a viagem de Vaca, congressistas americanos próximos do presidente escreveram uma carta para a Comissão Interamericana colocando pressão. Segundo eles, se a relatoria de Vaca não lidasse com a censura contra os bolsonaristas, eles exigiriam que Trump encerrasse os repasses para o órgão. Sem esse dinheiro, a OEA (Organização dos Estados Americanos) ficaria paralisada. Fontes da sociedade civil, do governo brasileiro e do STF (Supremo Tribunal Federal) consultadas pelo UOL admitiram que a viagem tinha o potencial de ser "um desastre" se fosse sequestrada pelo bolsonarismo.

Até então, a administração Lula mantinha uma relação apenas protocolar com a relatoria da Comissão Interamericana. Naquele ponto, porém, decidiu atuar nos bastidores para se aproximar. A percepção era de que um comportamento mais aberto por parte do governo permitiria que a relatoria se sentisse confortável para fazer indagações profundas e avaliar de forma equilibrada o país. (...).

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