domingo, 12 de agosto de 2018

ECOS DA CONFISSÃO DE GEBRAN


"Ao meditar sobre julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt percebeu que o que havia ficado mais evidente nos depoimentos que o acusado deu ao juízes foi que ele havia renunciado à faculdade humana de refletir sobre sua própria conduta. Ao insistir que tinha apenas cumprido ordens (para reunir e transportar os judeus aos campos de concentração) e demonstrar orgulho por ter sido um oficial diligente e eficiente (como deveria ser um militar alemão) sem refletir sobre as consequências de seus atos (o extermínio das vítimas do III Reich em escala industrial) ou sobre a justiça ou injustiça da “solução final” decidida na conferência de Wannsee, Eichmann não havia se tornado um monstro ou um demônio. Ele se tornara apenas um ser humano medíocre que, ao deliberadamente suprimir sua consciência, preferiu se transformar num instrumento ativo do que Hannah Arendt chamou de a banalidade do mal. 

Eichmann foi um produto do seu tempo. Ele agiu dentro de um determinado contexto histórico (o do total colapso da ordem moral na Alemanha dos anos 1930) e cometeu crimes contra a humanidade porque foi levado a acreditar na legitimidade das ordens que cumpriu. É fato, a “solução final” não teria sido possível se a imprensa alemã tivesse resistido às primeiras medidas adotadas por Hitler para excluir os judeus da vida política, econômica e social da Alemanha. 


A pólvora e a imprensa estão intimamente relacionadas. Ambas foram inventadas no auge do Gótico. Ambas procedem do pensamento técnico germânico. Ambas são meios supremos da tática faustiana, desejosa de produzir efeitos a grande distância.” (A Decadência do Ocidente, Oswald Spengler, Editora Forense Universitária, Rio de Janeiro, 4a edição, 2014, p. 386)
"Hoje vivemos entregues, sem resistência, à ação dessa artilharia espiritual, de maneira que poucos são os que podem manter distância interior suficiente para perceberem com toda clareza a monstruosidade inerente a esse espetáculo. Três semanas de atividade periodística, e toda gente terá reconhecido a verdade. Seus argumentos serão irrefutáveis, enquanto houver dinheiro necessário para repeti-lo ininterruptamente. Mas ficarão rebatidos, quando uma potência financeira mais forte apoiar os contra-argumentos e os oferecer com maior frequência aos ouvidos e olhos do mundo inteiro. Sem que os leitores se deem conta disso, muda o jornal de proprietário, e dessa forma recebem eles mesmos um novo amo. Também nesse ponto triunfa o dinheiro, pondo a seu serviço os espíritos livres. Não há sátira mais cruel contra a liberdade do pensamento. Outrora não era lícito pensar livremente: agora temos tal direito, porém somos incapazes de exercê-lo. Pensa-se tão somente o que se deve querer, precisamente isso afigura-se nos hoje em dia como nossa liberdade.” (A Decadência do Ocidente, Oswald Spengler, Editora Forense Universitária, Rio de Janeiro, 4a edição, 2014 p. 387)
Uma revista noticiou que o desembargador Gebran Neto (TRF-4) admitiu aos seus amigos que violentou a Lei para manter Lula preso https://jornalggn.com.br/noticia/gebran-diz-que-ignorou-lei-para-manter-lula-preso. Ilegal, a conduta dele deve acarretar consequências. Mas não é sobre essas que pretendo dissertar.
Eichmann renunciou à sua consciência para cometer crimes ao cumprir a Lei. Gebran renunciou à Lei que deveria cumprir para atender sua consciência (ele tinha convicção de que Lula deveria ficar preso). Nos dois casos o papel dos jornalistas foi preponderante. O crime cometido por Gebran Neto foi menos grave que o cometido por Eichmann. Mas o crime cometido pela imprensa brasileira foi muito maior que o cometido pela imprensa do III Reich. Enquanto a imprensa alemã era censurada e obrigada a legitimar um regime racista e assassino, desde 1988 a imprensa brasileira é livre e preferiu deslegitimar um regime constitucional republicano, tolerante e defensor dos direitos humanos.
Gebran recuperou sua consciência. Mas isso não basta. Quem indenizará o mal banal que ele fez a Lula? Quem responsabilizará a imprensa por ter levado um desembargador a descumprir a Lei? Quem restaurará a normalidade democrática num país levado à insanidade por causa do ódio vomitado pela própria revista que noticiou o crime cometido por Gebran após ter exigido e aplaudido durante décadas a perseguição irracional ao PT e a Lula?"



(De Fábio de Oliveira Ribeiro, post intitulado "Eichmann em Jerusalém, Gebran em Curitiba e a imprensa no altar de Belzebu", publicado no GGN - aqui. O comentário guarda relação com notícia publicada na coluna 'Radar', da revista Veja, dando conta de que o desembargador Gebran Neto, do TRF4, confessou - AQUI - haver mandado atropelar a lei no caso do HC em favor do ex-presidente Lula, expedido pelo desembargador-relator do referido tribunal regional. A propósito, há pouco publicamos neste blog o post "A Justiça brasileira e o inolvidável 8 de julho" - aqui -, no qual abordamos essa matéria e frisamos, sobre o ato do senhor Gebran:
."Mas, insista-se, por que Gebran teria confessado? Ora, talvez porque, ciente de que vai ter de ao menos dizer alguma coisa ao Conselho Nacional de Justiça (que interpelou os transgressores Moro, Flores e o próprio Gebran, além do desembargador-plantonista) em 'defesa' de seu ato, cuida desde logo de tentar atenuar o impacto da manifestação em que inevitavelmente terá de admitir a prática da reprovável transgressão." 
Dois comentários selecionados, sobre a atitude criminosa de Gebran Neto, agora confessada:
."Gebran não ignorou a lei coisa nenhuma! Ele apenas cumpriu o NNJ, Novo  Normal Jurídico, com o beneplácito da primeira, segunda e terceira instâncias.  " - Do leitor Eduardo Outro.
."Não é mea culpa. É aviso. " - Da leitora Anna.

EM TEMPO:
Clique AQUI para conferir a repercussão desse festival de arbitrariedades).

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