quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O DURO ACERTO DE CONTAS DA MÍDIA COM ELA MESMA

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Rotineiramente, integrantes da Corte Suprema costumam enfatizar a importância de que o seu ofício se reveste. De fato, atuar como Guardião da Constituição, em respeito à determinação expressa em seu artigo 102, é, sim, em tese e mais ainda na prática, atribuição de extrema relevância.  
Pouco antes de concluir o seu mandato, o PGR Janot inseriu, em nota na qual rebatia críticas de oponentes, referência à CF: algo como "a Constituição é a Mãe a quem devemos satisfação". 
Mas o certo é que a realidade dos fatos mostra que nos últimos tempos, em determinados episódios (as famosas 10 medidas anticorrupção formuladas pelo MPF, a prisão do réu após condenação em segunda instância, as conduções coercitivas esdrúxulas, as prisões preventivas perpétuas, as delações a fórceps...), a expressão "respeito à Constituição" mais parece  figura de retórica. 
No âmbito da comunicação social o quadro é igualmente sombrio. Um exemplo: O § 5º do artigo 220 da CF determina que "Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Mas, o que se vê, há décadas?
Ter presente essa realidade pode ajudar a entender o porquê de tantas mazelas, como as a seguir expostas: 


O duro acerto de contas da mídia com ela mesma

Por Luis Nassif

Fala-se muito na ausência de Estadistas nos diversos poderes da República e nos diversos partidos políticos. Por tal, definem-se aquelas pessoas com visão clara sobre um futuro incerto, que se propõem a construir as bases para a nova era, desviando-se das armadilhas do curto prazo.
Faltou Estadista na mídia.
Ontem, dois diretores de redação procederam a uma autocrítica tardia dos abusos cometidos na Lava Jato. Admitiram que foram a reboque dos vazamentos, que assassinaram reputações de inocentes e que não cumpriram o papel de filtros da informação.
Lembro-me do longínquo 1999, na CPI dos Precatórios. Embora de modo mesmo intenso, havia um vazamento escancarado de informações, de todos os lados, sem que houvesse uma estratégia de cobertura, com cada veículo querendo dar seu furo e comendo nas mãos das fontes.
O principal responsável pelo golpe, o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, conseguia passar incólume pelo noticiário. Desenvolvi uma narrativa à parte da cobertura, juntei peças que estavam soltas e, remontado o quadro, aparecia nitidamente o papel de Maluf.
A não ser o caso do jornalista Fernando Rodrigues, que saiu nitidamente em defesa do ex-prefeito, tentando desqualificar as evidências que apontavam para ele, o restante da blindagem era fruto exclusivo da falta de preparo da cobertura. Narro essa guerra jornalística no meu “O jornalismo dos anos 90”.
Instado por Otávio Frias Filho, apresentei internamente sugestões para coberturas desse tipo.
O primeiro passo seria criar uma Sala de Situação, com jornalistas experientes, na redação, fora do calor das batalhas diárias, juntando as informações e planejando a cobertura. O grande desafio seria montar uma narrativa inicial, plausível, uma espécie de fio de Ariadne que ajudasse a cobertura a se localizar nos labirintos da notícia.
Depois, ir juntando informações em torno da hipótese inicial, com suficiente discernimento e flexibilidade para mudá-la, caso os fatos levassem a isso.  Se fugiria da armadilha de procuradores que se tornam prisioneiros da narrativa inicial e passam a enfiar provas a marteladas para manterem a coerência com o errado.
No caso da Lava Jato houve mais do que essa falta de competência da cobertura da mídia. Havia o propósito político claro de usar as informações como armas de guerra. Não apenas na Lava Jato, mas em toda a cobertura jornalística desde 2005. Era óbvio que, no mar de notícias fake que se seguiu à ampliação das redes sociais, a grande estratégia do jornalismo seria o filtro. Preferiam ser os alavancadores das falsas notícias.
Em qualquer grande país, há um grande jornal de centro-esquerda, outro de centro-direita, mas ambos respeitando integralmente a notícia. O respeito à notícia faz parte das qualidades intrínsecas do jornalismo, como gelar é função da geladeira, cozinhar do fogão. A geladeira pode ter mil badulaques. Mas sua qualidade intrínseca é de gelar. Os veículos podem ter linhas políticas distintas. Mas sua qualidade intrínseca é bem informar.
Tudo isso foi deixado de lado. Agora se tem esse desafio inglório de divulgar pesquisas para tentar explicar ao leitor que o jornalismo pátrio é o remédio contra as fakenews.
Que jornalismo? O que anunciou a invasão das FARCS no Brasil, os dólares de Cuba remetidos em garrafas de rum, a ficha falsa de Dilma, o respeitado assessor que não passava de um pequeno estelionatário, o esgoto diário e semanal despejado sobre o país durante tanto tempo?
Por trás do macartismo enlouquecido, praticou-se toda sorte de jogadas. E, como não existe Estadista na mídia, permitiu-se, nesse período, a consolidação final do poderio da Globo.
Enquanto jornais transformavam blogs em seus adversários preferenciais, a Globo abocanhava parcelas cada vez maiores da publicidade das estatais.
Hoje se tem essa situação humilhante, dos jornais equilibristas. Na reportagem, denúncias contra Michel Temer, para impedir a desmoralização final dos veículos. Nos editoriais, apoio, para impedir o corte de publicidade.
Ainda vai levar algum tempo para perceberem que os maiores defensores do jornalismo foram os jornalistas que denunciaram essas distorções monumentais, que acabaram por liquidar com a credibilidade do jornalismo pátrio. Mas que só conseguiram externá-las longe dos jornais. O pluralismo dos anos 90 tinha se transformado em muralha intransponível.  -  (Fonte: aqui).

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