Nessa perspectiva, o livro Bambino a Roma pode ser visto como a versão literária amadurecida da mensagem embrionariamente presente em Meu Refrão (Una Mia Canzone). Digo isso não só pelo contexto italiano do livro, mas principalmente pela proposta do autor de olhar para as histórias de sua infância a partir de uma perspectiva de quem acaba de completar 80 anos, e, a partir disso, tecer reflexões profundas, críticas repletas de uma saudade nostálgica. Aos 9 anos, Chico foi morar em Roma com sua família, após seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ser convidado para ministrar aulas na Universidade de Roma, de 1953 a 1954. Foi um período curto, mas que marcou a vida do compositor a ponto de ele querer olhar novamente para esse momento mais de setenta anos depois. Afirmar que a obra é um livro de memórias é um equívoco. O leitor tem diante de si diversas histórias e casos curiosos de sua breve infância romana, é verdade, mas essas lembranças têm uma proposital atmosfera onírica com situações claramente ficcionalizadas, como se produzidas pela imaginação de uma criança pouco preocupada com a veracidade e coerência cronológica dos fatos – aos quais o autor octogenário dá coerência narrativa. Por isso o texto reafirma a potência e o talento ficcional de um escritor consagrado, vencedor do Prêmio Camões, em 2019. A imagem da capa é o pequeno Chico em sua bicicleta, que ganhou de aniversário na Itália e fez questão de levar ao Brasil. Enquanto ele percorre as ruas de Roma com a bike, somos quase que levados na garupa, pelos labirintos dessa memória ficcionalizada. Chico nos transporta ao dia que dançou “Hi‐Lili, Hi‐Lo”, com a atriz de Hollywood Alida Valli, que era mãe de um colega de escola. E quando se espantou, orgulhoso, ao ver na estante de uma livraria um exemplar de Raízes do Brasil: Alle Radici del Brasile. “É o livro do meu pai!” Ao final de um dos capítulos, Chico conta que recebeu de presente de sua mãe um diário para registrar suas memórias romanas, ideia que ela própria dera. Mas, por ser um diário muito infantil com capa e desenhos de borboletas, ele o presenteou à sua irmã caçula, que estava na escola maternal. Com isso, largou a mão do registro. “No futuro a imaginação cobriria as lacunas da memória e os acontecimentos reais se revezariam com o que poderia ter acontecido.” Essa é a essência deste romance, que é fluido e apaixonante, como um passeio de bicicleta pelas vias e praças de Roma. No refrão de Una Mia Canzone, Chico pede que quem o ama cante junto com ele. Ler Bambino a Roma é cantar e celebrar um dos maiores artistas do país. |
quarta-feira, 12 de março de 2025
BAMBINO A ROMA - CHICO BUARQUE
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"Afirmar que a obra é um livro de memórias é um equívoco."
Meu Refrão (Una Mia Canzone) é uma das faixas do álbum Chico Buarque de Hollanda na Itália, lançado em 1969, que traz algumas das primeiras canções do artista vertidas para o italiano. Naquele ano, Chico estava exilado na Europa devido à radicalização da ditadura militar no Brasil depois do Ato Institucional nº 5, o AI – 5, publicado no final de 1968. A letra conta a jornada de um jovem autor, desde quando brincava de bola na escola até as primeiras lições de início da vida adulta. Na canção, Chico escreve um pouco de si, e ao fazê-lo logo depois de um decreto do governo que cerceara as liberdades individuais, dá aos ouvintes e leitores uma forma de valorizar a liberdade artística.
- (Fonte: Rev. Piauí).
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