terça-feira, 15 de outubro de 2019

REVISITANDO A PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA


O que as ADCs Ações Diretas de Constitucionalidade apresentadas pela OAB e partidos PCdoB e Patriota ao Supremo questionam é: É constitucional, ou não, o contido no artigo 283 do Código de Processo Penal? 

Permitimo-nos alinhar as observações que se seguem:

(a) - O artigo 283 do CPP dispõe: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."
(O texto deste artigo foi definido em 2011 [lei 12.843], para atender a deliberação do Supremo de 2009 que, ao julgar determinado HC, resolvera tornar inadmissível a prisão antes da condenação definitiva do réu);

(b) - Tal conteúdo está umbilicalmente ligado ao contido no artigo 5, inciso LVII da Constituição Federal: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."
('Esta é uma regra garantidora do Estado Democrático de Direito, ensejando – por conseguinte – também como regra que o acusado responda seu processo em liberdade');

(c) - Simples assim: a CF fala em culpa, o CPP, em condenação. Claro, a condenação pressupõe a culpa do condenado. A culpa é 'o geral', o abstrato; a condenação, 'o específico', o caso concreto.
(Mas há pessoas que foram presas antes mesmo de o Supremo admitir, 'por escrito' [alínea 'd', abaixo], a possibilidade de prisão do réu após condenação em segunda instância. Como se explica isso? É que o caso específico, o caso concreto, recomenda/recomendou a providência, considerando, por exemplo, a necessidade de preservar-se a ordem pública. É a prisão preventiva [artigo 312 do Código de Processo Penal]. Alínea 'a');

(d) - Em 2016, 'esquecendo' o que decidira em 2009 [alínea 'a', acima] o STF decidiu: a prisão do réu após condenação em 2ª instância PODERÁ ser determinada. (Era como se ele dissesse: poderá acontecer, desde que as circunstâncias específicas, devidamente 'formalizadas', assim o recomendem);

(e) - Acontece que a decisão do Supremo foi 'radicalizada' por tribunais inferiores. O TRF4, por exemplo, emitiu a súmula 122, substituindo o PODERÁ por DEVERÁ, como se ele, TRF4, dissesse: esquece o que disse o STF, esquece o despacho fundamentado, prende logo!

É nesse contexto que - diante da notícia de que o Supremo retornará ao tema a partir da próxima quinta-feira, 17 - resolvemos republicar post de autoria de Jânio de Freitas, que divulgamos em 05.02.18:



A prisão em segunda instância é uma arbitrariedade do STF


A Constituição diz que ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado

As leis e regulamentos estão impressos e à disposição de todos, mas o que predomina é a arbitrariedade, a decisão aleatória de um ou de poucos sem sujeição às leis e aos regulamentos. Essa prática é uma das principais causas da queda do Judiciário, arrastado por sua mais alta instância, aos níveis de desprestígio do Congresso e do governo.

A chegada de Cármen Lúcia à presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça gerou a expectativa de um freio na desordem. Deu o oposto. Com a participação da própria. Por omissão, com sua indiferença conivente aos hábitos antiéticos de Gilmar Mendes, ou por atos seus.

Cármen Lúcia diz agora ser "inadmissível o desacato" ao Judiciário. É preferível que não haja, mas existe e é reconhecida nos regimes democráticos uma atitude chamada "desobediência civil". E, sem desobediência civil, quem mais desacatou o Judiciário e seus regramentos foi um ministro do Supremo, retendo por ano e meio uma decisão já aprovada pelos colegas, e tantos feitos mais, inclusive de natureza política.

Com a mesma arbitrariedade, a presidente do Supremo fez a afirmação pública de que agendaria o reexame de prisão possível na segunda instância e fez a afirmação pública de que não o agendará.

Entre o dito e o desdito, uma semana. A meio da semana, a condenação de Lula em segunda instância. Mas não será a decisão entre segunda e terceira instâncias que dará destino à pretendida candidatura de Lula, ou que poderia livrá-lo do cerco. A reversão de Cármen Lúcia fica, assim, como um casuísmo por mera arbitrariedade.

Apologista da prisão de condenado em segunda instância, o ministro Luís Roberto Barroso argumenta, com o coro de procuradores da República, que a medida combaterá a corrupção.

Em sua teoria, o que motivou a corrupção foi o conhecimento dos corruptos de que protelariam eventuais processos, com recursos judiciais, até o distante final da terceira instância. Ninguém apresentou evidência, uma que fosse, de tal motivação dos corruptos.

Além disso, se a tramitação dos processos é lerda, sabe-se que a morosidade é do Ministério Público (procuradores e promotores) e do Judiciário (segunda instância, não a primeira, e tribunais superiores). Disto há evidência, e está em levantamento mencionado no Supremo.

Há mais. Com o atual direito brasileiro, ao corrupto não importa a instância que dê cadeia: a delação premiada, reduzindo sentença de 40 anos para 2, logo o deixará no gozo livre da fortuna resguardada. Quem duvide pode informar-se sobre Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Otavio Azevedo e os muitos outros premiados.

A intenção de reexaminar a prisão em segunda instância nasceu no mesmo Supremo que a introduziu. Sem qualquer relação com Lula ou outro acusado.

Para adotá-la, e sobretudo para mantê-la, os ministros deveriam ter tomado a providência de buscar, no Congresso, a mágica de uma solução para o item do art. 5º da Constituição que diz: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Se ainda há recurso à terceira instância, portanto, o trânsito está incompleto.

Enquanto for possível ler tal premissa na Constituição, a prisão em segunda instância foi, é e será uma arbitrariedade inconstitucional do Supremo. Um desacato de seis ministros à Constituição.  -  (Aqui).

Nenhum comentário: