segunda-feira, 1 de julho de 2019

A NOSSA VIDA É SÓ UM SEGUNDO, MAS VALE LUTAR EM CADA FRAÇÃO DELE


"Um dia desses recebi um “Tweet” de um raivoso bolsominion (eita, expressão pleonástica!) em que debochava porque eu falava de “varrer do poder” essa turma de insensatos. Dizia, ele, que poderia “botar a barba de molho” porque jamais voltaríamos, nós, a esquerda, governar este país.


Causou-me reflexão. Logo pensei: quanta arrogância! Também Hitler falava no seu império de mil anos e “só” durou doze de intenso sofrimento para a humanidade. Por que quem ganha o poder na base da truculência e da mentira acha que é dono do tempo?
Para começar, o que chamo de “só” doze anos de duração do Terceiro Reich foi, para quem nele viveu ou experimentou seus atrozes impactos, esses doze anos foram uma eternidade. Para alguns, foi uma vida inteira; para muitos outros, foi o fim da vida e o fim dos tempos.
Volto ao Brasil. Como temos pressa nesta nossa guerra! Tal e qual quem viveu o nazismo, queremos, os sofredores com discernimento, que o fascismo non-sense de Bolsonaro acabe já. Também queremos ser donos do tempo.
Mas o tempo não para. E somos todos inexoravelmente escravos dele.
Lula está há mais de um ano encarcerado. Acreditamos ou queremos acreditar que vá sair hoje ou amanhã. Mais de um ano preso é injusto! Um tempo muito injusto. Mas ele segue inabalável. E o quanto mais passa, mais injusto o sentimos, a ponto de exigir o amanhã que encubra o hoje de tantos lamentos!
Se somos escravos do tempo, qual a atitude que devemos ter diante dele? Conformarmo-nos? Cinismo ou resignação? Talvez um pouco de conformação num caldo de cinismo. Explico.
Conformação não é resignação. Enquanto a primeira é atitude ativa, a segunda é passiva. Conformar-se é tornar-se “com a forma” da realidade do momento. Assimilar o contexto em que se vive para sofrer menos e compreender mais. É adequar-se. Para quem luta, é fundamental reconhecer e adaptar-se ao terreno em que a guerra se trava: na guerra é como na guerra e não como na paz! Certos tipos de conduta nossa, de denunciar, de apontar e de publicizar são próprias de uma guerra em que se falam um tom mais alto do que na paz.
Um diplomata alemão uma vez me fez a pergunta, logo após a consumação do golpe parlamentar contra a Presidenta Dilma: “O Sr. não acha que está usando um tom excessivamente eloquente?”. Referia-se metaforicamente ao tom indignado de denuncia que adotara nos meus artigos. Respondi-lhe: “Krieg ist Krieg” – guerra é guerra. Havia me conformado, coisa muito distinta de resignar-se.
Resigna-se quem cansa, quem joga a toalha, pendura as chuteiras. É uma atitude de desespero. Muito humana, mas disfuncional num tempo em que resistir é preciso, ainda que sem a ilusão de domar o tempo.
Precisamos, também, com nossa conformação, uma boa dose de cinismo. É o que nos faz grandes diante do inimigo. Não podemos nos perder na vitimização e na autocomiseração. Temos valiosos companheiros que caíram e não têm, ao menos para o momento, a oportunidade de lutar em campo aberto. Encontrarão seu meio de lutar no círculo fechado, porque, parafraseando Bertolt Brecht, só é excelente quem luta a vida inteira. Mas, para nós, caíram. Estão em desvantagem.
Nosso cinismo deve estar na consciência de que em toda guerra muitos caem. Todas as quedas são injustas, mas quem caiu, era soldado e sabia que estava numa guerra e que cair faz parte dela. E levantemos a cabeça e continuemos a lutar.
Lula está preso. Caiu. Foi uma queda injusta. Temos que denunciar essa injustiça ao mundo e desmascarar aqueles que contribuíram para seu encarceramento na base da mentira, da conspiração e da perfídia. Juízes pérfidos merecem ser expostos e não podemos parar um só segundo nesse esforço de expô-los. A guerra é também comunicação. Tal qual o tempo, no tempo de guerra, a comunicação não pára, não pode parar.
Lula estar preso não justifica ficarmos que nem barata-tonta pirandelliana, como personagens à busca de um autor. Somos todos autores de nosso destino, ainda que não domamos o tempo. E não adianta choramingar porque está demorando muito. Para quem sofre, tudo demora. Mas temos que ver que o Terceiro Reich durou “só” doze anos. E doze anos, para quem enxerga longe, é pouco, por mais impactantes que sejam.
O tempo não para, mas cabe a nós determinar o que vamos fazer dentro dele. E, para os bolsominions ativos, fica o recado: vocês passarão com o tempo, mas não passarão no julgamento da história. Seus mil anos serão vergonhosos segundos da pior experiência republicana brasileira. Feito o Terceiro Reich, é o que vai sobrar de vocês. E nós voltaremos, para limpar a honra do Brasil, apeando-os do poder, sim! E continuaremos a lutar. Por um Brasil melhor."

(De Eugênio José Guilherme de Aragão, texto intitulado "A nossa vida é só um segundo, mas vale lutar em cada fração dele", publicado no Jornal GGN.
Eugênio de Aragão é ex-ministro da Justiça - governo Dilma Rousseff -, procurador da República aposentado e defensor do Estado de Direito).

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