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Notas Sobre os Cinco Indicados ao Oscar de Curta Documentário de 2025
Enquanto acertava em cheio na categoria de documentário de longa metragem, premiando Sem Chão, o mais potente e importante entre os cinco indicados, o Oscar bobeou feio no que diz respeito aos documentários curtos. A Única Mulher na Orquestra (The Only Girl in the Orchestra) é pouco mais que um filme doméstico de uma sobrinha elogiando sua tia.
Não nego a importância da contrabaixista Orin O’Brien, a primeira mulher a integrar a Filarmônica de Nova York, isto desde 1966. Leonard Bernstein a considerava “um milagre”. Filha do ator George O’Brien (protagonista do classissíssimo Aurora de Murnau) e da atriz Marguerite Churchill, Orin parece uma mulher forte, carismática e adepta da modéstia que seu instrumento sugere na orquestra: “Não sobressair” e “Criar com os outros” são seus lemas. Depois de 55 anos tocando na Filarmônica, hoje atua como professora de contrabaixo.
Molly O’Brien fez um filme para enaltecer a tia. Diante da câmera, confessa que queria ser como ela. Registra flashes de Orin com alunos, uma mudança de apartamento e o chamego da artista com seus pesados instrumentos. Tudo se resume a isso. Não arranha a superfície da personagem. Nada da estatura de um documentário digno de Oscar. A distribuição da Netflix (disponível no Brasil) e o nome de Errol Morris como um dos produtores executivos devem ter ajudado a inflá-lo até esse ponto.
A diferença de qualidade chega a ser chocante em relação a I’m Ready, Warden (algo como “Estou pronto, carcereiro”), o melhor e mais impactante dos cinco indicados. A diretora Smriti Mundhra acompanhou os seis dias que antecederam a data prevista para a execução de John Henry Ramirez numa prisão do Texas. Ele esperava há 14 anos no corredor da morte pelo assassinato de um homem em 2004 com 29 facadas enquanto tentava um assalto.
Além de confissões e desabafos do condenado, o filme captou as oscilações de consciência do filho da vítima a respeito de justiça e punição, assim como as tentativas do promotor e de uma religiosa em reverter a pena de morte. Ramirez, por sua vez, desacreditando de qualquer misericórdia, oferecia sua condenação como um conforto para a família do homem que matou e pedia a compreensão do seu próprio filho, agora já um rapaz.
Esse quadro dramático é apresentado com notável sobriedade. Inclusive na forma como deixa clara a completa abjeção da pena de morte. Desde 1982, o Texas já executou 593 pessoas com injeção letal.
Na Flórida, onde a pena capital também é praticada, esse número cai para 107 desde 1976. Talvez porque nesse estado a lei requeira unanimidade do júri. Foi o que livrou Nicholas Cruz da execução pelo assassinato de 17 pessoas, das quais 14 crianças, numa escola de Parkland em fevereiro de 2018. Quando ele entrou no colégio com uma AR-15 decorada com a suástica, deixou também 17 pessoas feridas. Uma delas era Samantha Fuentes, a figura central de Death By Numbers, alvejada na perna e ferida por estilhaços no rosto.
O curta de Kim A. Snyder cola em Samantha enquanto ela comparece ao julgamento do seu quase assassino. Nicholas Cruz estava entre a pena de morte e a prisão perpétua. Samantha vocaliza dilemas semelhantes aos abordados em I’m Ready, Warden no que diz respeito ao desejo de justiça que muitas vezes se confunde com o desejo de vingança. Death By Numbers não chega a montar um quadro tão complexo quanto o outro filme, mas dimensiona razoavelmente o trauma coletivo que esses mass murders instauram na sociedade estadunidense.
Incident é mais um trabalho notável do documentarista Bill Morrison, exímio arqueólogo audiovisual. O festival É Tudo Verdade já trouxe dele o magnífico Dawson City: Frozen Time. Em Incident, Morrison reúne material de câmeras de vigilância, de câmeras corporais e de veículos da polícia para recuperar um incidente ocorrido num subúrbio de Chicago em 2018.
Percebendo que ele portava uma arma, um grupo de policiais brancos abordou um barbeiro negro que passava pela calçada. Ao tentar fugir e reagir à ordem de prisão, ele foi baleado cinco vezes por um dos guardas, que prontamente foi retirado do local pelos colegas.
A multiplicidade e simultaneidade dos pontos de vista revela como a tensão racial acirrou os ânimos no local enquanto os policiais evadidos tentavam criar uma narrativa de proteção do colega que disparou os tiros. Sem acrescentar qualquer elemento ao material bruto, a não ser o destaque gráfico das falas, Morrison monta um testemunho eloquente do estresse urbano que gera tragédias súbitas como aquela.
O quinto indicado ao Oscar de curta documentário pode ser considerado o “fofo” do pacote. Instruments of a Beating Heart ocupa-se de uma turma de 1° ano do ensino básico numa escola de Tóquio que se prepara para o encerramento do ano letivo. Eles e elas ensaiam a Ode à Alegria de Beethoven para as boas-vindas à nova turma que vai chegar. A pequena Ayame esforça-se para aprender a tocar o prato (chimbal) nos tempos corretos.
Cheio de criancinhas graciosas às voltas com instrumentos musicais, o curta de Ema Ryan Yamazaki também tem o seu lado dramático. A pressão para que os alunos sigam a disciplina e atinjam a perfeição tem requintes de crueldade. O medo do erro e o constrangimento público são fatores conhecidos de angústia infantil no Japão.
Afora esse dado um tanto amargo, o filme procura se construir como um conto de superação e aprendizado. É modesto como cinema, mas tem o suporte do The New York Times na produção, o que deve ter lhe valido o prestígio de uma indicação da Academia. - (Fonte: Carmattos - Aqui).
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