quinta-feira, 11 de julho de 2019

A INALCANÇÁVEL REGULAÇÃO DA MÍDIA


"O debate sobre a previdência pública é o exemplo perfeito da falta de pluralidade de opiniões nos meios de comunicação. Você liga a TV e não importa o canal, todos dizem que o Brasil vai “quebrar” se não aprovarem a tal reforma. Não há espaço para o debate, para o contraditório.
Já passou da hora de desmistificarmos a questão da regulação dos meios no Brasil. Vamos começar com um pressuposto básico: a atividade de radiodifusão (Rádio e TV) é caracterizada como um serviço público, que pode ser prestado pelo Estado, por entidades públicas não estatais, ou por particulares. Neste último caso, o serviço é prestado através de uma concessão pública. O Estado, quando concede um canal, tem a obrigação de fiscalizar o concessionário, para verificar se ele está cumprindo as disposições constitucionais e legais que regem a atividade. Não admitir nenhum controle neste setor seria tão absurdo quanto não fiscalizar uma empresa de ônibus que presta o serviço de transporte público, ou um cartório de registro de imóveis, cujo titular exerce uma função pública delegada.
Desta maneira, já existe um arcabouço legal que regula a mídia no Brasil. Esta legislação está disposta de forma fragmentária, com dispositivos como os arts. 220 a 224 da Constituição Federal e leis como o Código Brasileiro de Telecomunicações (1962). O problema principal é que se trata de dispositivos sem regulamentação, de leis desatualizadas ou insuficientes para proporcionar uma democratização efetiva.
Tomemos como exemplo o art. 220 § 5° da CF, que proíbe a formação de oligopólios no setor de comunicação social: Desde 1988 o dispositivo espera por uma regulamentação. Em outubro de 2010 foram propostas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade por omissão (ADO 10 e 11), instrumentos pelo quais o legislador seria instado a finalmente suprir esta e outras lacunas, mas os processos ainda não foram julgados no Supremo Tribunal Federal. Reparem bem: são mais de 30 anos esperando pela regulamentação.
É importante frisar que quando falamos em pluralismo e participação social, estamos reclamando o cumprimento do disposto na Constituição Federal. Não há propriamente nenhuma novidade ou ato subversivo nesta reivindicação, inclusive o art. 224 da CF prevê o Conselho de Comunicação Social, órgão criado para auxiliar o Congresso Nacional e que foi reduzido a mero instrumento decorativo pela lei que o regulamentou.
Apesar de tudo, os grandes grupos de comunicação continuam com o discurso de que a regulação dos meios é um ataque à liberdade de expressão. Nas sábias palavras de Fábio Konder Comparato, esses grupos na verdade defendem a liberdade de empresa, ou seja, a liberdade de atuarem sem nenhum compromisso com a população.
Longe de ser um instrumento típico de países autoritários, a regulação da mídia está presente nos países com alto grau de democracia, como Canadá, França, Reino Unido, Portugal, Alemanha e até nos Estados Unidos, considerado um modelo para os liberais brasileiros. Aliás, todos os cinco países mais bem posicionados no ranking de liberdade de imprensa feito pelo Repórteres sem Fronteiras (Finlândia, Noruega, Dinamarca, Holanda e Suécia) possuem órgãos reguladores.
O que as classes dirigentes precisam entender é que não nos contentamos mais com uma democracia formal, ou de baixa intensidade. O povo brasileiro tem o direito humano a acessar informações plurais, de se fazer ouvir, de colaborar no debate público, seja qual for a sua condição social e econômica.

(De Rafael Molina Vita, post intitulado "A regulação da mídia está presente nos países mais democráticos do mundo", publicado no GGN - Aqui 
Rafael é membro da ABJD - Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.


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Referências: CAMPOS, Alice. Regulação da mídia pode prejudicar a liberdade de imprensa? Disponível em: https://revistaforum.com.br/regulacao-da-midia-pode-prejudicar-liberdade-de-imprensa/. Acesso em 08/07/2019.
COMPARATO, Fábio Konder. A Democratização dos meios de comunicação de massa. REVISTA USP, São Paulo, n.48, p. 6-17, dez/fev. 2000-2001).

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