quinta-feira, 9 de novembro de 2017

SOBRE EXCLUSÃO SOCIAL E OJERIZA A POVO

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Certos 'opiniologistas' atribuem ao protestantismo influência sobre o liberalismo econômico: desde priscas eras, o protestante que não se empenhasse em que o filho começasse a ler a Bíblia aos cinco, seis anos, estaria incorrendo em heresia (logo, empenhando-se, o analfabetismo seria inexpressivo, e mais fácil ao filho ascender socialmente); se não prosperasse no trabalho tenaz, estaria desagradando a Deus. Cada um, portanto, que cuide de si, rezaria a doutrina. Não compete ao Estado interferir no processo. E viva a Entidade Mercado. E louvemos o Laissez-faire! Programas sociais... What?
Mas, convém lembrar que Adam Smith, o papa do liberalismo, teria cunhado a seguinte frase: "Nenhuma nação pode florescer e ser feliz enquanto grande parte de seus membros for formada de pobres e miseráveis."


Falta povo ao liberalismo brasileiro

Por Luis Nassif

Falta POVO no liberalismo brasileiro. O dia em que casar o discurso anti-Estado com as propostas pró-POVO, ampliando a visão Estado x empresas, será politicamente competitivo.
O fator POVO é fundamental por várias razões.
Primeiro, para incutir um pouco de alma no liberalismo brasileiro. Faltam aos liberais generosidade, solidariedade e outros sentimentos nobres que ajudam a legitimar ideias e partidos. O discurso da eficiência ganharia outro colorido, se os resultados fossem claramente destinados à melhoria de vida, dos serviços públicos e das oportunidades à população como um todo. Precisará ser mais Ricardo Barros e menos Eduardo Gianetti.
Segundo, por uma questão de visão de país.
Não se constrói um país sem uma identificação umbilical com seu povo.
Sem propostas para o desenvolvimento social, para o aprimoramento da sociedade, para a ampliação das oportunidades para o POVO, não existe projeto de país.
O Bolsa Família nasceu em cima de princípios anteriormente consagrados pelo liberalismo, pela noção da focalização, pelo uso de indicadores que ajudassem a focalizar a ação nos mais necessitados, pelo cartão que permite sacar dinheiro direto do banco, sem passar pelos coronéis locais.
Bastou ser bem-sucedida para sair do ideário liberal. O mesmo ocorreu com políticas como o REUNI, Ciência Sem Fronteias e outros.
Ora, qual a proposta alternativa? Não se consegue sair da visão fiscalista mais primária, como se superávit fiscal fosse objetivo final, e não o resultado do aumento da eficiência.
Terceiro, para consolidação da própria visão de empreendedorismo e de 4a revolução industrial.
Há uma energia enorme escondida nas classes de menor renda, uma gana pela educação e pelo trabalho, vistos como únicas saídas para o estado de pobreza secular. A ampliação do ensino universitários, as bolsas de estudo, inclusive para faculdades no exterior, foram uma pequena amostra do extraordinário potencial da população, se exposta às mesmas oportunidades da classe média.
A 4a Revolução Industrial prescinde dos operários de chão de fábrica. E exigem trabalhadores criativos. A cultura brasileira é fundamentalmente flexível. Falta o preparo. No entanto, o modelo educacional defendido pelo liberalismo é um oceano de ensino massificado cercando algumas ilhas preferenciais.
A falta de pensadores
Direita e esquerda têm seus ideólogos, formados em torno de uma série de valores positivos e negativos.
A direita conseguiu se estruturar dentro de uma pauta moral medieval, mas, em todo caso, pauta. A esquerda tem os vários matizes, dos direitos humanos às guerras revolucionárias.
Já o liberalismo tupiniquim consagrou alguns porta-vozes fracos, com um discurso recorrente  anti-Estado e pró-políticas monetária e cambial, e não sai desse diapasão. São uma antologia de chavões.
Vez ou outra tentam desenvolver um discurso moral antagônico ao da direita troglodita. Mas são meras posições pessoais, pois não conseguem transformar esses princípios em propostas claras de políticas públicas. E tem uma ojeriza invencível por POVO. Qualquer política visando a melhoria da população é considerada populista, anacrônica, atrasada.
Com essa posição primária, superficial, preconceituosa, acabam comprometendo valores que são essenciais em qualquer modelo: a produtividade, a meritocracia no sentido amplo de igualdade de oportunidades, a criação de um ambiente desburocratizado, favorável ao empreendedorismo, ainda mais nesses tempos de profundas mudanças tecnológicas.
Os fóruns de participação
Nos últimos anos, houve proveitosa convivência dos lados social e empresarial em pelo menos dois fóruns relevantes: o da educação e o da inovação.
Na Educação, juntaram-se as ONGs do setor privado com sindicatos e associações da categoria, discutiram e tiraram um documento precioso, o Plano Nacional de Educação. Houve consenso sobre três pontos:
1. O professor tem que ter as condições ideais na escola.
2. Tem que ser bem remunerado.
3. Dadas as condições anteriores, sua produtividade tem que ser medida e resultados precisam ser cobrados.
E juntaram-se as duas pontas para trabalhar por aumento do percentual para educação no orçamento federal. Obviamente, esse trabalho foi interrompido pela ascensão da quadrilha Temer.
