terça-feira, 19 de março de 2019

O ATIVISMO IMPERIAL DO DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA NORTE-AMERICANO

Uma jocosa observação feita por críticos incorrigíveis: 'Se uma nave-mãe pousasse no Planeta, é evidente que o faria em território norte-americano. É o Destino Manifesto!'. Mas um fato extremamente positivo seria o de que os EUA são realmente muito ciosos das liberdades e direitos humanos. A Suprema Corte não contemporiza. Transgrediu, punição sem delongas. Isso, que fique claro, dentro da jurisdição da Suprema Corte. Nesse sentido, consta que a prisão de Guantánamo, onde direitos são transgredidos, está onde está, entre outras razões, exatamente para escapar do rigor da mencionada Corte. A terrível Guantánamo, aliás, sobreviveu a Barack Obama, que prometeu fechá-la, sem sucesso. 
      (Leslie Caldwell, procuradora-chefe da Div. Criminal do DofJ dos EUA)
O ativismo imperial do Departamento de Justiça norte-americano
Por André Araújo (No GGN)
De todos os setores do lamentável Governo Obama nenhum é mais criticado do que a gestão atual do Departamento de Justiça (DofJ), hoje dominado por cruzadeiros que querem reformar os EUA e o mundo. Infiltrado por cabeças ideológicas fora do “mainstream” clássico da sociedade americana, o DofJ está nos movimentos anti-conservadores com raiva do mundo, do capitalismo, da sociedade tradicional. São aquilo que os americanos chamam de “liberais”, gente que não gosta dos EUA tal qual ele funciona e querem reformá-lo de qualquer maneira e no processo também reformar o mundo, desconhecendo fronteiras e diferenças culturas.
Um novo Presidente Republicano vai virar de alto a baixo o DofJ, mas o que hoje interessa ao Brasil é a ousadia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos de estender sua jurisdição do Foreing Corrupt Practices Act (FCPA) para todo o planeta.
Essa lei de 1973 foi criada em função de um rol de casos de propinas pagas pela fabricante de aviões militares Lockheed, que chegaram em três anos a 673 milhões de dólares, basicamente, na Arábia Saudita. Mas os casos que viraram escândalo foram na Alemanha e na Holanda. Na primeira, foi subornado o Ministro da Defesa Franz Strauss, e na última o Príncipe Bernhard, marido da Rainha.
O alvo da FCPA são empresas americanas ou com base nos EUA que pagam suborno no exterior. A pretensão de processar a Petrobras é absurda porque o caso não se enquadra na letra e no espírito da FCPA. A Petrobras não é pagadora de propina no exterior, ela foi usada por um grupo de executivos e fornecedores para gerarem situações de propina, mas a pessoa jurídica não pagou propina, outros pagaram propina a alguns de seus executivos.
Além de processar a Petrobras o DofJ pretende também processar todas as empreiteiras brasileiras envolvidas na Lava Jato, mesmo aquelas que não têm negócios ou ações nos EUA, violando a própria letra da FCPA que diz que serão réus empresas que tenham ou sede ou seu centro principal de negócios nos EUA, o que não deveria atingir empreiteiras brasileiras, a maioria das quais só tem negócios no Brasil.
Mas o pior é o DofJ pretender estender a jurisdição americana a uma empresa estatal estrangeira por delitos que ela não cometeu e (mesmo considerando que) sua matriz está sob jurisdição das leis brasileiras, e não americanas. Os advogados do “sistema” brasileiros, que têm ligações com os EUA, acham normal. Já os advogados americanos acham justíssimo, o que é uma aberração.
A Petrobras tecnicamente é uma entidade sob controle de um Estado e pode invocar imunidade funcional e não aceitar jurisdição estrangeira. Estados não são negócios privados, têm outra armadura, assim como oficiais de um Estado não são pessoas comuns em matéria de jurisdição.
Em Novembro de 2007 um comité de direitos humanos pretendeu processar na França o Secretário da Defesa dos EUA Donald Rumsfeld por crimes praticados no Iraque. A Corte francesa não aceitou o processo alegando que um Ministro estrangeiro tem imunidade processual fora de seu país.
Uma agência do governo dos EUA, a National Intelligence Agency, praticou espionagem contra chefes de estado estrangeiros em tempos de paz, inclusive do Brasil. Nenhum Estado tentou processar essa agência, que, sendo um ente estatal, goza de imunidade funcional, mas é evidente que praticou delitos e poderia ser processada.
Os EUA são absolutamente refratários à jurisdição estrangeira contra seus cidadãos, empresas e entes estatais, mas têm a pretensão de impor sua jurisdição no caso reverso. É uma doutrina interessante e sem base lógica.
O problema agora é que os advogados da Petrobras no DofJ, o escritório Clearly, Gottlieb, um dos maiores dos EUA, trabalham dentro do sistema, eles nunca irão contestar a legitimidade do processo. O máximo que irão conseguir é uma redução da multa por negociação, enquanto isso faturam seus honorários, que não serão menos de 40 milhões de dólares.
Já o caso da SEC-Securities and Exchange Commission é diferente. Nesse caso a Petrobras, ao listar suas ações na Bolsa de Nova York, assinou um termo onde aceita a legislação americana sobre mercado de capitais. Portanto, agora a Petrobras terá que se defender juridicamente porque a jurisdição está correta. (Nota deste blog: A habilitação da Petrobras na Bolsa de Nova York foi iniciativa do governo Fernando Henrique, que pretendia aprimorar a imagem da empresa, tornando-a 'palatável' à privatização, o que andou perto de acontecer).
A questão das leis americanas, que eles pretendem ser extraterritoriais, é controvérsia antiga. O princípio é a superioridade moral dos EUA, que se julgam moralmente superiores a determinados países e, por isso, acreditam que suas leis devem prevalecer internacionalmente, descartando soberanias. Isso acontece desde a Guerra contra a Espanha em 1898.
A mais indecente demonstração deste princípio é a prisão sem processo de cidadãos estrangeiros na base de Guantanamo, uma violação dos mais elementares pontos estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual os EUA são signatários. A base ideológica do direito americano é a superioridade moral sobre povos corruptos, mas a aplicação desse princípio é bem seletiva. Aceitam sem qualquer restrição situações de deboche legal completo em reinos do Oriente Médio, em países sem muita devoção a sistemas legais organizados como os do sudoeste asiático, lá o DofJ nem aparece. (Nota deste blog: Lembrando a enorme importância geopolítica do Oriente Médio, presentes os conflitos lá reinantes e as fartas reservas de petróleo...).
Mas na América Latina é diferente, até porque neste continente são apoiados de dentro dos países por seus parceiros internos, que os há às pencas.

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