terça-feira, 8 de agosto de 2017

DA SÉRIE VÍCIOS QUE VÊM DE LONGE


A manipulação das estatísticas no Brasil

Por Luis Nassif

Nesses tempos de big data, de abundância de estatísticas, é chocante a pobreza da discussão econômica do país, especialmente em relação aos gastos públicos, despesas correntes, investimentos e financiamentos.
O jogo ideológico consagrou alguns economistas que se especializaram em contas públicas, Previdência, cálculos de subsídios. Todos eles, invariavelmente, analisam os dados a seco, sem nenhuma preocupação em estender as análises para as chamadas externalidades positivas ou negativas.
Vamos a alguns exemplos.

Subsídios ao BNDES

O cálculo é feito sobre os aportes do Tesouro comparando os custos da dívida pública (medido pela Selic) em comparação com o custo dos financiamentos (em TJLP).
Desconsideram os seguintes pontos.
O financiamento vai gerar um novo empreendimento, que ampliará a capacidade instalada do país. Especificamente no plano fiscal, o novo empreendimento gerará os seguintes tipos de receita:
  • Imposto de Renda da empresa, quando em operação.
  • ISS (Imposto sobre Serviços) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) pagos pela empresa
  • Contribuição previdenciárias sobre a folha de salários.
  • Nos casos de obras de infra-estrutura, aumento da eficiência econômica no entorno.
  • Com a venda dos produtos, pagamento de ICMS que será transferido para o consumidor, na ponta.
  • Do ponto de vista social, aumento da oferta de emprego.
Nenhum desses dados é considerado, apesar de o BNDES fazer esses levantamentos de impacto em cada grande financiamento concedido.

Salário mínimo

No caso do salário mínimo na aposentadoria, estudos do IBGE identificaram que em 55% das residências com um aposentado ou pensionista ele se torna o arrimo de família, as crianças estudam mais e entram no mercado de trabalho mais tarde.
Significa:
  • Economia nos gastos com saúde
  • Economia nos gastos com segurança pública
  • Melhoria da eficiência da mão-de-obra, porque crianças com mais condições de estudo.
Anos atrás, o IBGE soltou essa pesquisa. A reação do mercado foi contratar um economista da Tendências Consultoria para tentar comprovar a tese de que, em casas com aposentado ou pensionista, aumenta a propensão à vagabundagem por parte das crianças.
A pesquisa foi feita com essa intenção e não comprovou a tese. Mas seus resultados jamais foram incorporados ao debate econômico.

Custo dos juros

O diferencial de juros a mais, no Brasil, impacta os seguintes setores:
  • Encarece o custo do investimento, já que o cálculo é feito em cima da Taxa Interna de Retorno (TIR), que é influenciada pela Selic.
  • Desvia recursos do orçamento, impactando diretamente os investimentos públicos em infraestrutura.
  • Encarece toda a produção, já que a empresa irá procurar uma TIR compatível com o custo do dinheiro. Isso a faz restringir os financiamentos e aumentar o preço dos produtos gerados, como maneira de alcançar os níveis de rendimento da SELIC.
Não basta ter a planilha. É preciso imaginação criadora e espírito isento para bem utilizá-la.  -  (Aqui).

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Essa questão da manipulação de dados estatísticos e metodológicos em busca de 'resultados que interessam' é praticamente recorrente em todos os quadrantes da burocracia estatal. Na época do "milagre", p. ex., o Brasil de Delfim Neto tinha familiaridade com práticas 'heterodoxas', o que rendeu até matéria de capa de revista semanal. Essa perniciosa disposição de agentes estatais bem que poderia ter inspirado Georges Pompidou, dirigente francês do século passado, a elaborar a seguinte máxima impiedosa: 
"Das várias maneiras para se atingir o desastre, o jogo é a mais rápida, as mulheres a mais agradável e consultar economistas a mais segura." 
E isso valeria para todos eles, indiferentemente.
Com a necessária ressalva de que em certas quadras da vida nacional a manipulação parece bem mais despudorada.

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