O segundo evento da maior relevância foram as conferências de inovação, que juntaram empresas, cientistas e técnicos em torno do mesmo projeto de país. O que gerou o MEI (Movimento Empresarial pela Inovação), com grandes empresas levantando conceitos de inovação para as pequenas e médias.
Trata-se de bandeira a ser levantada por qualquer partido moderno, liberal ou de esquerda.
Mas, para tanto, os liberais precisam se curar da síndrome Maria Helena Guimarães, a Secretaria Executiva do MEC, ex-Secretária da Educação de São Paulo, que acha que programas de qualidade são um manual que se aplica sem sair da sala e sem ouvir a ponta.
A noção de Estado
Assim como faltam a parcelas da esquerda noções maiores sobre o funcionamento e o papel do mercado, há a mesma ignorância dos liberais sobre os limites de atuação do Estado. Em todos os grandes temas nacionais - energia, telecomunicações, logística, financiamento de longo prazo - analisa-se o Estado com a mesma ótica, de que ele seria substituível pelo mercado.
Nessa superficialidade, não conseguem entender sequer princípios de funcionamento do Estado regulador moderno. Não apresentam alternativas minimamente viáveis para a substituição do Estado no financiamento da pesquisa, na oferta de financiamento de longo prazo, nos investimentos em infraestrutura. Ou, a grandeza intelectual de reconhecer os setores em que o papel do Estado é imprescindível. Com isso, se enfraquecem até nas críticas relevantes contra o Estado, porque misturadas no caldeirão dos preconceitos ideológicos.
Qualquer restrição ao setor privado, não é analisado pela ótica interesse público x interesse privado, mas de Estado x mercado, mesmo quando o interesse público é explícito.
Mais que isso. No esforço de desmerecer todas as políticas bem-sucedidas do governo petista, ajudaram a criminalizar os fundos de participação do BNDES e da Finep, ponto central dos novos mercados, avalizando a análise burocrática do Tribunal de Contas da União.
Não saíram em defesa do BNDES, mesmo sabendo que é um órgão eminentemente técnico, trabalhando em uma área não atendida pelo setor privado.
O centro democrático
O fortalecimento do centro-democrático não virá dessas aventuras inconsequentes, com Dória ou Huck, ou o extraordinário blefe que é Paulo Hartung, o seguidor do manual do perfeito idiota fiscalista – o que desmonta um Estado inteiro para garantir um equilíbrio fiscal.
O centro-democrático se fortalecerá quando criar-se uma massa crítica de pensadores e políticos capazes de entender as características de um Estado moderno, de colocar o foco de todas as políticas públicas na promoção do brasileiro, desenvolvendo uma maneira diferente de entender o país, não como uma fazenda, mas como um organismo social e economicamente complexos.
Houve um tempo em que o PSDB tinha como aliados pensadores social-democratas que vicejavam na USP e que conseguiam contrapor ideias aos pensadores mais à esquerda.
Todos pularam do barco tucano.
É hora de começar a se pensar em uma convergência de ideias, acima das quizilas partidárias e eleitorais.  -  (Fonte: aqui).
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"Assim como faltam a parcelas da esquerda noções maiores sobre o funcionamento e o papel do mercado..."
Ao que a leitora Vera Lúcia Venturini observa: "Qual mercado? O mercado que destruiu a maior economia do mundo e enlouqueceu a sua população com retirada de direitos e a alienação do consumo de um lado e a pressão da meritocracia de outro? O mercado que é o cassino das bolsas de valores mundiais? O mercado do Lemann, que dá um golpe de estado para se apropriar do sistema Eletrobrás enquanto mantém contas em paraísos fiscais para desviar dinheiro de impostos? O mercado da Trafigura mostrado na série Lava Jato?
Explica aí o que tem de bom esse "deus mercado" porque eu sou de esquerda."
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E o leitor Adolfo Silva Rego arremata:

"O liberalismo nessas plagas é uma aberração. Em uma passagem de seu livro 'O mito do desenvolvimento econômico', Celso Furtado escancara os interesses ocultos por  trás do  liberalismo ao deixar claro que essa corrente econômica só é vantajosa para as nações que, industrialmente, têm vantagem competitiva. Nesse sentido, lembra que o liberalismo surgiu na Inglaterra (Adam Smith et caterva), país mais industrializado da época. Para além disso, é bom destacar que esses 'liberais' brasileiros são, na verdade, uns beócios 'neoliberais', fundamentalistas que idolatram Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Me surpreende muito o Nassif achar que o problema deles é não incluir o povo em suas formulações, não falar de solidariedade, não ter propostas para o desenvolvimento social etc. etc. etc. Falar de neoliberalismo e 'solidariedade', neoliberalismo e preocupação com 'desenvolvimento social' etc. é uma contradição em termos. Pois, como diria a 'dama de ferro', parteira do neoliberalismo, 'não existe essa coisa de sociedade, o que há e sempre haverá são indivíduos'."

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