segunda-feira, 27 de novembro de 2017

ECOS DA PAIXÃO FELINA

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O rosto manso da insanidade

Por Felipe A P L Costa

Dependendo da identidade do invasor, conversas a respeito da necessidade de erradicar espécies invasoras facilmente descambam para um bate-boca entre ‘amantes’ e ‘carrascos’ de animais. É uma polarização simplista e, quase sempre, paralisante.

No caso dos gatos domésticos – problema mencionado no artigo ‘O impacto negativo de uma paixão’ –, considere a posição do blogue ‘Vox felina’, do engenheiro mecânico e professor universitário estadunidense Peter J. Wolf, um defensor intransigente dos gatos ferais. Wolf se diz afetivamente envolvido com esses animais, mas garante que a sua luta se dá sobre bases científicas. Ocorre que ele habitualmente rechaça todo e qualquer esforço dos estudiosos no sentido de obter um quadro mais confiável da situação. Os resultados do trabalho de Loss e seus colegas (ver o artigo ‘O impacto negativo de uma paixão’), por exemplo, foram classificados por ele como ‘exagerados’.

Nessa mesma linha de raciocínio, anos antes Wolf criticou duramente a zoóloga estadunidense Nico Dauphiné. Envolvida com um estudo a respeito da ecologia de gatos criados soltos, Dauphiné teria ficado bastante transtornada ao constatar a extensão do impacto negativo que esses invasores têm sobre a fauna nativa. Denunciada por alguns vizinhos, sob a acusação de ter tentado envenenar alguns gatos, ela foi afastada de suas atividades profissionais e terminou sendo condenada a cumprir uma pena de 120 horas de trabalho comunitário, embora não tenha admitido a sua culpa durante o julgamento – para detalhes a respeito desse caso, tão emblemático, ver o artigo ‘Cat fight’, de John Carey, publicado na revista Conservation, em março de 2012.
Peludos são do bem, escamosos são do mal
Curiosamente, porém, nem todos os animais merecem atenção ou despertam reações tão acaloradas. Assim, enquanto alguns apaixonados gritam contra os programas de erradicação de gatos ferais, a sorte de invasores menos ‘fofinhos’ é decidida de um jeito bem diferente. Veja o caso do ‘Desafio Píton’ (‘Python Challenge’), uma patética, sinistra e contraproducente iniciativa que vem sendo patrocinada pelo governo da Flórida (EUA) para combater a disseminação de serpentes invasoras naquele estado.
O alvo do Desafio Piton é a píton-birmanesa (Python molurus), uma espécie originária da Ásia, cuja proliferação pelo sul da Flórida tem tido um impacto ecológico bastante expressivo. A origem do problema, ao que parece, tem a ver com o fato de que alguns criadores arrependidos andaram se livrando dos animais – descartando-os em terrenos baldios ou em outras áreas ao ar livre, algo que nunca deve ser feito, nem mesmo com o mais ‘inocente’ peixinho de aquário.
A imprensa brasileira reportou o assunto, embora com seus tons brejeitos tão característicos. Em 2013, por exemplo, consegui localizar um pequeno (e equivocado) registro – ver ‘Termina polêmico concurso na Flórida de captura de pítons birmanesas’, matéria da Agência EFE reproduzida pelos portais G1 e R7, em 17/2. A matéria contém erros e mal-entendidos. Para início de conversa, o leitor é levado a pensar que o Desafio Píton 2013 foi um concurso de captura, e não foi nada disso.
As serpentes capturadas tinham de ser mortas pelos competidores. Os animais que fossem apenas capturados simplesmente não seriam computados. No fim do dia, os esforços de uns mil e poucos aventureiros resultaram em 68 serpentes decapitadas. No dia seguinte, no entanto, o rosto manso da insanidade veio à tona: as lojas de animais continuavam funcionando, sem qualquer restrição – as importações continuavam liberadas, inclusive as de serpentes, salvo uma ou outra restrição.
Para relatos mais informativos a respeito da versão 2013 dessa pequena ‘epopeia’, tão emblemática dos dias insanos que vivemos, sugiro duas leituras: o artigo ‘Florida’s great snake hunt is a cheap stun’, de Bryan Christy, publicado na revista National Geographic; e a matéria ‘Florida holds high-profile hunt for low-profile creatures’, de Lizette Alvarez, publicada no The New York Times – ambos foram publicados em 23/1. O artigo de Christy é particularmente valioso e inspirador.  -  (AQUI).
[Nota: adaptado de artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa, em 19/3/2013; para detalhes a respeito do livro mais recente do autor, O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017), inclusive sobre a aquisição por via postal, ver aqui ou aqui.]

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